Manuel Galrinho Bento foi o gurda-redes que mais vezes representou o Benfica em jogos internacionais: 59 nas três competições da UEFA, ao longo de 12 temporadas (entre 1974 e 1986). Tendo usado a braçadeira de capitão em 13 ocasiões, o guarda-redes dos encarnados construiu uma sólida reputação na Europa, que o fez ombrear anos a fio com os melhores especialistas estrangeiros no seu posto.
Bento compensava as limitações naturais de altura (apenas 1,73 m) com uma agilidade fantástica e uma agressividade que o fazia ser dono de toda a área, sendo muitas vezes um espectáculo dentro do próprio espectáculo. O seu melhor registo na Europa foi a presença na final da Taça UEFA, diante do Anderlecht, em 1983.
Em 2006, no âmbito do livro «Sport Europa e Benfica», escrito pelo Maisfutebol para comemorar os 50 anos de provas da UEFA, Bento concedeu-nos uma extensa entrevista, da qual recuperamos alguns excertos, homenageando um dos grandes nomes do futebol português de todos os tempos.
A chegada ao Benfica e a posterior afirmação: «Até 1973 só fiz um jogo oficial, depois nos torneios fui alternando com o Zé Henrique, e fui jogando na Taça. Entretanto, em 1974, começamos mesmo a alternar. O Benfica raramente se enganava nas aquisições. Quando ia buscar um jogador não era para fazer número. Foi o que aconteceu comigo. Estava no Barreirense, o Benfica já andava atrás de mim há quase dois anos, desde a festa do Coluna, em que eu fui convocado para Selecção do Resto do Mundo. A partir daí não me largaram mais. Sabia a responsabilidade que ia ser substituir o Zé Henrique, que era titular na selecção e tinha um palmarés muito bom. Através da vontade férrea que tinha em vencer no futebol, e de muito trabalho e empenho as coisas conseguem-se. A minha arma foi essa, a vontade de trabalhar e, acima de tudo, singrar no futebol.»
A eliminatória com o Torpedo Moscovo, em 1977, em que marcou o penalty decisivo: «Quer cá quer lá as coisas correram-me muitíssimo bem. Eu já era marcador de penalties nos torneios e o Mortimore (N.R. treinador) apostou em mim. Defendi os dois primeiros, estávamos praticamente à vontade e ele decidiu que eu ia marcar o último. Consegui e passámos a eliminatória.»
O ponto mais alto da carreira, em 1980/81: «Estive mais de mil minutos sem sofrer golos, numa série de jogos que englobou o campeonato, Taça, Taça das Taças e, salvo erro, um ou dois jogos de selecção. Fizemos a dobradinha e fui considerado jogador do ano. Os jogadores que estavam à minha frente também estiveram muito bem e acabámos por atingir quase todos os objectivos que nos propúnhamos. Foi um ano espectacular, o melhor da minha carreira».
A chegada de Eriksson, em 1982: «Eriksson deu-nos uma outra força, outra mentalidade e, acima de tudo, muita responsabilidade. Enquanto os outros treinadores vinham para o Benfica tendo como primeira preocupação fazer estágios para prender os jogadores, porque éramos todos uma cambada de vadios e queríamos era copos, e não sei que mais, Eriksson fez precisamente o contrário. Juntou o grupo e disse que nos jogos em casa, fosse contra quem fosse, os estágios iam acabar. Quem corresse dentro do campo e jogasse o que sabia, tinha lugar na equipa. Quem não o fizesse saía automaticamente e depois para voltar podia ser um caso sério. Na metodologia de treino e no contacto com os atletas foi tudo diferente para melhor. O Benfica e o futebol português beneficiaram muito com ele.»
A influência que sempre exerceu na equipa: «O guarda-redes é sempre o último par de olhos nas costas dos defesas. Percebermos que os colegas da frente não estão a falhar obriga-nos a estar extremamente concentrados. Porque eu também cobrava aos meus colegas, quando não davam tudo: Ouve lá, se eu meto lá a cabeça vocês também têm que meter o pé. Às vezes saía um palavrão, mas era de incentivo, não era para ofender. Foi também por isso que durante muitos anos conseguimos ser muito fortes e coesos.»