CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

CLUB INTERNACIONAL DE FOOT-BALL - Não federado

No início do século XX era impossível falar do fenómeno da moda em Portugal, o futebol, sem falar do CIF, a abreviatura pelo qual era conhecido o Club Internacional de Foot-ball, que rapidamente se tornou numa referência dos primórdios da história do futebol português.

Tendo entre os seus fundadores os irmãos Fernando e Eduardo Pinto Basto, o CIF nasceu em 1902, mantém atividade até aos dias de hoje mas é desconhecido de muitos aficionados desta área. Porquê? A resposta é simples: desde metade da década de 20 que seguiu uma história paralela ao futebol federado. Por desacordo com o caminho que começava a seguir o futebol, abandonou os jogos da Associação de Futebol de Lisboa, que ajudou a fundar, tal como Benfica e Sporting, e criou uma competição interna, que é, hoje, o mais antigo torneio de futebol amador em Portugal.

O Maisfutebol falou com o vice-presidente do clube, que se situa atualmente em Monsanto, mas que tem passado ligado ao Campo Grande. António Vila Maior explicou como nasceu e como está, atualmente, organizado o torneio do CIF, que, tal como as competições oficiais, engloba campeonato, Taça e Supertaça.

«Na segunda metade da década de 10, clubes como o Benfica e o Sporting começaram a oferecer lanches e outras coisas aos jogadores, algo que desagradava ao CIF, que defendia o espírito olímpico, 100 por cento amador, da competição. Assim decidiram abandonar as competições oficiais, numa decisão que vigora até hoje», explica.

E garante que nunca, em mais de 90 anos de ausência do futebol federado, a direção pensou em voltar: «Mantivemo-nos sempre fiéis ao espírito amador. A única diferença foi a criação, há cerca de nove ou dez anos, de uma escola de futebol do CIF. Ainda tivemos uma parceria com a Academia do Sporting, através do Carlos Xavier, mas que acabou por não correr bem e passou, depois, para o CIF a gestão dessa escola.»

Hoje, o clube tem oito equipas de formação federadas, com mais de 100 atletas ao todo. O torneio sénior, esse, é exclusivo a sócios. Que pagam para jogar e não podem ser pagos.

«Todos os praticantes têm de ser sócios. Praticamos o conceito de utilizador-pagador. As equipas são livres de conseguirem patrocínios para as camisolas, mas esses fundos não podem ser usados para pagar as quotas dos atletas ou despesas individuais. Podem usá-los para pagar a taxa de utilização do campo, por exemplo», esclarece António Vila Maior.

Por jogo as equipas têm de pagar 35 euros, mas é preciso ainda somar o custo dos treinos, porque o campeonato é levado a sério. Há equipas no ativo com mais de 60 anos e jogadores que fizeram história no futebol federado.

Da primeira Taça ao primeiro jogo no estrangeiro

O CIF tem uma história riquíssima. Como não ser quando falamos de um clube que está intimamente ligado ao surgimento do futebol em Portugal? Os relatos da época dizem mesmo que foram os irmãos Pinto Basto os responsáveis pela introdução da bola em Lisboa.

A primeira exibição de futebol em Portugal (Foto: Site do CIF)

«Temos até em nosso poder a primeira Taça que foi disputada em Portugal, ganha pela cidade de Lisboa, num jogo frente ao Porto que contou com a presença do Rei D. Carlos», conta o vice-presidente.

Esse jogo aconteceu em 1894, antes da fundação do CIF, mas com a presença de Carlos Villar, o primeiro presidente do clube, e Guilherme Pinto Basto no onze da equipa lisboeta, que venceu por 1-0, além de ter sido Eduardo Pinto Basto o árbitro. Guilherme ficou com a Taça e ofereceu-a ao clube aquando da sua fundação.

Já fundado, o CIF foi a primeira equipa a jogar no estrangeiro, na capital espanhola, frente ao Madrid Foot-Ball Club (atual Real Madrid), em 1907, vencendo por 2-0.

Um jogador do clube, o brasileiro João Marques Guerra, foi eleito, ainda, o melhor jogador a atuar em Portugal na primeira eleição do género, levada a cabo pelo jornal «Tiro e Sport», em que os votos eram realizados através de cartas dos leitores.

«Estamos agora num esforço para recuperar todo o nosso espólio. Não só futebol, mas outras modalidades, porque o CIF foi pioneiro em várias áreas. Foi também fundador da Associação de Futebol Lisboa, tal como o Benfica e o Sporting, e foi a primeira equipa campeã da AF Lisboa em 1910/11», recorda António Vila Maior.

A equipa que venceu o primeiro campeonato da AF Lisboa (Foto: Site do CIF

Assim, não surpreende que a decisão de deixar o futebol federado tenha sido polémica e uma notícia que abalou o desporto nacional naquela altura.

«Teve de arranjar-se outra solução e, como o espírito dos fundadores estava muito ligado ao futebol, este não podia ser esquecido. Assim, avançou-se com um campeonato interno, só para sócios, que se disputa anualmente desde 1924. Começou com seis equipas, hoje já são 16 e temos até lista de espera», revela. Só com desistências ou uma decisão de alargar o campeonato terão sorte.

As equipas mais antigas são o Olímpico e a Briosa, já com mais de 60 anos, quando o campo do CIF, ainda pelado, se localizava no Campo Grande. As equipas são todas de Lisboa, mas existe uma, a Madeira, formada por muitos madeirenses. «Até o presidente do Nacional, Rui Alves, jogou naquela equipa numa altura em que esteve cá por Lisboa», lembra António Vila Maior.

O dia em que os adeptos entraram em campo para cumprimentar Eusébio

Uma equipa que marcou uma era foi o SOV (Seita do Olho Vivo). «Era equipa para ganhar nove campeonatos em dez. Marcava mais de 100 golos por época», comenta o dirigente. Organizada pelo ex-benfiquista Palmeiro Antunes, integrava vários antigos craques encarnados. Entre eles, o maior de todos: Eusébio da Silva Ferreira.

«Marcava a diferença, claro. A jogar em campo pelado continuava muito distante de todos os outros. Para muita gente, incluindo eu, foi uma oportunidade única jogar contra o Eusébio. Lembro-me de uma vez em que fez um golo fenomenal e as pessoas entraram em campo para o cumprimentar logo na hora. Isto só no CIF», atira, entre risos.

E continua a recordar histórias do «King»: «Era muito correto. Um dia, alguém da equipa dele teve uma entrada que ele considerou mais dura sobre um adversário. Saiu logo do campo. Disse que não estava lá para aquilo.»

No SOV jogaram outras figuras encarnadas como Humberto Coelho ou, mais recentemente, Calado. Mas o torneio teve espaço para muitos outros craques da bola como Rogério Pipi, Alexandre Batista, Manuel Fernandes, Carlos Xavier, Paulo Bento ou Dani, entre muitos outros onde se incluem até antigos dirigentes como Manuel Vilarinho.

O torneio tem regulamento próprio, tanto a nível desportivo como disciplinar, e até um responsável de arbitragem.«No início era tudo organizado pelos sócios. Uns apitavam os jogos dos outros», recorda António Vila Maior. Compreende-se. Era, de resto, prática comum também nos primeiros anos do futebol federado.

Desde a introdução do campo sintético e com o fomento da competição entre as equipas, o torneio exigia outras formas de resolver a questão da arbitragem. Teixeira Ribeiro, ex-árbitro, foi o primeiro responsável. «Hoje é o Arlindo Santos, que fez parte da equipa do Duarte Gomes. Ele é que arranja os árbitros e dirige esse aspeto. A arbitragem é muito importante porque ninguém gosta de perder e não podem restar dúvidas», sublinha.

A época segue, sensivelmente, o calendário federado. Arranca em setembro com dois fins de semana de captações, em que é permitido a qualquer jogador, sócio ou não, participar. No último fim de semana desse mês arranca o campeonato, já só com sócios (e sem federados) e joga-se até finais de maio, com embates da Taça pelo meio.

Os jogos são sempre ao sábado e domingo e a época termina sempre com a final da Taça do CIF e uma sardinhada. Afinal, o espírito da prática desportiva sem interesse financeiro também integra, e muito, esta vertente recreativa.