«Cortina de Leste» é o espaço de opinião do enviado-especial do Maisfutebol ao Campeonato da Europa de 2012. Pode seguir o jornalista Pedro Jorge da Cunha no Twitter.

A minha relação com a Ucrânia é um constante work in progress. Justifica emendas, rascunhos, supressões e acrescentos. Por outras palavras, mudo facilmente de opinião. Normalmente, várias vezes ao dia. Ou mudava.

Se, em Lviv, o sorriso ainda se misturava com a antipatia exploradora, em Kharkiv não é assim. Caro leitor, salvo raríssimas exceções, sinto-me rodeado por autómatos de olhar vítreo e feições rígidas. Sinto-me, meus amigos, a vítima numa paródia negra: a marioneta nas mãos de Tony Soprano.

Os episódios burlescos sucedem-se a um ritmo alucinante e sempre numa linguagem codificada. No caso, o indecifrável cirílico.

Saborear uma salada de frutas implica, por exemplo, uma fatura de oito itens. Sim, o malvado Soprano da caixa registadora faz questão de discriminar cada pedacinho de kiwi, uva, laranja e banana.

E tanto está atrás do balcão como salta para o volante do nosso autocarro. O sacana do Tony passou o dia a tratar mal a nossa guia, a rosnar enigmaticamente, a ameaçar ninguém sabe bem o quê. Teve de ser dispensado.

Pensávamos ter saído do jugo inquisidor quando, horas depois, o reencontrámos. Tony Soprano, mais sinistro do que nunca. Acenou-nos com o Media Entrance no estádio e meteu-nos num labirinto. Suámos, corremos, saltámos o tapume, fomos cobaias. Resistimos, escapámos.

Tony não desistiu. Nas largas avenidas da cidade, sem faixas de rodagem identificadas, perseguiu-nos como um doido. Passou vermelhos, desferiu insultos, driblou leis da física e não nos passou o recibo. What the hell?

Sobrevivi a Kharkiv, o Mr. Soprano deste Euro: damn you, Tony!

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