«Este é o dia mais feliz da minha vida profissional»

Não se diz isto de ânimo leve. Mas se quem o diz é Zinedine Zidane logo depois de ser campeão espanhol, alto. A Liga espanhola acima dos títulos de campeão do mundo e campeão da Europa com a França, dos títulos de campeão italiano e espanhol como jogador, isto para não nos tornar a conversa maçadora, que o palmarés dele dava para seguir por aqui fora. E acima da Liga dos Campeões, do Mundial de clubes e da Supertaça Europeia, em 16 meses como treinador.

E tudo isto com o estilo só dele. Em campo talento, visão e liderança. No banco também. Liderança, sobre tudo, discreta. 16 meses depois, há muitos rostos do título de campeão de Espanha que fugia há cinco anos ao Real Madrid. Há Cristiano Ronaldo, claro, acima de todos em campo. Mas esta é também a consagração definitiva de Zidane, o treinador. Agora «Don Zizou», como lhe chamou o francês LÉquipe na manchete depois da conquista do título.

A festa do Real Madrid segue e pode não ficar por aqui, daqui por menos de 15 dias há a final da Liga dos Campeões. Mas enquanto isso é justo guardar este momento em Málaga, a imagem dos jogadores a levantarem Zidane ainda no relvado. Foi um dos momentos em que ele exteriorizou a felicidade. Também o fez, mais ou menos forçado, na sala de imprensa, quando os jogadores o regaram com champanhe. Também lá foi dizendo que lhe apetecia saltar para a mesa e dançar, mas não o fez. Manteve-se circunspecto e discreto. Mas sabendo que este é o título que faz a diferença.

Zidane treinador do Real Madrid foi uma solução de recurso em janeiro de 2016, é bom recordar. O francês estava em estágio no Castilla e saltou para a equipa principal com o comboio em andamento quando saiu Rafa Benitez. Terminou essa Liga em segundo, a um ponto do Barcelona, e venceu a Liga dos Campeões, a «Undécima» do Real, na final com o Atlético Madrid.

Ainda assim, era o Real Madrid, o gigante e a sua constelação de estrelas. Não era o treinador o primeiro protagonista. O que aliás tem sido, no Real Madrid, o melhor caminho para o sucesso. Basta lembrar Del Bosque.

E agora Zidane. Ele chegou sem grande expectativa, uma espécie de rótulo de interino colado, a ver no que dava. E viveu bem com isso, sem puxar os holofotes para si. Foi assim que geriu, depois da meia época passada, toda esta temporada e, sobre todas, a grande prova de resistência, a Liga. E que a superou com distinção na primeira época completa no banco.

Geriu-a a partir do banco, a jogar com cansaços, jogadores, lesões e expectativas. Sereno e tranquilo como treinador, para quem olha de fora mais maduro e sereno do que era em campo o homem que perdeu muitas vezes a cabeça e acabou a carreira a dar uma cabeçada em Materazzi na final de um Campeonato do Mundo.

Sereno e tranquilo, mas sem deixar de assumir decisões difíceis. O grande exemplo é a forma como resguardou Cristiano Ronaldo ao longo da época, poupando-o de jogos fora, a gerir o esforço do jogador mais decisivo do plantel com a Liga e a Liga dos Campeões em jogo até ao fim. Também a forma como foi respondendo a focos de descontentamento, entre todos o de James Rodríguez. Depois, também beneficiou das oscilações de um Barcelona com crises de identidades, sim. E foi feliz em vários momentos, ele e a equipa, mas não se fazem campeões sem essa qualquer coisa que, na dúvida, vira a favor deles.

Florentino Pérez, o presidente do Real Madrid que já ganhou umas quantas coisas mas também já errou muito, reconheceu isso mesmo na festa desta segunda-feira, ao saudar em especial o seu treinador: «Foste o melhor jogador do mundo, és o melhor treinador do mundo.»

Zidane não é o primeiro grande jogador a ter sucesso como treinador. Nem sequer o primeiro no Real Madrid a ganhar o campeonato como treinador e jogador, o que dá uma medida da dimensão do clube. Miguel Muñoz já o tinha feito, nos anos 50 e depois 60.

Mas o que já conseguiu é fenomenal. E o que pode juntar-lhe daqui por duas semanas torná-lo-á, sim, único. Ninguém conseguiu revalidar o título europeu desde a criação da Liga dos Campeões. E se o Real Madrid vencer a Juventus na final fará uma dobradinha, campeonato e Taça dos Campeões Europeus, que o clube não consegue há quase 60 anos.