Ombros encolhidos enquanto inspira, num tique de quem, afinal, sabe todas as respostas. Vento, distância, força, ponto de impacto, barreira. Olhos vidrados no vazio, como se, camuflado pela noite, esperasse o momento certo. Uma cascata de código-matrix, um miado de gato preto, e agora algo parece estar errado. O pensamento a repetir-se. A perpetuar-se. Em espirais à volta da cabeça. Um segundo a morder a cauda do anterior, será que ele respira? Quem és tu? Sou o melhor. Não há mais ninguém. Tu, tu és o melhor. Só tu!

A aceleração em câmara lenta, o paradoxo que arruma com o paradigma, as ondas de choque a esmagarem o original Agent Smith e todos os seus duplicados, com o tapete a enrolar-se no fim, de uma só vez, ao pé da outra baliza, apenas com o seu arranque.

A arrogância de ser MÁQUINA, auto-programado para ultrapassar todas as dificuldades e obstáculos, um neo-Neo de óculos escuros e equipamento vestido por baixo da gabardina que lhe dá o toque de super-herói.

Uma MÁQUINA que ainda se sente pouco à vontade com os sentimentos. Com a realidade dos outros. Com as palavras. Penso que. Penso que, outra vez. Sente-se perfeito, cada vez menos humano, deus a tomar forma, cada vez mais longe dos seus próprios limites.

Cada vez mais rápido, cada vez mais longe. Uma vontade inabalável, músculos de ferro, peito de aço. La MAQUINA. Um alvo a vermelho no meio de visão térmica, de um dos lados com aquelas letras pequenas e inúteis, que só servem para enfeitar filmes de ficção.

Força bruta. Um futebol feito de retas e de ésses minúsculos, apontados ao golo, desenhados em quadro de estratégia única. Voraz. A bola, o retângulo feito de três ferros e uma linha para passar. Apenas isso. Não lhe interessam acrobacias e bicicletas, que imortalizaram Pelés e Hugos Sánchez. Ele, a bola, a baliza; passar a linha. O maior número de vezes possível. E mais um ou dois riscos a carvão na parede do quarto solitário.

E depois, um botão para desligar. Algures na nuca, a meio das costas. Tantos disparates se poupariam em Inglaterra a uns, tantas manchetes de tabloide. A outros, como a ele, o resto. Que não é pouco.

Chega ao balneário, liga-se a uma porta USB, e fica a correr anti-vírus e a eliminar malwares até ser dia.

Uma MÁQUINA vê um golo de um companheiro e volta para o grande círculo. Tudo recomeça. Não festeja, não sorri, faz parte. Inicia-se tudo outra vez. Mas o jogo sem o golo é o quê? O if em C++, Perl?, Java?, whatever!, diz-lhe que se marca deve abrir os braços e correr, dar murros secos no ar. If do outro lado houver azul e grená deve gritar Toma! Toma! E sorrir, finalmente.

O cabelo grisalho do puto amo agita Valdebebas, parada no meio de uma cena de Kubrick (sim, começámos com os manos Wachowski). Uns olhos bem abertos, forçados por uma armação de arame, e imagens a cair como dominó de um plasma na parede.

- Hala Madrid, Aitor!

- Hala Madrid, Dios mio!

- Como vão as coisas?

- Tudo corre bem. Soltámos há pouco o chico madeirense com a Irina. Este aqui ainda tem mais quatro horas de Messi até desligarmos as luzes.

Quem és tu? Sou o melhor. Não há mais ninguém. Tu, tu és o melhor. Só tu. Respira fundo... És o dono do mundo!

«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião da autoria de Luís Mateus, sub-diretor Maisfutebol. Pode ver o seu BLOG e segui-lo no TWITTER e no FACEBOOK.