Marinho Peres era o capitão da Selecção do Brasil que em 1974 perdeu o campeonato do mundo. De outra selecção dir-se-ia que não tinha ganho o campeonato, ou que tinha terminado em quarto lugar. Do Brasil, não voltar com o caneco é sinónimo de derrota. A pressão dos adeptos é, ainda hoje, um dos motivos que levam o treinador do Belenenses a querer trabalhar em Portugal. 

- A eliminação frente à Holanda, no Mundial de 74, em que perderam por 2-0, é o pior episódio da sua carreira?

- Momentaneamente foi arrasador, mas nem acho que tenha jogado mal. É verdade que o fanatismo do brasileiro é tanto que no regresso ao país o avião teve de descer no aeroporto do exército, porque havia mares de gente para nos ofender, como se fosse obrigação ganhar sempre. É bom não esquecer que vínhamos de três vitórias em quatro copas. Mas na semana seguinte o torcedor já nem se lembra, se vir o jogador na rua vai pedir um autógrafo e beijá-lo como sempre. O brasileiro tem uma grande paixão pelo futebol e pela sua Selecção mas é muito exigente. Se jogando em casa a Selecção não estiver a ganhar por dois golos no primeiro tempo eles vão acabar a torcer pelos adversários, como aconteceu agora com a Colômbia. 

- Nos clubes também se sente essa pressão de adeptos e dirigentes?

- Claro, o que me levou a vir para Portugal é que aqui no mínimo dão-nos seis meses de dúvida para se trabalhar, é-se mais respeitado. Lá dão-nos uma semana. 

- No entanto, deixou Portugal em 88, depois de ser terceiro no Belenenses, em 89, depois de vencer a Taça de Portugal, em 93, depois de sair outra vez do Guimarães e já depois de ter estado 20 meses no Sporting, e em 97, a seguir a alguns meses no Marítimo. Se encontra essas vantagens no futebol português, por que é que não apostou em fazer carreira cá?

- A desvantagem de trabalhar em Portugal é que há poucas opções. Há inúmeros ex-jogadores e treinadores a tentarem lançar as suas carreiras e só há 18 equipas na primeira divisão. A concorrência é muito grande. 

- Como é que aparece pela primeira vez a treinar em Portugal?

- Em 1981, estava a terminar a minha carreira de jogador, o meu ex-treinador Telê Santana, que era na altura o seleccionador brasileiro, convidou-me para ir trabalhar com ele para a Arábia Saudita depois do Campeonato do Mundo de 1982. Foi assim que me iniciei, como aprendiz de Telê Santana, como treinador de jovens na Arábia Saudita, durante quatro anos. Esse trabalho deu-me prestígio e quando voltei recebi um convite do Vitória de Guimarães, onde comecei como treinador principal. Foi talvez o melhor ano do Vitória de Guimarães, pelo menos nas competições europeias, onde chegámos aos quartos-de-final da Taça UEFA. No campeonato terminámos no terceiro lugar. 

- Logo aí começou uma tradição sua de não ficar muito tempo no mesmo sítio...

- Nessa altura eu vim para cá para tentar projectar-me, não vim com salários altos, vinha à procura de prestígio e currículo. Ganhava 500 contos em Guimarães e no final desse ano recebi um convite do Belenenses para ganhar mil por mês e foi por isso que acabei por vir para aqui. No primeiro ano fui terceiro no campeonato e lembro-me que assim que terminou a época eu disse às pessoas do Belenenses - «Isto foi sorte, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar». Qual era a probabilidade de ficar duas vezes seguidas no terceiro lugar, em dois times médios diferentes? 

- Apesar disso, no fim do ano foi embora para o Brasil. Porquê?

- Voltei por problemas familiares. A mãe do meu filho estava em casa com uma doença incurável e fui dar o apoio necessário. Pesou muito nas minhas decisões e no meu comportamento e tive mesmo de voltar. Aliás, fiquei com a sensação de que muitas vezes podia ter feito um pouco mais, mas quando a cabeça está a pensar noutras coisas não se consegue trabalhar com as mesmas capacidades. 

- Nesse ano ainda voltou ao Belenenses para vencer a Taça de Portugal.

- Chamaram-me a quatro meses do fim da época. Terminámos em sétimo no campeonato e na Taça o primeiro jogo que temos é muito difícil, com o Sporting, mas passámos. No jogo seguinte não é que nos sai o Porto? Mas eliminámo-los e depois vencemos a final com o Benfica. Aí eu tive de dizer, o raio caiu três vezes no mesmo lugar. Era uma equipa muito forte e muito unida, com um comandante, o José António, que tinha grande influência junto dos companheiros, e uma Direcção parecida com a actual, que não deixava faltar nada. Os jogadores vinham há anos jogando juntos. Era uma equipa para ficar sempre nos primeiros cinco lugares. 

- Esteve 20 meses no Sporting com Sousa Cintra como presidente, o que constituíu uma marca invejável, e conseguiu chegar às meias-finais da Taça UEFA. Chegou a acreditar que podia vencer essa competição?

- Sim, só parámos quando enfrentámos o Inter e jogámos bem melhor que eles aqui em Portugal, mas o Sporting não tinha o suporte que hoje tem e teve de vender os melhores jogadores no final do ano. Mas ainda fiz uma das melhores campanhas de sempre nas competições europeias. 

- Em 1996/97 tem ainda uma experiência como treinador do Marítimo que não corre bem. O que é que se passou?

- O Marítimo foi das equipas mais qualificadas que eu estava a montar e não correu bem. Levei o Márcio Theodoro, que ninguém pode dizer que seja mau jogador; levei o Regis, que era um menino de 18 anos que no ano passado foi vendido para o futebol japonês por 10 milhões de dólares, mas que não teve equilíbrio para jogar no exterior, nem sei se está a ter agora no Japão; levei o Dauri, que tinha sido campeão brasileiro pelo Botafogo; o José Carlos, o defesa-central que tinha sido campeão português no Porto; o lateral-direito era o Neves... A equipa era excelente e não vou dizer que foi uma decepção, mas não foi aquilo que se esperava. Aprendi com os erros. 

- As sua contratações para o Belenenses este ano, particularmente Eliel e Cléber, estão a mostrar resultados. Já percebeu como escolher jogadores para actuar no estrangeiro?

- Antes de se procurar o jogador tem de se procurar o homem. Trouxe jogadores fantásticos que acabaram por não dar certo. Deve ser uma pessoa que saiba o que é conviver no exterior. Se você estiver a jogar na sua terra pode passar duas horas ao telefone e resolve um problema. Aqui se estiver duas horas no telefone vai gastar muito dinheiro, os seus familiares estão distantes... Deve ser de preferência uma pessoa madura. O jovem muitas vezes não está preparado, ajuda se for uma pessoa bem estruturada, casada. É preciso pensar que o jogador está deixando um paraíso como o Brasil, onde há sempre alegria e festa, onde quase nunca há frio, e que pode não se adaptar. 

- O Careca, que você contratou para o Sporting e que o presidente Sousa Cintra disse que era uma mistura de Eusébio e Pelé, foi talvez o seu maior fracasso...

- Mas foi, entre os jogadores brasileiros que treinei, o maior talento que já vi. Aliás, tinha sido convocado com 18 anos para a Selecção brasileira, o que raramente tinha acontecido desde Pelé. O menino não soube cuidar da sua imagem, do seu físico, e perdeu-se.  

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