Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

Goa, antiga colónia portuguesa tomada pelo exército da Índia em 1961 contra o regime de Salazar. Território controlado por Portugal durante quase 400 anos, no qual a história e a língua lusa ainda vive entre a população atual. E estado de onde partiu o sonho de Sahil Tavora. Um jovem futebolista de 23 anos que já entrou na história do seu país no futebol por cá: a 14 de outubro, tornou-se o primeiro jogador indiano a marcar um golo oficial em Portugal.

Depois de duas épocas na ISL - o principal campeonato da Índia - uma no FC Goa e outra no Mumbai City, esta hoje treinada por Jorge Costa, a oportunidade para Tavora no futebol europeu surgiu no final de agosto. «Foi um antigo jogador português que jogou na ISL e observou-me nas duas últimas épocas, falou-me do projeto e da oportunidade aqui. E eu disse: “Por que não?”», conta Tavora, ao Maisfutebol.

O médio partiu então numa aventura de quilómetros e muitas horas. Sozinho, de malas feitas, para Portugal, no início de setembro. Um país não estranho, de todo, já que Tavora tem familiares por cá. «Já tinha estado aqui antes. O meu estado na Índia é Goa, uma antiga colónia portuguesa. O meu avô é português e tenho alguma família em Lisboa e no Porto. Já tinha estado cá para os visitar antes», revela.

O «objetivo» de jogar «nas principais ligas da europa» começa pelo Alvarenga, clube que disputa o principal campeonato distrital da Associação de Futebol de Aveiro, a Divisão de Elite.

Tavora estreou-se a 23 de setembro, já fez quatro jogos e marcou um golo. O primeiro de um indiano em Portugal, que nem Sunil Chettri conseguiu pelo Sporting. Especial pelo feito? «É bom ser o primeiro indiano a marcar em Portugal. Mas não é algo em que pense muito, que me empolgue. Estou aqui para trabalhar arduamente a cada jogo. Ter boas exibições, fazer o que gosto. Estarei mais feliz quando for o primeiro golo de um indiano na principal liga portuguesa», atira, esperançado em que o trabalho se traduza numa oportunidade superior.

Tavora, ao serviço do Alvarenga (Fotografia cedida pelo jogador)

O momento tornou-se mais fulcral do individual ao coletivo, já que Tavora foi o autor do único golo do jogo Avanca-Alvarenga, aos 82 minutos do jogo da quinta jornada. «Precisávamos de ganhar, estava 0-0. Foi importante. Agora, é focar-me em mais golos e assistências», antecipa Tavora, que já indica, apesar do curto tempo, diferenças no futebol entre Índia e Portugal.

«Se há diferença que posso encontrar é que esta divisão, em Portugal, é muito mais física. Um pouco mais rápida mas, sobretudo, mais física», nota.

Uma história com Zico e Lúcio à mistura

O percurso futebolístico de Tavora é curto e discreto. Mas tem na sua mente todos os sonhos para chegar ao objetivo já frisado. «Para chegar lá, sei que tenho de começar pelas divisões inferiores. Uma vez que já joguei ao mais alto nível na Índia, na principal divisão, pensei que estava na hora de tentar algo novo. E o Alvarenga é o clube ideal. Tem muitos jogadores novos, bom treinador, adeptos e diretores que apoiam. Estamos no bom caminho», considera.

No meio das duas épocas na ISL, entre FC Goa e Mumbai City, Tavora bebeu da experiência de quem já esteve no topo. Em 2016/2017, teve o antigo futebolista Zico como treinador e, como companheiro, o também brasileiro e defesa, Lúcio.

Tavora em ação pelo Goa, clube no qual se cruzou com Zico e Lúcio

«O Zico foi meu treinador e, na nossa equipa, tínhamos o Lúcio. Quando treinas e jogas com tais pessoas, é sempre uma honra. Aprendes muito com eles. Fiz uma boa época no Goa, com o Zico e o Lúcio na equipa. Aprendi muito e, agora, tenho de fazer uso do que aprendi», atira.

Cultura, língua e distância da família

De Portugal com olhos na Índia, Tavora procura, a nível futebolístico, a primeira internacionalização pela seleção. «Seria algo que gostaria um dia, mas nesta altura estou focado no Alvarenga, trabalhar pela equipa e por mim», defende.

E é por essa missão que se dedica, atualmente, a tempo inteiro ao futebol. Vive em Arouca, com alguns colegas brasileiros. Aliás, é o Brasil quem domina no plantel do Alvarenga. Em 24 atletas, 15 são brasileiros, há sete portugueses, um indiano e um luso-suíço.

De Portugal com olhos na Índia, Tavora procura também, a nível futebolístico, seguir um «sonho» pessoal. «Vim sozinho para Portugal, mas mais do que sentir falta do meu país, sinto falta da minha família, dos meus amigos. Mas quando procuras um sonho, tens de sacrificar coisas na vida para chegares onde queres. A minha família percebe, cabe-me trabalhar», reconhece.

O futebol, que também espelha a globalização, encontra em Tavora mais uma história de paixão pela redondinha. As raízes lusas permitem-lhe dominar um pouco a língua. «O suficiente para comunicar, mas longe de ser perfeito». A comunicação crucial acontece lá dentro, no campo. Com a bola.

E da Índia a Portugal, diferenças ténues. Afinal, a história que liga Goa aos dois países atenua adaptações. Isso e uma vida estável que permitiu a Tavora, hoje, seguir um objetivo de vida.

«Pela graça de Deus, felizmente, nunca tive momentos de pobreza, nem dificuldades financeiras quando cresci. Os meus pais trabalharam muito para darem-me tudo o que precisava. Goa é parecido a Portugal, tem uma cultura ocidentalizada. A cultura portuguesa ainda está em Goa. Falam português. Goa é diferente do resto da Índia. Viver aqui não é uma grande mudança, porque Goa tem raízes ocidentais», descreve.

Da Índia à Princesa do Paiva, o futebol a proporcionar aventuras pelo mundo.

O primeiro golo de um indiano em Portugal:

 
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Artigo original: 23/10, 23h50