25 de setembro de 1973.

Lisboa é o centro do mundo.

Os melhores dos melhores do futebol estão na capital portuguesa para um momento histórico: o jogo de despedida de Eusébio da Silva Ferreira.

O Estádio da Luz esgota para o Rei jogar por um dos melhores Benficas de sempre frente a uma constelação que inclui nomes como George Best, Bobby Charlton, Gordon Banks, Paulo Cézar, Keiser, entre outros.

Atenção: o Benfica não jogou «contra» essa seleção da Europa. Jogou «com» todos eles. Porque o que importava ali era Eusébio.

Quem o garante é aquele que mais vezes terá partilhado o relvado com o Rei: António Simões.

«Foi um momento especial para o próprio, para o clube e os sócios e, no fundo, para todos os que tinham admiração pelo Eusébio», resume.

Nesse sentido, aquilo que Simões mais recorda foi a honra que sentiu nas estrelas do futebol Mundial que naquele dia tiveram a oportunidade de participar na festa de Eusébio.

«No dia antes, no jantar depois e durante o jogo, aquilo que senti foi o privilégio que aqueles grandes jogadores sentiram por jogar essa partida e por poderem dar carinho ao Eusébio num momento tão especial», descreve, em conversa com o Maisfutebol.

«Foi um momento único. A presença de todos foi uma atitude de reconhecimento geral pelo Eusébio. Um manifesto da admiração e afeto que todos os jogadores tinham pelo Eusébio. E isso tem a ver com a carreira que ele construiu, mas também com o que ele sempre foi», acrescenta.

«Naquele dia, o que houve foi um jogo de reconhecimento, não só ao jogador, mas ao homem. Ele pôde participar e partilhar a sua despedida. Já imaginou o que isso é?», questiona, orgulhoso pelo momento que o amigo viveu e que ele próprio pôde presenciar.

Tal como José Henrique. Que sacode «a punhos» a primeira abordagem para recordar esse dia que aconteceu há meio século.

«Há 50 anos? Está enganado! Olhe que isso foi ontem, lembro-me tão bem!», atira embrulhado num sorriso.

«Foi um dia inesquecível. Um jogo espetacular, com grandes estrelas do futebol mundial. Foi uma despedida em grande, como Eusébio merecia», resume.

No relvado, esteve também Humberto Coelho que corrobora as palavras de Simões, apesar de pedir desculpa por já não ter as memórias desse dia muito presentes. Afinal, são 50 anos.

«O Eusébio era um jogador extraordinário, um dos melhores do mundo. E lembro-me que a festa foi muito bonita, vieram alguns dos melhores jogadores da altura», lembra.

Pelas palavras de Humberto Coelho percebe-se que, mais do que um jogo, aquele momento foi uma peladinha entre amigos. Ou melhor: uma peladinha entre amigos com alguns dos melhores jogadores do mundo.

«Foi um jogo para nos divertirmos e mostrar quanto se pode gostar de futebol. Não houve competitividade, foi uma coisa ligeira em que nos divertimos a jogar. E assim ainda é melhor. Um jogo com espaço para gestos técnicos dos melhores jogadores do mundo. Foi bom para quem o viveu dentro do campo e também para os adeptos», enaltece.

E Humberto lembra algo não menos importante: «Estava muito público, o estádio cheio, e o Eusébio estava muito emocionado por isso».

Emoção e reconhecimento.

Além do carinho que recebeu do público, dos companheiros e dos outrora adversários, Eusébio recebeu também nesse dia, das mãos de Veiga Simão, então ministro da Educação, a medalha com o grau de Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique.

A despedida era de Eusébio… quem saiu foi Hagan, envolto em polémica

Em 1973 viviam-se outros tempos. Em vários sentidos. E um dos detalhes em que se percebe isso é na organização da despedida.

Foi o próprio Eusébio quem tratou de organizar tudo em detalhe.

Isso incluiu, por exemplo, uma ida a Inglaterra com o treinador inglês do Benfica, Jimmy Hagan, onde se reuniu com o então primeiro-ministro britânico Edward Heath.

Isso aconteceu em plena «Primavera marcelista», quando Portugal era bastante mal visto por tudo o que se passava nas colónias portuguesas em África.

Mas Eusébio era já uma instituição. E foi ali, com a ajuda de Hagan, antigo internacional inglês, que garantiu a presença de tantos ilustres.

«O Jimmy Hagan tinha contactos para ajudar a que esses jogadores viessem, mas também o Benfica fez contactos para ter jogadores daquele nível, porque era o que o Eusébio merecia. E foi bonito ver o desejo de tantos para virem jogar aquele jogo especial».

Jimmy Hagan, António Simões e Eusébio numa viagem do Benfica a Inglaterra para um jogo

Ora a festa tinha tudo para correr bem. Pois… tinha.

«No relvado, esteve também Humberto Coelho».

A frase foi escrita algumas linhas acima de forma inocente. Mas essa presença de Humberto Coelho em campo foi tema que deu muito que falar. Afinal, um castigo imposto pelo treinador Jimmy Hagan ficou por cumprir.

O antigo defesa central, simpaticamente, prefere não se pronunciar sobre o assunto - «já se passaram tantos anos, há temas que não vale a pena continuar a falar». Mas Toni, outro dos castigados, explicou a razão do castigo, em declarações ao jornal i, em 2013.

Tudo aconteceu no treino matinal daquele mesmo dia 25 de setembro de 1973. Horas antes da festa de despedida.

«O Hagan pediu-nos para saltar os painéis de publicidade. Como não queríamos saltar todos uns em cima dos outros, o Hagan chateou-se e alegou que não fizemos o exercício corretamente. Não fomos convocados. Nessa noite, o sr. presidente Borges Coutinho falou com o treinador e ele lá nos colocou na lista dos convocados para a festa de despedida do Eusébio».

Pois. Como se diz «caldo entornado» em inglês?

Ao ser desautorizado pelo presidente, Hagan recusou-se a ir para o banco no jogo que ajudara a organizar. E não se ficou por aí: no dia seguinte apresentou a demissão a Borges Coutinho.

«Houve um conflito entre o Hagan e o presidente Borges Coutinho. O presidente quis impor a participação daqueles jogadores, o treinador, com a rigidez e teimosia que o caracterizavam, não admitiu ser desautorizado pelo presidente», contextualiza Simões.

Mas era orgulhoso ao ponto de faltar à festa de despedida de Eusébio?

«Quem conheceu o Hagan, sabe que ele nunca iria fazer um jogo depois de castigar jogadores e eles jogarem por imposição do presidente. A conversa entre os dois foi imediatamente antes do jogo. Nasceu ali uma intransigência por um conflito de lideranças e ele foi embora», nota.

José Henrique concorda com Simões. Aquela interferência do presidente era inaceitável para o técnico inglês.

«Foi uma notícia triste ele ter abandonado o banco, mas já prevíamos. Houve três jogadores que não cumpriram o que ele exigia [além de Toni e Humberto, Zé Gato fala de Adolfo, mas as crónicas de então apontam para Nelinho] e ele não admitia isso. Não foi ao jogo, mas depois apareceu no jantar no Casino do Estoril e comeu connosco também. No dia seguinte, apresentou a demissão».

«O Benfica perdeu ali a oportunidade de ganhar os quatro campeonatos seguidos», lamenta, ainda Zé Gato, recordando que o episódio aconteceu início da época que se seguiu à conquista do campeonato nacional invicto, que resultou no tricampeonato do Benfica de Jimmy Hagan - e o 11.º para Eusébio com a camisola do Benfica.

«Podia ter-se evitado tudo aquilo, tendo em conta o dia que era: a festa de despedida de Eusébio. O treinador podia ter dado um outro castigo, monetário, ou suspender num jogo seguinte. Mas com o Hagan era no momento e acabou», conclui Simões.  

«E foi uma festa bonita. Foi uma festa muito bonita», finaliza Humberto Coelho.

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FICHA DO JOGO (RECORD)

BENFICA – José Henrique (Bento); Artur, Rui Rodrigues, Humberto Coelho, Adolfo, Malta da Silva, Barros, Toni, Vítor Martins, Vítor Baptista, Jaime Graça, Nené, Jordão, Simões, Moinhos, Artur Jorge, Nelinho e Eusébio.

Treinador: Fernando Cabrita

SELEÇÃO DA EUROPA  –Gordon Banks (Iribar e Garcia Ramon); Badeco, Blakenburg, Hilário, Bobby Charlton, Jackie Charlton, George Best, Netzer, Paulo César, Keiser, Keita e Uwe Seeler.

Treinador: Miguel Muñoz e Otto Glória

[artigo corrigido: com base nas declarações dos antigos jogadores, escrevemos que «o Benfica ganhou um guarda-redes neste dia». Contudo, foi no jogo de despedida de Mário Coluna, em 1970, que Manuel Bento, então no Barreirense, surgiu na Luz para substituir o ausente Lev Yashin]