Em 2006, o Maisfutebol revisitou o Benfica-Marselha de 1990 no livro «Sport Europa e Benfica», editado pela Prime Books. Aqui fica o excerto:
Na Luz, com o mediático presidente marselhês Bernard Tapie como alvo de todas as vaias e a estranheza de ver Mozer do outro lado da barricada, a angústia prolongou-se até sete minutos do fim.
Valdo percebeu que aquela ia ser uma noite diferente das outras quando Eusébio entrou em campo: «Um estádio completamente tomado, nem um lugar vago, e todo o mundo acendendo os isqueiros na hora em que o King subiu. Foi uma coisa arrepiante, memorável.» Perante 120 mil espectadores, o Benfica tinha hora e meia para rectificar a derrota da primeira mão.
Atendendo ao sucedido no estádio Vélodrome o 2-1 tinha sido um excelente negócio: «O Marselha tinha grande equipa, com o Francescoli, o Sauzée, o Deschamps, o Di Meco, o Papin, o Mozer, e provou-o nos anos seguintes. Foi um grande massacre, talvez só ultrapassado por um com a Sampdoria, em 1985.» Valdo reforça: «Podia ter sido o fim do sonho, fomos esmagados na segunda parte. Não passávamos do meio-campo e se tivéssemos saído de Marselha com 4-1 ou 5-1 não dava para espantar.»
Na Luz, com o mediático presidente marselhês Bernard Tapie como alvo de todas as vaias e a estranheza de ver Mozer do outro lado da barricada, a angústia prolongou-se até sete minutos do fim. Mas ainda antes, logo a seguir ao intervalo, Eriksson percebeu que era preciso correr riscos para desbloquear a situação. Para os lugares de Thern e Lima lançou em cena Pacheco e Vata. E o avançado angolano merece uma apresentação à parte, tão invulgares as suas características. Na época anterior, sob o comando de Toni, e saindo muitas vezes do banco, conseguira ser o melhor marcador do campeonato. Desta vez a aposta era ainda mais alta: «Humanamente é uma personagem única, tê-lo no balneário fazia bem a toda a gente. Eu tentava que o jogo não passasse por ele, porque não era dotado tecnicamente. A sua zona de acção era a área, só o queria lá. No fundo, jogávamos com dez para ele finalizar.» Com Vata em campo havia sempre a esperança de um ressalto, de algo incomum, de um golo caído do céu. Foi o que aconteceu no minuto 83.
«Só passados três ou quatro dias, ao ver ao ¿ralenti¿ na televisão, é que percebi como tinha sido o golo», lembra o «capitão» Veloso. «Lá no campo não dei por nada, só vi os franceses a protestar.» Toni estava ainda mais longe, no banco de suplentes, mas passado todo este tempo tem uma convicção inabalável: «Era penalty contra o Marselha: o Vata foi agarrado e não conseguiu chegar à bola. O árbitro estava tapado e não viu isso, como não viu depois a bola bater-lhe no braço, mas nunca seria falta contra nós, se ele apitasse alguma coisa tinha de ser o penalty», garante.
Veloso ainda hoje sorri, ao lembrar que Vata, mesmo depois do jogo, recusou sempre assumir a irregularidade no lance: «No balneário ele só nos dizia: ¿foi golo, foi golo, pronto!¿ e não se falava mais nisso.»
Foi já com a passagem à final garantida que Veloso, nos minutos finais, cortou pela raiz um contra-ataque do Marselha, junto à linha do meio-campo. O «capitão» sabia ao que se expunha e não ficou surpreendido quando viu o belga Van Langenhove puxar do cartão amarelo que o afastava de Viena: «Hoje faria exactamente o mesmo, essa jogada ainda era longe da nossa baliza, mas tinha condições para resultar em golo, e com 1-1 ficávamos eliminados.» O sacrifício permitiu ao público da Luz terminar essa noite despedindo Tapie aos gritos de «Bernardette». Mas o recordista de presenças internacionais pelo Benfica nunca mais voltou a ter a possibilidade de comandar a equipa numa final.