Na semana passada, na antecâmara da estreia de Zinedine Zidane na Liga dos Campeões, fizemos as contas aos treinadores que conseguiram vencer a prova no ano em que se estrearam na mesma. Desta feita, no rescaldo do empate do Bayern de Munique em Turim que deixa algumas dúvidas para o duelo da segunda mão, a pergunta que se impõe é, praticamente, o inverso: conseguirá Guardiola juntar-se ao leque de treinadores que se despediram de um clube ganhando a Champions?

Fomos, novamente, vasculhar nos livros de história da mais importante prova de clubes da Europa e a resposta numérica é simples. Por catorze vezes um treinador deixou a equipa depois de vencer a Liga dos Campeões. Contudo, apenas doze técnicos o fizeram porque dois (Jupp Heynckes e José Mourinho) foram repetentes.

Mas já lá vamos. Para já, o foco. Pep Guardiola, sabe-se, deixará o Bayern Munique no final da época para assumir o Manchester City. O desafio do espanhol é, já agora, o mesmo de Manuel Pellegrini, portanto, já que os «citizens» ainda estão em competição. André Villas-Boas, que também já assumiu que deixará o Zenit, está na mesma situação.

De qualquer forma, não é, de todo, descabido, dizer que está em Guardiola a maior fatia de favoritismo e, consequentemente, responsabilidade de repetir o que aconteceu pela última vez em 2013…com o seu antecessor.

Jupp Heynckes foi o último treinador a ganhar a Liga dos Campeões e, de seguida, abandonar o clube. Uma época de sonho, de resto, para o técnico alemão que orientou o Benfica. Venceu campeonato e Taça da Alemanha e, na final com o Borussia Dortmund, juntou-lhe a segunda Champions da carreira.

A situação foi, de resto, muito parecida com a de Guardiola, que já sabe que será substituído por Carlo Ancelotti, embora a decisão do técnico tenha sido mais vincada desta vez do que aquando da saída de Heynckes, que não voltou a treinar desde então, tendo anunciado que ia «tirar férias», depois de vários meses de polémica face à sua substituição num ano em que tudo conquistou.

A situação, de resto, nem era nova para o alemão. Com uma diferença: em 2013 sabia a priori que nem a Champions lhe valia porque a decisão estava tomada; em 1998, quando venceu a primeira, ao serviço do Real Madrid, acreditou que poderia ser-lhe útil para convencer o presidente Lorenzo Sanz a dar-lhe uma nova oportunidade.

Mas o dirigente achou que não. Oito dias depois da final ganha à Juventus, Jupp Heynckes foi despedido. «Se não tivéssemos ganho a Liga dos Campeões, seria uma das piores épocas dos últimos anos», justificou, na altura, Lorenzo Sanz, que apostou, então, em John Toshack, uma contratação totalmente falhada.

Este conhecimento prévio da decisão de rutura faz, naturalmente, alguma diferença. Mas, de qualquer forma, Heynkes não foi o primeiro treinador a deixar por duas vezes o clube que levara à glória europeia, embora tenha sido o único (e por duas vezes) que ficou desempregado depois de vencer a prova. José Mourinho inaugurou o quesito de repetir uma mudança após vitória na Champions. Em ambos os casos seduzido por um projeto de outra dimensão.

Em 2004 venceu a Champions pelo FC Porto e logo na flash-interview do próprio encontro anunciou que se preparava para rumar ao Chelsea. Em 2010, depois de ganhar com o Inter numa final em Madrid, não resistiu à proposta do Real de Florentino Pérez.

Sempre que venceu a Champions, Mourinho deixou o clube

Década de 90 é a que tem mais casos

Antes de Heynckes e Mourinho (curiosamente, dois treinadores que passaram pelo Benfica numa só temporada, em 2000/01), o último técnico a dizer adeus com a Champions erguida fora Ottmar Hitzfeld. Uma situação diferente, já que o suíço manteve-se no surpreendente Borussia Dortmund que conquistara a Europa em 1997, mas nas funções de diretor desportivo.

Na altura, a situação não foi pacífica porque na base da decisão do técnico terão estado desentendimentos com o plantel. Hitzfeld passou a diretor e entregou o banco a Nevio Scala. Aguentou um ano nos gabinetes. Na época seguinte assinou pelo Bayern Munique onde viria a conquistar a segunda Champions da carreira.

A década de 90 foi, de resto, aquela em que mais treinadores deram por encerrado um projeto com a conquista da Liga dos Campeões. Além de Heynckes e Hitzfeld, mais dois casos se registaram.

Em 1993, Raymond Goethals despediu-se do Marselha com sentimento de missão cumprida. Tinha traçado a meta de levar o clube à glória europeia, falhara em 1991 na final com o Estrela Vermelha, mas não desistiu. Missão cumprida, missão terminada.

Curiosamente, o outro treinador que deixou o projeto nessa década depois de vencer a prova foi, precisamente, o técnico dos sérvios, Ljupko Petrovic, que acabou por ir treinar o Espanhol de Barcelona, no ano seguinte.

Artur Jorge dezassete anos antes de Mourinho

Recuando mais no tempo, há o caso de Artur Jorge, em tudo semelhante ao de José Mourinho quase duas décadas depois. Quando o FC Porto venceu a final de Viena ainda não era certa a sua saída do comando, mas fica evidente que o futuro do técnico passará mesmo pelo estrangeiro após a conquista.

Ainda orienta os dragões no Mundialito de Clubes, em junho de 1987, mas ruma depois até Paris, para treinar o Racing, clube que atualmente está nas divisões amadoras francesas, depois de ter atravessado uma grave crise financeira.

Artur Jorge, o primeiro treinador português a vencer a Taça dos Campeões

Também no ano anterior, Emeric Jenei, que deu a única Taça dos Campeões Europeus, ao Steaua de Bucareste, deixou o clube para orientar a seleção da Roménia.

Nos anos 70 os únicos dois casos que aconteceram tiveram o mesmo clube como protagonista, o Ajax. Rinus Michels, histórico treinador holandês a quem é creditava a invenção do «futebol total» venceu a Taça dos Campeões em 1971 mas decidiu, depois, dar um novo rumo à carreira, rumando a Barcelona, antes de espantar o mundo com a fantástica seleção holandesa de 74.

Foi substituído pelo romeno Stefan Kovacs que venceu por mais duas vences o torneio, colocando o Ajax num nível que só o Real Madrid de Puskas e Di Stefano tinha conseguido e só o Bayern Munique, no triénio seguinte, repetiu: vencer a prova três vezes consecutivas.

Depois de bater a Juventus naquela terceira final consecutiva, Kovacs anunciou a saída do clube holandês, mas pouco tempo esteve sem trabalhar. Assumiu a seleção francesa, que não conseguiu levar ao Mundial da Alemanha, em 1974, onde o seu antecessor Rinus Michels encantou com a Holanda.

Béla Guttman: a saída que nada teve a ver com a «maldição»

Ao contrário de Guardiola, ou Heynkes em 2013, Béla Guttman queria continuar no clube, o Benfica, no caso, para lá da final de 1962. O húngaro, que haveria de se sagrar bicampeão europeu, nesse jogo com o Real Madrid que apresentou Eusébio ao mundo do futebol, estava em negociações com o Benfica para prolongar o contrato.

Bela Guttman e uma «maldição» muito mal contada...

Problema? Não houve acordo. O húngaro reclamava pagamentos atrasados dos prémios pelas conquistas europeias e, ao mesmo tempo, recebia propostas bem mais vantajosas. Acabou por rumar ao Peñarol. Sem proferir qualquer maldição, ao contrário do mito popular.

Essa, ainda que sem intenção de o ser, remonta a 1968, na segunda passagem pelo clube da Luz quando lamentava o aburguesamento que via. «Agora, o Benfica é só Eusébio e nunca mais será campeão europeu, nem daqui por cem anos», disse ao jornal austríaco «Sport Illustrierte». O resto é mito…

Esta viagem termina, por fim, na década de 50 e no reinado do Real Madrid, vencedor dos cinco primeiros troféus da história. Jose Villalonga Llorente deixou o clube em 1957, com duas vitórias europeias no currículo, para treinar as seleções jovens de Espanha. O argentino Luis Carniglia, que venceu as duas edições seguintes, saiu em 1959 para treinar a Fiorentina.

Treinadores que venceram a Champions na despedida de um clube:

1957- Jose Villalonga Llorente (Real Madrid-Seleções jovens de Espanha)

1959- Luis Carniglia (Real Madrid-Fiorentina)

1962- Béla Guttman (Benfica-Peñarol)

1971- Rinus Michels (Ajax-Barcelona)

1973- Stefan Kovacs (Ajax-Seleção de França)

1986- Emeric Jenei (Steaua Bucareste-Seleção da Roménia)

1987- Artur Jorge (FC Porto-Racing Paris)

1991- Ljupko Petrovic (Estrela Vermelha-Espanhol)

1993- Raymond Goethals (Marselha-Anderlecht)

1997- Ottmar Hitzfeld (Borussia Dortmund-Diretor do Clube)

1998- Jupp Heynckes (Real Madrid-Desemprego)

2004- José Mourinho (FC Porto-Chelsea)

2010- José Mourinho (Inter de Milão-Real Madrid)

2013- Jupp Heynckes (Bayern Munique-Desemprego)