«É mais importante ser campeão de juniores ou formar jogadores? Conheço alguns que foram campeões há pouco tempo nesse escalão e já deixaram o futebol»

David Simão colocou o dedo na ferida. O problema não se esgota no treinador A ou B, no clube C ou D, mas sim numa política de formação ilusória, desfasada da realidade, sem espaço para a consciencialização dos jovens.

Nem todos serão como Cristiano Ronaldo mas crescem a sonhar com esse patamar. Com 13, 15 ou 17 anos, poucas promessas encaram a possibilidade de uma carreira sem milhões no bolso.

A responsabilidade escapa aos miúdos, passa pelos pais, pelos clubes. Prolonga-se com os amores e amizades de circunstância, a ilusão de fama numa altura crucial da vida, o sacrifício dos estudos, os pecados cometidos por arrastamento.

Não conheço a história de Gisvi e o seu nome serve apenas como exemplo. Recordo as promessas do Sporting, as esperanças lançadas a par de Cristiano Ronaldo. Cruzo-me com o avançado, encontro-o nas redes sociais e vejo um recorte de jornal. Sim, a responsabilidade também é nossa.



Gisvi tem agora 31 anos e andava pelo Luso Morense, da Associação de Futebol de Évora. Foi lançado por Boloni, tal como Ronaldo, mas desapareceu das primeiras páginas. Os mais jovens não crescem a ouvir a história dele, concentram-se apenas no sucesso do madeirense. Perigoso.

Poderia usar o exemplo de Fábio Paim mas esse seria o caminho fácil, apontando o dedo a um talento que se perdeu por culpa própria. Nem sempre é assim. Não basta ter cabeça.

O sucesso, no futebol como em todas as outras áreas, depende de uma fórmula complexa: talento, clarividência e oportunidade.

Qualquer combinação em que falhe um destes fatores está condenada ao fracasso. Saliente-se a oportunidade, aquilo que depende de terceiros.

Os jogadores compreendem a lógica demasiado tarde. A cada plantel jovem de vinte e cinco, dois ou três irão para a prateleira de topo, outros dez serão colocados numa posição aceitável, abraçando o profissionalismo. A maioria perde-se nos pelados deste país. Se calhar, deveriam ter começado por aí.

Tenho um amigo com 9 anos, para quem olho como um irmão mais novo, que sonha ser o novo Cristiano Ronaldo. Começou agora a jogar futebol, num clube modesto, entre o pó dos pelados.

Por ele, trocaria de imediato, iria para um grande, para um relvado. Abraçaria a ilusão. Mas a base está aí. Na terra, nas ruas, nos ringues. Na dificuldade, na realidade.

Prepare-se o futuro com a fórmula equilibrada: por cada Cristiano Ronaldo, haverá uma dúzia de Gisvis.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e demais agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt).