Foi talento precoce, atleta irreverente, corredor profissional de estrada quase «contrariado», tricampeão do mundo, estrela pop do ciclismo, colecionador de camisolas verdes do Tour, arma publicitária de patrocinadores, grande animador de provas, favorito do público, eterno candidato à vitória, entrevistado desconcertante… De Peter Sagan, tudo isso foi dito e escrito. Tudo isso e muito mais. Nem sempre as coisas mais agradáveis.  

Nos últimos anos de carreira, com as vitórias a escassearem e um ordenado de cinco milhões de euros por ano, também surgiram críticas ao desempenho do campeão eslovaco.

Críticas que se alargaram a ações fora da competição. Como quando lutou com agentes da polícia por ter medo de que o levassem para ser vacinado à força contra a Covid-19 (tinha medo da vacina) ou quando foi apanhado a conduzir com excesso de álcool no Mónaco, em maio passado, e foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa.

Mas o Sagan que vai ficar na memória dos adeptos – e que já deixa saudades – é o que brilhou de forma exuberante em cima de uma bicicleta. Um brilho que não chegou a ser grandemente ofuscado por esses problemas fora da competição.

Taça da Eslováquia com a bicicleta da irmã

O jovem Peter sempre teve jeito para a bicicleta. Começou a competir aos nove anos. O irmão mais velho também corria.

E já aí era diferente.

Um dia surgiu na Taça da Eslováquia com a bicicleta da irmã, que pediu emprestada, porque tinha vendido a dele por engano e não chegou a receber uma nova da marca que patrocinava a equipa pela qual corria. Mesmo assim, ganhou a prova. É assim que nascem as lendas.

Peter era um rapaz de montanha, de natureza. Em 2008 foi campeão do mundo júnior de BTT e vice-campeão de ciclocrosse. Mas também corria em estrada e fez um segundo lugar na clássica Paris-Roubaix para juniores.

O apelo da estrada era diferente. Era onde as coisas estavam organizadas, onde podia ser profissional.

«Quando era júnior, podia alternar entre o BTT e a estrada. Então, a Liquigas propôs-me competir apenas em estrada como profissional. Aceitei logo! Na altura foi uma decisão fácil, só o ciclismo de estrada estava efetivamente desenvolvido. Disse a mim mesmo que se não tivesse sucesso na estrada, voltaria ao BTT», disse, no início deste ano, quando anunciou que 2023 seria o último ano da aventura no asfalto.

A primeira camisola verde no Tour

Os desempenhos do jovem Sagan tinham chamado a atenção de várias equipas. A Liquigas Cannondale foi a porta de entrada. A ascensão foi rápida. Em 2010 venceu duas etapas no Paris-Nice. Ao todo, sompou 58 vitórias enquanto esteve ao serviço da equipa e conquistou a primeira camisola verde da Volta a França (classificação por pontos). Sucediam-se as vitórias e os «cavalinhos». A fama só aumentava.

2014 foi o ano da mudança de patamar. Assinou pela Tinkoff Saxo (do bilionário russo Oleg Tinkov) e, no ano seguinte, afirmou-se como estrela da equipa a par do espanhol Alberto Contador. Foi ganhar 4,5 milhões de euros por ano e ainda levou o irmão Juraj para a equipa.

O primeiro título mundial

No ano seguinte conquistou o primeiro de três títulos mundiais de estrada, com um ataque fulminante. Era muito mais do que um tremendo finalizador. Tinha um poder físico que lhe permitia atacar em etapas para lá daquelas tipicamente desenhadas para sprinters.

Enquanto esteve na Tinkoff venceu 25 provas, incluindo dois títulos mundias.

No auge do estatuto de vencedor/estrela pop/one man show/produto de marketing surgiu a transferência para a Bora Hansgrohe, uma equipa construída à medida das necessidades de Peter Sagan.

A ideia era potenciar as capacidades ganhadoras (e o retorno em termos de imagem) do campeão eslovaco. Resultou, de início. Cada etapa de uma prova que tivesse o «perfil Sagan» era garantia de imensa cobertura mediática para a equipa – e, muitas vezes, resultava mesmo em vitória.

Enquanto esteve na equipa venceu 28 provas, incluindo o terceiro título mundial e a sétima camisola verde na Volta a França. Os patrocinadores até brincavam, dizendo que tinham pouca visibilidade, já que a imagem de marca de Sagan era vestido de verde ou com a camisola de campeão do mundo…

O princípio do fim… na estrada

Mas foi também nessa altura que começou a ser notícia fora da bicicleta. E que surgiram, os primeiros sinais de desgaste. A Bora começou a procurar outros corredores mais «convencionais», trepadores para as etapas de montanha, candidatos à classificação geral das grandes voltas, puncheurs que entrassem em fugas. Não podia «viver» apenas das eventuais vitórias de Sagan em etapas.

Em 2022 mudou-se para a Total Energies, equipa com menos ambição – apesar de o salário se manter elevado, num contrato de dois anos - ao serviço da qual venceu apenas uma etapa da Volta à Suíça e mais um título nacional eslovaco. Ao, todo, somou 121 vitórias como profissional.

Em janeiro deste ano, Peter Sagan anunciou que o fim estava próximo: 2023 seria o último ano na estrada. O último dia foi este domingo.

Na passada sexta-feira, em declarações ao Cyclingnews, Sagan foi lacónico, como quase sempre, como nos melhores dias: «a minha carreira está a terminar na estrada, mas vai prosseguir no BTT. Termina um capítulo, mas outro está a começar».

Objetivo: Jogos Olímpicos

Sagan olha para o futuro com entusiasmo. O grande objetivo é a prova de BTT nos Jogos Olímpicos de Paris, no próximo ano. Mas, em 2024, vai fazer muito mais, ao serviço da equipa Specialized Factory.

«A equipa ainda está a planear a temporada. Vou fazer todas as provas da Taça do Mundo mas ainda não temos certezas sobre as provas mais pequenas», disse Sagan, que prefere ser cauteloso no regresso ao fora de estrada: «há 14 ou 15 anos tudo era diferente. As corridas eram mais longas e, quando passas tanto tempo afastado, perdes muita coisa. Para mim, é como passar da Fórmula 1 para os ralis», afirmou.

Por todos os motivos, e enquanto 2024 não chega, a última prova de Sagan em estrada era aguardada com grande expetativa.

Ele admitiu que o Tour de Vendée era «especial para a equipa, que está baseada na região», mas baixava as expetativas para a despedida, já que não estava na melhor forma e até esteve doente há duas semanas.

Terminou em nono, numa chegada ao sprint com alguns dos melhores especialistas – venceu o francês Arnaud Demare. Um top-10 na despedida, aos 33 anos.

Nada mau, mister Sagan. Ficamos ansiosos pelo BTT.