No final de 2007/08, o Barcelona queria substituir o holandês Frank Rijkaard. Dois nomes ocupavam o pensamento dos dirigentes catalães: José Mourinho e Pepe Guardiola. Elaboraram um documento com as características que o treinador deveria ter. Depois conversaram com ambos. E contrataram.

A história é contada por Ferran Soriano, à época vice-presidente do Barcelona, no «livro «A bola não entra por acaso» ( ver descrição). A obra foi editada em português. Como o título do livro indica, o autor, dirigente do Barcelona entre 2003 e 2008, acha que no futebol o sucesso pouco tem a ver com sorte e azar. Pelo contrário, muitas das regras da gestão podem e devem ser aplicadas. Ao longo de 235 páginas que se lêem sem sacrifício, Soriano tenta explicar porquê.

Além da história do processo que levou ao recrutamento de Guardiola em vez de Mourinho, na versão de Soriano, o livro é enriquecido por muitas histórias que agradarão a quem gosta de conhecer o lado do futebol que não sai nos jornais. Por exemplo: sabemos que Deco chegou ao Barcelona um ano depois de a possibilidade ter sido falada pela primeira vez. O livro explica porquê. Em 2003, os dirigentes estavam convencidos de que Ronaldinho e Deco eram uma e a mesma coisa. Ou seja, competiriam pelo mesmo espaço, não valia a pena ter os dois. Depois de terem percebido (pela análise estatística) que o luso-brasileiro era também um bom recuperador de bola, contrataram-no.

Perto do M. United ou do Valência?

O desafio da direcção de Laporta (onde se incluía Soriano), começou em 2003. Na época 2002/03 o clube tinha facturado 123 milhões de euros, era apenas o 13º no ranking mundial. Estava mais próximo do Valência e Atlético Madrid (80 milhões) do que do M. United (251 milhões). Além disso, tinha problemas financeiros complicados. Era preciso decidir: limpar dívidas ou arriscar e tentar colocar o Barcelona ao nível dos melhores? No fundo, jogar para Espanha ou para o mundo?

A decisão, sabemo-lo hoje, foi desafiar os maiores. E os maiores, além do Real Madrid, estavam quase todos na Premier League. O Manchester United foi, confessa-o o ex-dirigente, o exemplo para muitas decisões. Se pegar no livro, verá que em 2007 as receitas do M. United chegaram a 325 milhões e as do Barcelona 309. Pelo meio, uma Liga dos Campeões. Porque a bola não entra por acaso.

Quando renovar um contrato?

O livro fornece também pistas para compreender como se lida com a contratação, renovação e dispensa de futebolistas. É diferente negociar com dirigentes ingleses e italianos? O islandês Gudjhonsen, por exemplo, foi contratado ao Chelsea por mail. Já para chegar a Zambrotta tornou-se necessário passar por diversas reuniões e jornalistas. Soriano também descreve a estratégia do Barcelona para segurar os melhores jogadores da formação, numa altura em que os ingleses filmavam os jogos das camadas jovens do clube. E desviavam os melhores. Perder Fabregas nunca ficou bem resolvido em Camp Nou.

As histórias de balneário

«É melhor que se entendam com ele, porque se eu tiver de intervir então terão um problema de verdade». Ele era Alexanco, durante anos capitão do Barcelona. O eu é de Cruyff, à época treinador do clube. O holandês delegava muito no capitão, que liderava o balneário. Alguns tentaram testá-lo. Acabaram às mãos de Cruyff. Não foi bonito de ver, conta Soriano. A definição de um líder e as histórias de balneário são outros pontos fortes.

Soriano perde-se um pouco quando fala em intenção e compromisso e acaba a citar Goethe ao longo de doze penosas linhas. Mas isso não é suficiente para diminuir um testemunho que, se lido com atenção, nos ajuda a perceber melhor o futebol.

Como desconfio que o leitor gosta de futebol, termino 2010 com uma sugestão que, presunção minha, o fará um melhor adepto: leia este livro. E, já agora, leia outros. Bom 2011.