[primeira publicação a 23 de Maio de 2011, véspera da apresentação no Sporting]

Em menino tinha «espinhas em vez de ossos», passava o dia «na rua a jogar à bola descalço» e «sem qualquer interesse pelos livros», apesar de «uma inteligência acima da média». Domingos cresceu, tornou-se um prodígio goleador do F.C. Porto, passou a treinador e chegou ao comando do Sporting com 42 anos.

Entre o ponto de partida e o presente há muitas histórias a reter. Fernando Santos, o seu primeiro treinador na Académica de Leça, embarca numa onda de recordações a convite do Maisfutebol. A conversa flui com naturalidade e há espaço, por exemplo, para a memória do improviso na primeira palestra do novo técnico dos leões.

«Ele tinha 13 anos. Era o líder da equipa, por aquilo que jogava no campo. Estávamos a disputar o torneio de Guifões [freguesia de Matosinhos] e pedi ao Domingos para ir observar um jogo entre o Freixieiro e o Monte Xisto», recorda o mentor do antigo avançado.

«Eu enervava-me bastante, por isso evitei ver esse jogo. O empate interessava-nos, pois só esse resultado nos permitiria lutar pela final. As equipas empataram mesmo e, no jogo seguinte, desafiei o Domingos a explanar aos colegas tudo aquilo que já me tinha relatado.»

Um balneário expectante, um gaiato de pernas escanzeladas e voz melíflua no centro das atenções. «Aguentou-se bem. Explicou quem era o jogador mais forte, de que forma tínhamos de aproveitar as fragilidades contrárias e os colegas respeitaram tudo o que ele sugeriu. Coincidência ou não, ganhámos esse jogo e fomos à final. Foi a primeira vez que ele encarnou a pele de treinador.»

Um «medricas» com pai brasileiro e fominha de rato

Domingos cresceu na zona norte de Leça da Palmeira. Tinha sete irmãos e uns pais «super humildes». «Passou fominha de rato» nos primeiros anos de vida, mas jamais renegou o prazer pela bola. O talento, esse, chegou-lhe através dos genes do pai.

«Poucos sabem isto. O pai do Domingos era brasileiro e um craque a sério no futebol. Aliás, a família dele era a família dos brasucas como se dizia em Leça. Com seis ou sete anos já era uma estrela do Bairro dos Pobres porque, realmente, todos perceberam que estava ali um predestinado», continua Fernando Santos, um amigo de todas as alturas.

«Quando me chegou às mãos, alguns anos depois, percebi que ia ser uma estrela. Mas não sabia que um dia seria também um grande treinador», acrescenta. «Identifico-me muito com ele. Só me chateava quando se punha com dores de barriga antes dos jogos importantes. Nisso era um bocadinho medricas», graceja.

Benfiquista até aos 14 anos; portista a partir daí

Aos 14 anos, Domingos Paciência chegou ao F.C. Porto. Fernando Santos falou com o professor Bessa Menezes, à altura responsável pelo desporto na câmara de Matosinhos, e este chegou até ao treinador Costa Soares, treinador dos iniciados dos dragões naquele tempo. Depois de duas observações, Domingos tornou-se dragão.

«Apaixonou-se pelo F.C. Porto. Mas ele era benfiquista, por influência familiar. Só depois de ir jogar para o Porto é que começou a gostar do clube. Fui eu que tratei da papelada toda e lembro-me que o primeiro salário dele rondava os 45 contos [225 euros]. Curiosamente, acabou por ir para o Sporting.»