Há coisas que para mim são completamente incompreensíveis.

Não consigo perceber, por exemplo, o fascínio em fazer amor no túmulo de Jim Morrison, no francês Père Lachaise, que terá levado até os responsáveis a colocar seguranças a guardar a campa.

É um mistério para mim, como são muitas outras coisas: os vídeos do SirKazzio, os fatos de banho supostamente sexy, os festivais de música eletrónica ou as fotografias de nus a fazer ioga.

Também não compreendo a comida vegan, as camisas aos quadrados e José Mourinho.

Não compreendo sobretudo José Mourinho.

Quer dizer, não posso garantir que entenda melhor o entusiasmo com os vídeos de SirKazzio, mas também nunca me esforcei verdadeiramente para isso. Já entender o que aconteceu a José Mourinho é algo que me tem levado algum tempo de reflexão, sem qualquer resultado aparente.

José Mourinho parece ter-se envolvido numa teia de equívocos, deslizes e controvérsias.

Houve uma altura em que tudo em que o português tocava se tornava ouro. Drogba, por exemplo. Sneijder. Paulo Ferreira a médio centro. Derlei e Ricardo Carvalho. Júlio César e Ozil.

Hoje em dia, pelo contrário, Mourinho compra ouro que se torna rapidamente prata ou bronze. Por vezes até latão. Mkhitaryan. Pogba. Lindelof. Alexis Sanchez.

José Mourinho perdeu a aura de midas e tudo parece começar numa liderança pouco conseguida: um excesso de autoridade que impede o treinador de construir grupos à prova de bala. Nos últimos anos tem somado, aliás, conflitos com jogadores, de Pogba a Casillas, de Ronaldo a Martial.

Será por acaso?

O dilema em torno de José Mourinho traz-me à memória, de resto, José Peseiro.

Os dois são, mais ou menos, a face oposta da mesma moeda. Ambos têm problemas de liderança, mas o que num caso é um excesso de autoridade no outro é um deficit de poder.

Desde que chegou ao Sporting, o treinador já teve dois casos disciplinares: primeiro Matheus Pereira, depois Nani. Nada disto teria uma importância relevante se não fosse algo recorrente na carreira de José Peseiro. Basta lembrar as ofensas de Fábio Rochemback, os atrasos de Liedson no regresso do natal, a saída extemporânea de Maicon a meio de um jogo, a revolta de Brahimi contra um casaco de fato de treino ao ser substituído, enfim: só para falar dos mais mediáticos.

Por que é que isto acontece sistematicamente com José Peseiro? Provavelmente porque lhe falta autoridade. Porque tem uma liderança frágil, assente numa linguagem corporal débil, numa autoconfiança insuficiente e numa força pouco natural.

José Peseiro tem a menos o que José Mourinho tem a mais.

No fundo são casos diferentes na forma, mas semelhantes no conteúdo: um exercício deficiente da autoridade conduz a casos disciplinares que rompem os pactos de sangue do balneário.

O que nos remete para o essencial deste texto: a liderança, como as melhores coisas da vida, tem de ser utilizada com moderação, e saber fazê-lo é um dom precioso.

E agora, José?

«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às terças-feiras de quinze em quinze dias.