Dele Alli, médio do Everton de 27 anos, que na última época representou o Besiktas por empréstimo dos toffees, concedeu uma emocionante entrevista ao ex-jogador e atual comentador da Sky Sports Gary Neville, do podcast «The Overlap».

De recordar que os dois já trabalharam juntos quando Neville fez parte da equipa técnica da seleção inglesa (2011-2016). Numa longa conversa com o antigo lateral direito do Manchester United, Alli abriu o coração e revelou eventos traumáticos da sua vida.

O médio revelou que considerou a possibilidade de se retirar do futebol aos 24 anos e que recentemente passou por um período de reabilitação para melhorar a sua saúde mental.

Devido a uma lesão prolongada enquanto esteve emprestado ao Besiktas, o médio afastou-se temporariamente da competição e agora afirma encontrar-se melhor: «Mentalmente, estou no melhor estado em que já estive», começou por dizer.

Ao longo da entrevista, Gary Neville também não conseguiu conter as lágrimas enquanto Alli partilhava uma série de eventos horríveis da sua infância.

O antigo jogador do Tottenham revelou que foi vítima de abuso sexual aos seis anos e que começou a lidar com drogas aos oito anos. Mais tarde, aos 12 anos, Alli foi adotado por uma família que o ajudou e apoiou de forma incondicional: «Fui adotado por uma família fantástica e não podia ter pedido pessoas melhores, eles ajudaram-me muito».

Para lidar com a sua dor, Alli admitiu ter tido problemas com «drogas e álcool» e ter desenvolvido uma dependência de comprimidos para dormir. O futebolista foi ainda mais além e disse recear que o problema esteja mais generalizado no futebol.

Num momento que deixou Alli e Neville em lágrimas, quando questionado sobre a sua infância, Alli disse: «É algo de que não tenho falado muito, mas houve alguns incidentes que vos podem dar uma breve ideia.»

«Aos seis anos, fui molestado por um amigo da minha mãe, que ia lá a casa muitas vezes, porque a minha mãe era alcoólica. Fui enviado para África para aprender disciplina e depois fui mandado de volta. Aos sete comecei a fumar e aos oito comecei a traficar droga», recordou.

Alli também abordou a relação com os seus pais biológicos, afirmando que já não tem contacto com a mãe biológica nem com o pai e diz ter-se sentido «traído e magoado» quando fez 18 anos e eles acusaram a sua nova família nos meios de comunicação, dizendo que ele tinha sido «aproveitado» pelos novos progenitores.

Para lidar com a sua dor, Alli revelou que «as drogas e o álcool» se tornaram um problema e que ficou viciado em comprimidos para dormir: «Com o nosso horário, quando temos de acordar cedo para treinar e não conseguimos dormir com toda a adrenalina, por vezes dormir e estar pronto para o dia seguinte é bom, mas quando o sistema dopaminérgico está em baixo como eu, pode ter o efeito contrário. Abusei demasiado deles», disse.

O jogador admite nunca ter lidado com o problema da melhor maneira e que o fazia sozinho, fechando-se no seu mundo.

«Nunca estava realmente a lidar com o problema que estava a crescer e com os traumas que tinha, os sentimentos a que me agarrava, tentava lidar com tudo sozinho. A minha família adotiva, o meu irmão, houve alturas em que me chamavam à parte a chorar e me pediam para falar com eles sobre o que estava a sentir, mas eu não conseguia», afirmou. E acrescentou: «Perdi-me durante alguns anos, estava a afastar toda a gente, quando tinha a família que me salvou a vida a chorar, a pedir-me para lhes dizer o que se passava, e eu não queria fazê-lo.».

Na mesma entrevista, o médio abordou a sua passagem pelo Tottenham, onde foi orientado por Maurício Pochettino e José Mourinho e passou momentos difíceis, sobretudo com o treinador português. O jogador começou por dizer que a saída do argentino lhe custou bastante, pois a relação que tinha com ele era mais do que treinador-jogador:

«A sua partida definitivamente afetou-me», começou por dizer. «Não poderia ter pedido um treinador melhor durante o tempo em que estive lá. Ele e a sua equipa são pessoas incríveis e mostraram uma compreensão excecional. A nossa relação não era apenas de jogador e treinador, era algo mais profundo. Ele entendia as decisões que eu estava a tomar e preocupava-se comigo como pessoa, antes mesmo de me preocupar com o futebol. Foi exatamente do que eu precisava naquela altura», reconheceu.

Sobre a chegada do special one aos ‘Spurs’, Dele afirma que as coisas não começaram bem porque havia perdido o lugar: «Provavelmente, o momento mais triste para mim foi quando o Mourinho era o treinador e deixou de me dar oportunidades de jogar. Lembro-me de estar num estado emocional muito frágil e olhar-me ao espelho a questionar se poderia reformar-me aos 24 anos, fazendo aquilo que amo. Isso partiu-me o coração, ter sequer pensado nisso. Foi muito doloroso e foi mais um fardo que tive de carregar.»

Alli admitiu também que o seu comportamento durante esse período não foi adequado, mas também destacou que a sua reação não foi algo que ele pudesse controlar completamente.

Durante o tempo em que ambos coincidiram no Tottenham, foi revelada uma conversa no documentário «All or Nothing», que mostra os bastidores da passagem do treinador Português pelo Tottenham, onde Mourinho explica ao médio que tinha de exigir mais dele mesmo. «Não culpo Mourinho, não culpo ninguém. A minha reação não foi correta, mas não era algo que eu controlasse», admitiu.

Alli está agora a caminhar para um momento mais positivo, tendo recentemente procurado reabilitação durante seis semanas para lidar com a sua dependência e os traumas que o afetaram.

«Quando regressei da Turquia [após um empréstimo ao Besiktas], descobri que precisava de um tratamento. Encontrava-me num mau estado mental. Decidi procurar um centro de reabilitação moderno que trata de dependência, saúde mental e traumas. Senti que era o momento certo para mim.», acrescentou.

O médio explicou tratar-se de uma decisão que apenas ele poderia ter tomado:

«Não se pode ser mandado para lá, é uma decisão que tem de ser tomada por si próprio. Estava preso num ciclo vicioso. Estava a depender de coisas que me estavam a fazer mal. Acordava todos os dias, lutava para ir treinar todos os dias, sorria - mostrava que estava feliz. Por dentro, estava a perder a batalha e era altura de mudar. Quando me disseram que precisava de cirurgia, senti as mesmas emoções que senti quando o ciclo começou.»

«Então, decidi ir para lá durante seis semanas. O Everton foi incrível e apoiou-me incondicionalmente, e serei eternamente grato. Foram honestos e compreensivos. Não poderia ter pedido mais, especialmente num momento em que tomei a decisão mais importante da minha vida - fazer algo que me assustava. Estou feliz por tê-lo feito.», admitiu.

Dele Alli explicou ainda como é realmente entrar num programa de reabilitação, afirmando ter encontrado um lugar sombrio: «Ainda existe um estigma em torno deste assunto, e é algo que as pessoas evitam enfrentar. Entrar numa clínica de reabilitação é assustador, mas nunca poderia imaginar o quanto iria beneficiar com isso. Encontrava-me num lugar sombrio. Muitas coisas aconteceram-me quando era mais jovem que eu não conseguia compreender, e acabei por tomar decisões estúpidas pelas quais me culpo.»

«Quando procurei reabilitação e comecei a aprender mais sobre mim mesmo, percebi que muitas destas situações estiveram fora do meu controlo. Compreender e aprender ajudou-me a libertar-me das emoções negativas que me estavam a atrasar.», concluiu o jogador.