Multiplicam-se as histórias de valores que trocaram carreiras mais ou menos promissoras noutras áreas pelo sonho de jogar futebol ao mais alto nível mas, quando as permissas da questão se invertem, é natural levantar-se a dúvida: porquê? Porque é que Reinaldo, defesa-central de 25 anos, campeão nacional pelo F.C. Porto em 2003/04, decidiu pendurar as chuteiras de forma prematura e abraçar outra profissão, no ramo bancário, onde vai receber menos, ter menos notoriedade, menos horizontes, menos vantagens paralelas usuais no mundo do futebol.
O filho de Reinaldo Teles, vice-presidente do clube portista, explicou a sua opção ao Maisfutebol, dias depois de ter rescindido o seu contrato com o Sporting de Espinho, clube da II Divisão. «Foi uma decisão pensada e estou, sobretudo à procura de estabilidade a médio prazo. Estaria no futebol até aos 33 ou 34 anos e, depois, seria muito mais difícil arranjar colocação na minha área», considera o agora ex-jogador, que se formou em Gestão de Empresas em 2004 e está neste momento a estagiar com cerca de 30 graduados em Lisboa, junto de uma instituição bancária.
«O que ia fazer depois do futebol? Se esperasse até acabar a carreira de jogador, depois iriam dizer-me, provavelmente, que os meus conhecimentos estavam desactualizados, que tinha concluído o curso há dez anos, que estava ultrapassado», frisa Reinaldo, garantindo não se arrepender da decisão tomada, embora confirme que irá ganhar menos como funcionário bancário. Menos, mas a horas: «Fico sempre a perder algum dinheiro, como é natural, mas a curto prazo, porque pelo menos fico com perspectivas a médio e longo prazo, que nunca teria no futebol. Não me vou arrepender».
Com esta decisão, inusitada no meio, sobretudo para um jogador com credenciais, Reinaldo ganha segurança financeira e maior disponibilidade para a vida pessoal. «Tentei sempre conciliar o futebol com os estudos, para ter uma alternativa. Agora, estava num clube da II Divisão, melhor do que um clube da Liga de Honra porque não estava sempre sujeito a estágios, a deslocações. Estou a planear casar no próximo ano e, claro, essa opção permite-me ter outra segurança e disponibilidade», refere.
Ficam para trás os salários em atraso, guardam-se as recordações de grandes momentos
A crise financeira que afecta a maioria dos clubes portugueses pesou, igualmente, na decisão do defesa-central, que deixa para trás os salários em atraso, guardando no álbum de recordações uma série de capítulos de sonho para contar a filhos e netos, quando o fato e a gravata forem presença assídua no vestuário e as chuteiras estiveram arrumadas a um canto, no armário. «É complicado estar sujeito a salários em atraso, a receber de quando em vez, a ter de gerir bem o dinheiro para evitar surpresas desagradáveis no dia de amanhã. Não me despeço com amargura do futebol, porque gosto muito de jogar e vou continuar a fazê-lo com os amigos. Saudades dos treinos diários? Não vou ter nenhumas, de certeza, se não começar a engordar (risos).», garante.
A carreira nos escalões de formação do F.C. Porto, o título de campeão conquistado em 2003/04, onde teve papel activo por iniciativa de José Mourinho, e o de campeão da II Divisão, pelo Vizela, na época passada, ficam gravados na memória. «Posso orgulhar-me de ter sido campeão pelo clube do meu coração, o F.C. Porto. Passei bons momentos, fiz amigos e guardo grandes emoções, dos títulos, das festas com milhares de pessoas a celebrar as vitórias, mas penso que mudo para melhor», garante, em jeito de conclusão, comentando ainda a ligação com o pai, Reinaldo Teles, e a sua influência na carreira de jogador: «Claro que havia pessoas que falavam mal, que tentavam ligar o meu trajecto ao cargo que o meu pai ocupava mas, quem me conhece, e a ele, sabe que não foi nada assim.»