* Por Francisco Sousa

Mudou a sede, mas não muda o interesse: a Taça das Nações Africanas começa este sábado e promete grandes momentos de futebol

O processo foi longo e turbulento e envolveu uma mudança de sede e consequente expulsão do antigo país organizador da Taça das Nações Africanas (CAN). A edição de 2015 deveria realizar-se em Marrocos, mas o país norte-africano alegou que não existiam condições suficientes para receber os adeptos vindos dos países onde o vírus ébola se foi espalhando ao longo dos últimos meses – embora haja rumores de que o verdadeiro motivo do rei e governo marroquino foi político, para evitar que o «inimigo» geoestratégico argelino pudesse festejar no país.

A alternativa escolhida pela Confederação Africana de Futebol (CAF) recaiu na Guiné Equatorial, que já havia organizado a prova em 2012, juntamente com o Gabão. Desta vez, as responsabilidades e encargos serão todas para a Guiné, levantando-se a questão sobre se o país terá condições suficientes para organizar sozinho uma prova desta dimensão.



O treinador português Mariano Barreto, atual selecionador da Etiópia, acredita que estão reunidas todas as condições para que as coisas não corram mal: «A CAF fez tudo para que corresse bem. Aliás, não será difícil à Guiné Equatorial organizar esta prova até porque já tem alguma experiência e é um país com muitos recursos financeiros». Apesar de tudo, lembra, o facto de ter havido tido só um mês para organizar a competição «pode fazer com que algumas coisas em termos de logística se compliquem».

Argélia favorita embora haja muito sumo em todos os grupos

A prova terá início no próximo sábado e a final está marcada para dia 8 de fevereiro, no Estádio de Bata (35 mil lugares), o maior dos quatro que vão acolher o evento e onde também se cumpre o jogo de abertura. Os outros estádios situam-se na capital, Malabo, (12.250 lugares sentados), Mongomo (15 mil lugares) e em Ebebiyín (8 mil lugares).

O CAN 2015, como é habitual, terá quatro grupos, de quatro seleções cada:

Grupo A,
Guiné Equatorial, Burkina Faso, Gabão e Congo.

Grupo B
Zâmbia, Tunísia, Cabo Verde e República Democrática do Congo.

Grupo C
Gana, Argélia, África do Sul e Senegal.

Grupo D
Costa do Marfim, Camarões, Mali e Guiné Conacri.

O Grupo A parece o mais desinteressante à partida, até porque não tem nenhuma das chamadas grandes seleções africanas. A Guiné Equatorial recebe a prova pela segunda vez e tentará, como mínimo, repetir o feito da primeira ocasião (chegou aos quartos de final). A grande estrela dos guineenses é o estorilista Javier Balboa, sendo que Emilio Nsue (Middlesborough) também pode ser destacado como um elemento a ter em conta. A maioria do plantel atua entre o campeonato local e as divisões secundárias espanholas.



Talvez os principais candidatos a passar o grupo sejam mesmo o Burkina Faso, finalista vencido da última edição e o Gabão, orientado pelo português Jorge Costa. Os burquineses apresentam um conjunto rotinado e com vários jogadores com experiência europeia, como Alain Traoré (Lorient), Jonathan Pitroipa (Al-Jazira) ou Jonathan Zongo (Almería) aliados à força e pujança de outros como Bakary Koné (Lyon) ou Charles Kaboré (Kuban Krasnodar) podem fazer do Burkina Faso uma equipa a ter em conta.

Já o Gabão é, no entender de Mariano Barreto, um sério candidato ao apuramento para a próxima fase. O técnico luso explica porquê: «Tem uma equipa interessante, com vários jogadores de boa categoria e experiência na Europa. Irão, com toda a certeza, discutir a passagem aos quartos de final e a partir daí podem ambicionar a conquistar algo mais». A grande estrela da formação gabonesa é o avançado Pierre-Emerick Aubameyang, do Borussia Dortmund, numa lista que inclui ainda o defesa Randal Oto´o, jogador da equipa B do Sp. Braga.

O Congo é a seleção do grupo menos experiente e, quiçá, a mais fraca. Porém, Mariano Barreto alerta que «o futebol africano a este nível é fértil em surpresas». As maiores referências da seleção orientada pelo mítico Claude Le Roy são os médios Delvin N´Dinga (Olympiacos) e Prince Oniangué (Stade de Reims).

No Grupo B, encontramos uma campeã recente ( Zâmbia), uma eterna candidata ( Tunísia), uma das boas sensações da última edição ( Cabo Verde) e uma equipa sempre competitiva e capaz de surpreender pelos nomes que tem ( RD Congo).


 
A Zâmbia dificilmente poderá sonhar em repetir o feito de há três anos, quando venceu de forma absolutamente surpreendente esta prova, numa edição precisamente disputada na Guiné Equatorial e Gabão. Para Mariano Barreto, «a conquista zambiana foi meramente acidental» e a «equipa atual não apresenta credenciais» para lutar pelo título. O avançado Emmanuel Mayuka (Southampton) continua a ser a estrela da equipa, secundado pelas duas grandes revelações da equipa campeã de 2012: o central Stoppila Sunzu (Shangai Shenhua) e o médio defensivo Nathan Sinkala (Grasshopper).
 
Apesar de tudo, reconhece ainda o treinador português, «a luta neste grupo será renhida e não se pode dar ninguém como derrotado, até porque no futebol as coisas não são assim tão lineares». Na linha de candidatos maiores deste grupo surgem, ainda assim, Tunísia e Cabo Verde.
 
«A Tunísia se conseguir passar este grupo pode muito bem ir até à final. Já Cabo Verde tem possibilidades de ultrapassar este grupo, até porque tem um conjunto de jogadores com qualidade e que jogam maioritariamente no campeonato português», prevê Mariano Barreto.
 


Os tunisinos apresentam um grupo credenciado com jogadores como Wahbi Khazri (Bordéus), Youssef Msakni (Lekhiwiya) ou Aymen Abdennour (Mónaco) e continuam a ser orientados pelo mítico técnico belga George Leeskens. Formam uma equipa competitiva que terá na seleção de Cabo Verde uma rival à altura. A equipa de Rui Águas apresenta-se com seis jogadores a atuar em Portugal (tendo em conta que Kuca saiu para a Turquia mesmo antes do CAN): Ivan Cruz (Gil Vicente) , Ken (Nacional) , Gegé (Marítimo) , Babanco (Estoril) , Sérgio Semedo (Olhanense) e Heldon (Sporting).
 
Quanto à República Democrática do Congo, terá de ser incluída no lote das seleções candidatas ao apuramento para os «quartos», embora seja uma equipa algo irregular. Dieumerci Mbokani (Dinamo Kiev) e Yannick Bolasie (Crystal Palace) são as grandes referências de uma lista na qual também está incluído o lateral-direito da Académica, Christopher Oualembo.
 
O Grupo C é, em teoria, o mais equilibrado do CAN 2015, sendo constituído pelas seleções da Argélia, do Gana, do Senegal e da África do Sul. Segundo Mariano Barreto, não tem nada que enganar: o principal candidato à conquista do CAN está aqui.
 
 « A Argélia é a principal candidata a ganhar esta prova. Por dois motivos: pelo facto de ter realizado um excelente Campeonato do Mundo e estar entre as oito melhores seleções da atualidade e por ter jogadores ambiciosos e habituados a conquistar títulos em algumas equipas de topo europeias».
 
O técnico português diz esperar uma «equipa motivada e ambiciosa» e na qual Brahimi e Slimani podem brilhar, embora alerte para outro jogador eventualmente decisivo para o sucesso neste CAN: «Brahimi e Slimani são jogadores de grande qualidade mas há um elemento que é chave para o sucesso de toda a equipa: o guarda-redes M´Bolhi». Mariano Barreto conhece bem a seleção argelina, até porque foram eles, juntamente com o Mali, que afastaram a Etiópia da Taça das Nações Africanas. O treinador deixa porém uma nota: «A Argélia tem algumas fragilidades na defesa, que soubemos explorar nos dois jogos da fase de apuramento».
 
O portista Brahimi e o sportinguista Slimani são, de facto, duas das referências de uma equipa que apresenta ainda outras estrelas, sobretudo no ataque:  Sofiane Feghouli (Valência), Ishak Belfodil (Parma) ou ex-vimaranense Soudani (agora no Dinamo de Zagreb).
 


Das outras equipas do grupo, Mariano Barreto destaca o Gana, embora curiosamente o faça para frisar os problemas que têm sido vividos por aquela seleção desde o último Mundial: «A seleção do Gana conseguiu apurar-se, é certo, mas os problemas de pagamento e indisciplina de jogadores continuam. É uma equipa em fase de reconstrução e não os considero favoritos a vencer o troféu. O tempo de preparação do novo treinador (Avraam Grant) foi curto».
 
Barreto fala, no fundo, de uma realidade que conhece bem, dado que foi selecionador ganês entre 2003 e 2004. Apesar desses momentos conturbados vividos recentemente, o Gana continua a ter uma das equipas de maior requinte técnico do futebol africano, com jogadores como os irmãos Ayew, Asamoah Gyan ou o ex-portista Christian Atsu entre os convocados.
 
Quanto às outras duas seleções do grupo, existe a incógnita para perceber se conseguem corresponder ao potencial que possuem, sobretudo se estivermos a falar do Senegal. A equipa de Alain Giresse possui um dos conjuntos mais talentosos e fortes da prova, reunindo nomes como Sadio Mané (Southampton), Papiss Demba Cissé
(Newcastle) ou Henri Saivet (Bordéus). Quanto à África do Sul, apresenta um conjunto maioritariamente composto por jogadores da liga local. Atenção ao central Anele Ngongca (Genk), ao médio Andile Jali (Oostende) ou ao avançado dos líderes do Championship inglês, Bournemouth, Tokelo Rantie.



Finalmente, no Grupo D surgem outros potenciais candidatos ao título africano. Para Mariano Barreto, os Camarões são a equipa com «mais argumentos» para poder ultrapassar a fase de grupos e chegar à final da prova. A presença de elementos como o portista Aboubakar, o academista Salli ou o avançado Eric Choupo-Moting (Schalke 04) pode catapultar uma equipa taticamente equilibrada para outro patamar.

Apesar de ser uma das seleções mais reputadas do continente, Mariano Barreto não inclui a Costa do Marfim no lote dos principais candidatos à conquista da prova: «Tem excelentes jogadores como Yaya Touré, Gervinho ou Bony mas também costuma acumular alguns problemas disciplinares. Por isso mesmo, não a incluo entre os favoritos».
 
Para lá das duas potências já enunciadas, falta ainda falar do Mali e da Guiné Conacri. O conjunto maliano, segundo Barreto, «pode chegar longe se estiver no seu melhor». O técnico recorda os jogos da fase de apuramento frente às Águias: «É uma equipa que, quando se organiza bem, é forte, até porque tem muitos jogadores a atuar na Europa que são taticamente consistentes. Porém, na qualificação, conseguimos vencê-los na sua própria casa». A figura principal desta equipa continua a ser o médio da Roma, Seydou Keita.
 
Quanto à Guiné Conacri, aparece como a aparente «outsider» deste Grupo D. A equipa orientada pelo francês Michael Dussuyer tem tradição nesta competição em anos mais recentes e possui elementos de qualidade como o médio do Nacional, Boubacar Fofana, o interessante ala Ibrahima Conté, do campeão belga Anderlecht ou o avançado do Lyon, Mohamed Yattara.
 
De destacar ainda a ausência neste CAN de históricos do continente africano como a atual campeã Nigéria, o recente tricampeão Egito ou Marrocos, ex-campeão desta prova, que acabou por ser excluído após desistir da organização do torneio.
 
Mesmo sem estes nomes apelativos, há vários focos de interesse nesta edição da Taça das Nações Africanas. Nem as dúvidas em torno das questões da organização e logística conseguem afastar a promessa do bom futebol à espreita, sempre com muita animação e colorido nas bancadas. Que role a bola, que comece a festa das Áfricas!