DESTINO: 90's  é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's.

O campo de futebol é palco habitual de duras pelejas, duelos que entram para a história, rispidez e, algumas vezes, desonestidade. Vale (quase) tudo para ganhar. Cacioli sabe isso mas lembra que também há espaço para a amizade.

No seu caso, há um amigo especial: Drulovic. «Foi o melhor jogador com quem joguei, não tenho dúvidas», afirma.

O sérvio, que viria a ser figura de relevo no FC Porto, sobretudo, entrou em Portugal pela porta do Gil Vicente, em 1992. O mesmo ano de Cacioli.

«Ninguém conhecia o Drulovic. Veio fugido da guerra para fazer testes no Gil, pela mão de um empresário. Era fantástico e todos viram logo isso», conta o brasileiro, em conversa com o Maisfutebol.

De Drulovic, Cacioli destaca, acima de tudo, a inteligência. «Jogávamos quase de olhos fechados. Eu sabia onde ele ia aparecer e metia-lhe a bola. Depois ele fazia o resto. Chegou a dizer, numa entrevista, que eu era dos melhores estrangeiros a jogar em Portugal. Isso tocou-me muito», admite.

A relação entre ambos ia, contudo, muito para lá do simples facto de serem companheiros de equipa. Eram amigos.

«Ficámos próximos porque ele morava na minha rua, que era perto do Estádio. Íamos e vínhamos juntos para os treinos, a pé sempre. No início era engraçado. Ele só falava sérvio, eu só falava português. Nem inglês nem nada. Não dava para conversar. Tentávamos dizer uma ou outra coisa por gestos, mas fizemos aquela viagem juntos muitos dias quase sem dizer nada», conta, a rir.

Antes, era comum ficarem pelo relvado mais tempo que os restantes companheiros: «Ficávamos a treinar passes de longa distância. Fazíamos apostas: escolhíamos um ponto num placard de publicidade e víamos quem conseguia acertar lá.»

«Quando ele foi para o FC Porto, o Zé Carlos, o defesa central, chegou a dizer:
agora falta comprar a muleta do Drulovic…»

«Sá Pinto era chato, chato…ninguém podia tocar nele»

Daquele Gil Vicente, Cacioli destaca também Mangonga: «Tinha aquele estilo todo desengonçado, mas resolvia muitos jogos.»

E Laureta, outro amigo. «Eu jogava à frente dele e entendíamo-nos na perfeição. Sempre me dei bem com toda a gente. Nunca fui o dono da verdade e nunca serei», remata.

Cacioli fala, ainda, com orgulho, de um golo ao Marítimo, em 1994, que esteve nomeado para melhor golo da Europa e recorda as estratégias de Vítor Oliveira para travar os grandes.

«Por causa da minha capacidade física, colocava-me encostado à esquerda no meio campo, para dar luta ao lateral. Normalmente, o lateral direito era o que subia mais. Tive grandes duelos com o João Pinto, do FC Porto, o José Carlos e o Veloso, do Benfica, o Paulo Sousa, do Boavista…», relata.

Outros há que não esquece, mas não por bons motivos. «Jogador chato, chato, que dentro do campo era horrível, era o Sá Pinto. Não o conheço pessoalmente, mas no campo era muito chato. Ninguém podia tocar nele, mas quando ele podia era cada cacetada…», atira.

«O Domingos também era um pouco assim, daqueles que ninguém podia tocar. E depois havia o Paulinho Santos que eu acho que até era desleal em alguns momentos. Como profissionais temos de ter mais respeito pelos nossos colegas», defende.

De Esposende à Póvoa de Varzim…a correr pela praia



Nem tudo no futebol traz saudades para Cacioli. Alguns treinos, sobretudo no início de época, acabaram por deixar-lhe mais marcas físicas do que boas recordações.

«Hoje tenho um problema de artroses por causa das cargas físicas que levávamos na altura. Era muito, muito duro», explica.

E dá um exemplo: «Lembro-me que no Famalicão chegamos a fazer uma corrida na praia de Esposende até à Póvoa de Varzim!» Para quem não conhece a zona, são cerca de 20km na areia…

«A parte física funcionava muito à base do autoritarismo. As pessoas achavam que quanto mais duro fosse, melhor ficaríamos. E ninguém se podia queixar. Íamos para o pinhal, muitas vezes com mau tempo, aquilo era só lama. Ficávamos enterrados até aos joelhos. Enfim. Hoje em dia isto não existe. E ainda bem», sublinha.

«Hoje o futebol é uma ciência. Tudo é pensado ao pormenor e o melhor exemplo é o Cristiano Ronaldo, um jogador trabalhado para ser exatamente aquilo que é», explica, para fim de conversa. 

O Gil Vicente de Cacioli e Drulovic: