O luxo e a necessidade. A vida continua a não estar fácil para ninguém, muito menos para o burguês Dez do passado.

O futebol italianizou-se, depois de ter sido socialista com Sebes e Michels, deliciosamente anárquico com os Sócrates e Zicos de 82, e teocrático, pintado a ésses surrealistas por Maradona, quatro anos depois.

Os pragmáticos italianos, que inventaram ferrolhos na defesa e uma Torre inclinada em Pisa – inventar talvez seja exagero no que à inclinação diz respeito –, acharam que o tempo de deslumbramento já não cabia no calcio. O fantasista já era mais regista do que outra coisa, e não havia volta a dar.

O Dez, que sempre foi um pouco Nove, depois passou a ser Oito e Seis, mas um Seis com talento para encher e valer por quatro naquele meio-campo do Milan e, a seguir, da Juve. Depois de Antognoni, Codino Baggio, Platini, Zidane, Del Piero, Rui Costa, Kaká, era Pirlo a ficar no centro do mundo, um centro mais umbilical, armando-se de atirador-furtivo, atrás de um muro de betão. Um quarterback. Um Joe Montana ou um Peyton Manning a distribuir touch downs pelos wide receivers.

O futebol body-pump, musculado, agressivo, asfixiante, continuou a precisar de ideias ou tornar-se-ia um scrum de rugby durante 90 minutos. E nem o rugby quer isso.

Cruzes, canhoto!

O Dez do passado era um luxo demasiado caro, um preço elevado a pagar por todos os outros em campo, teria de evoluir.

Os que cresceram a sonhar serem cópias de Rui Costa, Platini ou Ronaldinho viram ser cancelada a produção em série de role models. Tornaram-se noutra coisa. Falsos nove

(Totti, Rooney, Götze e também Messi, ao seu jeito)

oitos talentosos

(Modric, Rakitic, Silva, Kroos ou Isco)

e os mais velozes e mais fortes no um-para-um começaram a apontar, em diagonal, para a baliza.

(Hazard, James, Özil, Mata e tantos outros.)

O luxo e a necessidade.

Aqui voltamos, de rabo na boca.

Ao luxo a que o Chelsea de Mourinho não se podia dar, e daí Óscar em vez de Mata. E à necessidade de criar a explosão de criatividade num United demasiado tonificado, preso numa fila para halteres liderada por Pogbas, Fellainis e Ibras. Daí Mata e não Rooney. E Herrera e não o jogador com maior concentração capilar desde Valderrama. Esse sim, Dez. Dez de verdade, com bigode.

Mesmo o Mourinho mais rezingão dos últimos tempos

o pior treinador da história!

sabe que o futebol reinventa-se e não acaba, não tem fim. Mesmo o inventor mais agarrado à sua patente, com cabelo em cinzas, já meio desfeito por artroses, obrigado a fazer pausas longas encostado à mesa de trabalho, sabe que a invenção da sua vida tornar-se-á obsoleta. E se não é capaz de começar tudo de novo, de fazer crescer Silvas plantados no meio do deserto de um meio-campo, tem de não renegar o mundano, aproveitar os prazeres da vida. Com Mata e não Rooney.

Curioso será se for numa equipa de Mou que o luxo se torne de vez necessidade, e onde o Dez ganhe um novo e mágico protagonismo. Curioso se for a ser mais clássico que o português dê a volta a Guardiola, que arrancou como Bolt para uma prova de meio-fundo.

Se o conseguir será a si que todos vão chamar Einstein. 

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA» é um espaço de crónica de Luís Mateus, Director do MAISFUTEBOL, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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