Em carne viva. Corroídos em nome da paixão pelo futebol. Flagelados pela dor, pelo sofrimento e pelo erro alheio. Cinco jogadores, todos jovens e amadores, viveram uma tarde de desespero no dia 16 de Janeiro. Uma tarde a merecer um relato detalhado, para que mais nenhum atleta tenha de passar pelo mesmo.
O Fonte da Moura e o Clube Marechal Gomes da Costa defrontavam-se para mais uma jornada do Campeonato de Amadores da A.F. Porto. Tudo decorria com normalidade, até alguns elementos começarem a ter sintomas anormais. «A dez minutos do fim senti um calor excessivo nas pernas e virilhas. Pouco depois já não aguentava mais», conta ao Maisfutebol Bernardo Flores, jogador do MGC e uma das vítimas da terrível cal viva.
AFP e INATEL desconhecem incidentes
A lei é clara é proíbe liminarmente a marcação dos campos de futebol com este material. Mas naquele dia, por distracção ou desmazelo, alguém colocou em risco a saúde de muitos. A narração de Bernardo Flores, 31 anos, é impressionante. «Só a água fria no duche me conseguiu aliviar as dores. Mas algumas horas depois não suportei o sofrimento e desloquei-me à Casa de Saúde da Boavista.»
Sem trabalhar, sem andar, sem a vida normal
12 dias depois, Bernardo ainda não retomou a vida normal. Mantém-se de baixa e desloca-se quase diariamente ao hospital para mudar o penso. A dor tomou conta do seu quotidiano. «Não posso trabalhar, não posso jogar futebol, tenho dificuldades em andar e até em estar sentado. É uma situação complicada.»
A cal viva limitou seriamente a vida de Bernardo e de outros quatro futebolistas amadores. Ricardo Iglésias, também jogador do MGC, ficou seriamente marcado nas costas. «Já é a segunda vez que isto me acontece. A ferida inflamou e fui forçado a tomar antibióticos. Isto assusta-me, naturalmente, cria-me insegurança e faz-me pensar se vale mesmo a pena jogar futebol», conta ao nosso jornal.
Depois do sucedido, Ricardo reuniu-se com o presidente e o treinador do MGC. O clube está a elaborar uma exposição à AFP de todos os acontecimentos. «Tenho uma declaração médica a comprovar a minha situação. Fiz vários tratamentos numa clínica e passei mais de uma semana sem poder conduzir. E se fosse nos olhos?»
Uma pergunta que fica sem resposta. Pelo menos para já.
A culpa morre solteira?
Perante este quadro dantesco, coloca-se uma questão: quem assume a responsabilidade pela integridade física dos atletas, principalmente quando esses atletas são amadores? Existe um seguro desportivo que pode, e deve, ser accionado. Mas, não menos importante, será importante tentar perceber se é possível controlar o material usado por cada clube nas linhas de marcação. Neste caso concreto, longe de ser o único, a partida realizou-se em campo neutro, visto nenhum dos emblemas envolvidos possuir instalações próprias.
Amândio Carvalho, vice-presidente da FPF, explica ao Maisfutebol que a cal viva é um tema preocupante «pelo menos desde 1974». «O primeiro comunicado da federação a desaconselhar o uso dessa substância foi emitido em Janeiro de 74. É muito perigoso jogar num terreno marcado com cal viva e admiro-me que isso ainda suceda», refere o dirigente.
«Houve alguns acidentes no passado, mas penso que nenhum teve grande gravidade. A FPF tem chamado insistentemente a atenção dos clubes. Quase todos os anos relembramos essa regra, por isso custa-me aceitar que haja campos de futebol nessas condições. No caso concreto do Fonte da Moura-MGC, terá de ser a Associação de Futebol do Porto a actuar e a penalizar os eventuais infractores.»