Advertência: o que é ser louco por futebol? Hoje em dia está na moda ter fobia desde desporto que torna as mentes irracionais, pelos escândalos que arrasta, pela lama em que se parece mover. Futebolfilo me confesso. O termo nem existe, mas seguindo a etimologia que me interessa (repescando o grego, que dá o significado de amor a filia), sou um amante desta onda que nos torna irracionais. Aliás, tenho a certeza que estou a escrever para alguém igualmente louco/apaixonado/irracional, que não consegue passar muito tempo sem ver a bola a rolar. Futebolfilia (o tal termo que não existe, mas que passará a denominar esta coluna) servirá, então, para explicar este estado de espírito.
Um campeão que fale português
O castelhano invadiu a nossa Liga. Ouço Quique gritar para dentro de campo: «Carlos, a jugar, cambia con Katso». Compreende-se, apesar do esforço para articular o discurso na conferência de imprensa num espanholês suave, o treinador Flores não perde a essência lá dentro, solta-se e expressa-se naquele sotaque muito característico, de quem não esconde as raízes.
Num plantel tão vasto, ficou claro que Zoro, Sepsi e Edcarlos não conseguiram entendê-lo. Nelson, Luisão, Luís Filipe, Nuno Assis e Makukula também estão com alguns problemas de expressão, mas Rui Costa tem sabido encobrir as falhas com reforços de qualidade e fluência na língua de Cervantes. Aimar ficou com a batuta e Reyes promete ser o solista de serviço, numa orquestra que ainda só dá sinais de banda filarmónica (onde vai parar Urreta, com um monstro à esquerda?).
Como tudo o que acontece neste país, as modas quando chegam colam-se como lapas na rocha Atlântica. Depois dos brasileiros, o paradigma altera-se. Para os dois inimigos de Norte e Sul não basta serem diferentes, têm sempre de se imitar para poderem mostrar que a sua escolha, embora sendo a mesma, foi a melhor.
Enquanto Quique desenvolve o espanholês para poder dar ordens aos lusitanos que restarem, Jesualdo apura o portunhol, numa equipa austral e sobretudo castelhana. Sem Paulo Assunção para suster o ritmo de samba, a parca herança recai em «Hulk», uma espécie de brasileiro 2.0, devidamente domesticado pela eficácia e rigor japoneses. Helton e Lino podem ter a certeza: terão um ano difícil, porque no Dragão grita-se fuego (na bancada diz-se fuago). Fuego nos pés de Lisandro, nas fintas de Rodriguez e na inteligência de Lucho. Neste novo paradigma latino ainda cabe o romeno Sapunaru e alguns nativos que vão subsistindo.
O futebol nacional tornou-se um muro de lamentações, onde os que perdem batem com a cabeça porque não sabem o significado de rezar. E são poucos os crentes. Dizem não ter dinheiro para suster os nossos craques e por isso vendem-nos. Até já vendem os que não são craques. Mas continuam a comprar desenfreadamente, todas as épocas, a meio da época, mal percam duas ou três vezes.
Para o caso, serve-me o processo que atravessa o Sporting. Por ser o único dos grandes sem dinheiro, deixou-se de vícios. Deixou de acreditar em banhas da cobra vendidas por directores-desportivos e cingiu-se ao essencial: construir uma equipa. Apostar numa espinha dorsal, em jogadores-chave, que sabem que chão pisam, e acreditando na qualidade do trabalho que tem sido feito na Academia. É claro que isto não garante comissões absurdas, mas palpita-me que poderá mesmo resultar em sucesso a muito curto prazo. O que poderá garantir à primeira Liga Sagres um campeão que fale português (com algum sotaque à mistura).
«Futebolfilia» é um espaço de opinião da autoria de Filipe Caetano, jornalista do IOL, que escreve aqui todas as quartas-feiras