Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.

Há muito tempo que falar no veciti dérbi, o dérbi eterno de Belgrado, implica contagem de detidos e feridos nos distúrbios entre as claques do Partizan e do Estrela Vermelha. Mas, em 22 de março de 1992, as rivalidades clubísticas foram postas de parte e as bancadas uniram-se em torno de um inimigo comum: a Croácia, que tinha acabado de tornar-se independente da Jugoslávia, até então formada pelas repúblicas federadas da Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedónia.

Para perceber melhor a hostilidade entre adeptos dos clubes é preciso regressar a 1945, ao final da II Guerra Mundial, altura em que os dois clubes foram fundados. A rivalidade até já vinha de trás, dos duelos entre o SK Jugoslavija (antecessor do Estrela Vermelha) e o BSK Belgrado, que depois da derrota do nazismo transferiu poderio e adeptos para o recém-criado Partizan. As alterações geo-políticas transformaram, como foi regra nos países a Leste de Berlim, a rivalidade desportiva num reflexo de lutas políticas, com o recém-criado Partizan como porta-estandarte do Exército, enquanto o Estrela Vermelha era apadrinhado pelo ministério do Interior.

Ao longo de 45 anos, os cigani (ciganos) do Estrela Vermelha e os grobari (coveiros) do Partizan disputaram, dérbi a dérbi, a supremacia na capital da Jugoslávia, até à fragmentação do país no início da década de 90.



Em junho de 1991, após um referendo que deu apoio esmagador à separação, a Croácia declarou a independência da Jugoslávia. O presidente sérvio, Slobodan Milosevic, acreditava ser possível manter a unidade do país com o apoio do exército federal jugoslavo e em setembro de 1991 ordenou o avanço das tropas em Vukovar, cidade que representava a resistência croata, e que seria conquistada no dia 18 de novembro. Este foi apenas o início, mas ao longo de quase cinco anos, até Novembro de 1995, mais de 20 mil pessoas morreram no conflito e meio milhão tiveram que procurar refúgio.

No meio deste barril de pólvora em que se encontravam os balcãs, há ainda um personagem a ter em conta. Zeljko Raznatovic, ou Arkan, fundador da Delije, a claque do Estrela Vermelha. Arkan era mais do que apenas um líder da claque. Amigo de Milosevic, e nacionalista convicto, organizou, a pedido do presidente, uma força paramilitar que, a partir de 1992, foi a responsável pelo massacre de milhares de pessoas. Essa força paramilitar ficou conhecida por Tigres dos Balcãs.



Chegamos assim ao dia 22 de maio de 1992. No «Marakana», o mítico estádio do Estrela Vermelha, quase 100 mil adeptos preparavam-se para o dérbi eterno. A caminho do estádio, os habituais confrontos irromperam, com adeptos dos dois clubes a envolverem-se em agressões. O jogo começou e começaram também os insultos e provocações de uma claque à outra e o arremesso de objetos. Até que 20 elementos da milícia de Arkan se levantaram na bancada norte, ostentando uma faixa que dizia: «20 milhas para Vukovar». O tema da guerra com a Croácia chegava ao jogo. Outro cartaz dizia: «10 milhas para Vukovar». E outro: «Bem-vindo a Vukovar». Surgiram ainda outros cartazes com o nome de cidades croatas que caíram perante o exército jugoslavo, liderado pelos sérvios.

O ódio que os adeptos sentiam uns pelos outros não era maior do que o ódio que sentiam pelo inimigo político, pelo país que quis ser independente. O fervor nacionalista cresceu e o 0-0 em campo (acabando o jogo por se resolver depois em grandes penalidades) não pareceu importar a muitos. O jogo, o dérbi eterno, tinha-se transformado num comício em que Arkan conseguiu motivar não só os seus, mas também os rivais.



O Estrela Vermelha acabaria por se sagrar campeão nesse ano, naquela que foi a última edição da Liga jugoslava. Com o fim da Jugoslávia, Estrela Vermelha e Partizan continuaram rivais e o dérbi eterno teve sempre confrontos, agressões, detidos, feridos. Só não voltou a ter essa união sinistra em torno de um ódio maior.