Andrea Pirlo dedicou-lhe três páginas da sua autobiografia como um dos adversários mais difíceis que teve pela frente. Só por isso, André Schembri já merecia ser entrevistado pelo Maisfutebol, mas o avançado do Boavista, maltês de raízes sicilianas, tem muito mais episódios que valem a pena contar. Como aquele de o seu avô ter sido o primeiro capitão da seleção de Malta e de o seu pai também ter chegado a internacional. Juntos, são a única linhagem de três gerações no futebol maltês que jogou na seleção nacional do seu país. Só os Maldini ameaçam a família Schembri.

Entrevista a André Schembri - Parte 1: «Disse 'sim' ao Boavista antes de o dizer à minha noiva»

Recuando às suas origens: era quase obrigatório para si cumprir a tradição de família e ser jogador de futebol, não?

Além do meu pai e do meu tio, que se destacaram no futebol do meu país, o meu avô foi o primeiro capitão da seleção de Malta. Ele estava lá no primeiro jogo internacional, frente à Áustria, em 1957. Comecei a jogar aos três anos. Tinha de jogar futebol, é como um legado de família. Aliás, eu, o meu pai e o meu avô somos, pelo menos no futebol europeu, a única linhagem de três gerações que jogou na seleção nacional do seu país. A UEFA já chegou a destacar isso mesmo. Acho que a família Maldini poderia igualar esse feito, se algum dos filhos do Paolo Maldini chegar a jogar pela seleção principal de Itália, o que ainda não aconteceu.

Estreou-se como sénior do Hibernians aos 16 anos, depois jogou no Marsaxlokk, ainda em Malta, antes de ser emprestado a dois clubes alemães – Eintracht Braunschweig, em 2007/08, e Carl Zeiss Jena, 2008/09.

Sim. Saí de Malta porque queria chegar ao topo do futebol europeu e aceitei uma oportunidade na terceira divisão alemã, antes de dar um pequeno salto para a primeira divisão austríaca (Austria Kärnten, em 09/10) e depois para a Hungria (Ferencvaros, 2010/11).

Encontrou grandes diferenças nessas experiências nos primeiros tempos de carreira?

Nem por isso. O futebol era semelhante. Bem, o Ferencvaros era um clube maior e tinha uma grande pressão dos adeptos, mas reagi bem e marquei 17 golos nessa época. Depois transferi-me para a Grécia, porém, tive um problema com o meu primeiro clube.

O Olympiacos Volos?

Sim. O presidente foi condenado por corrupção e o clube desceu da Superliga grega para a quarta divisão por decisão administrativa. Saí então para o Panionios. Joguei lá com o Antunes, que estava emprestado pela Roma. É um bom amigo. Depois estive para ir para Itália, quase a assinar pela Sampdória, mas a transferência falhou.

Seria o contrato da sua carreira?

Sem dúvida. Fiquei durante o defeso de 2012/13 à espera da proposta, o meu agente disse-me para esperar… Rejeitei propostas da Grécia, Japão, Alemanha… E cheguei ao final de agosto e não tinha clube. Felizmente, o treinador adjunto do Panionios foi para o Omonia Nicósia de Chipre e como eu estava sem clube convidou-me.

Encontrou vários jogadores portugueses lá.

Claro! Nuno Assis, Ricardo Fernandes, Bruno Aguiar, João Alves, Moreira… Bons amigos. Ainda mantenho contacto com eles. Além disso, o Omonia é um grande clube, com grandes objetivos a nível interno e adeptos muito fervorosos. Fiquei lá quatro épocas e correu bem.

Durante esse período no Chipre esteve seis meses empestado ao FSV Frankfurt da 2. Bundesliga. Como correu essa experiência?

Foi o pior momento da minha vida. Não estava confortável. Não gostava do sítio nem da atmosfera no clube, além disso, estava lá sozinho. Marquei dez golos em 16 jogos, mas aquele futebol não é o que mais me agrada: era bastante mais físico. Prefiro um estilo de jogo mais tecnicista, como encontro aqui em Portugal.

Falámos da sua carreira nos clubes, mas falta a seleção. Tem 78 internacionalizações por Malta. Fez algum jogo pela seleção que o tenha marcado?

Marquei dois golos numa vitória sobre a Hungria na qualificação para o Euro 2008. Esse foi um jogo especial, que ajudou à minha primeira experiência na Alemanha, onde tive o primeiro contacto com o profissionalismo. Em Malta somos amadores, joga-se futebol em part-time. A liga não é profissional. Ainda hoje temos na seleção jogadores que são contabilistas, professores ou que gerem um café… E depois jogam na seleção contra Inglaterra, por exemplo, diante do Rooney e de outros jogadores que valem e ganham milhões.

Lamenta não ter chegado a defrontar Portugal na qualificação do Mundial de 2010?

Falhei um jogo por estar lesionado e outro por estar suspenso, a cumprir castigo devido aos cartões amarelos.

Não se cruzou com Cristiano Ronaldo dessas vezes, mas noutras ocasiões já defrontou grandes nomes do futebol europeu. Recorda-se de algum em especial?

Tenho boas memórias do jogo contra a Itália, na qualificação para o Mundial 2014. Perdemos por 0-2, mas fui eleito o melhor em campo nesse jogo. Fizeram um penálti sobre mim, mas falhámos. E lembro-me também do jogo em Modena contra eles – nova derrota por 2-0 –, sobretudo por causa do Pirlo. Ele dedicou-me três páginas na autobiografia dele!

O que escreveu ele sobre si?

Foi um bocado sarcástico, nem tudo o que ele escreveu no livro era verdade. Escreveu, por exemplo, «casaria com o Schembri»… Uma coisa meio gay [risos]. Mas foi divertido. Mencionou-me como um dos adversários mais difíceis que ele defrontou, juntamente com o Totti e o Ji-Sung Park, aquele sul-coreano que jogou no Manchester United.

Tudo por causa desse jogo em Modena? Chegou a falar com ele nessa altura?

Sim, falámos. Normalmente não gosto de trocar camisolas, mas dessa vez pedi-lha porque quis fazer uma surpresa a um amigo meu que é adepto da Juventus. Pedi-lhe a camisola e ele disse-me «Sim, claro. Dás-me também a tua?» Sinceramente, não sei o que é que ele fez com a minha. [risos]

A memorável exibição de Schembri contra a Itália:

Portanto, não coleciona camisolas de adversários?

Não, acho que não faz sentido correr atrás de outro jogador no final do jogo para lhe pedir a camisola. Essa do Pirlo foi para oferecer ao meu amigo. Só guardo as minhas camisolas. Aliás, troquei de camisola com o Moreira quando joguei recentemente contra o Estoril. Mas isso é por termos jogado juntos no Omonia e por ele ser meu amigo.

Tem agora 30 anos. Que objetivos tem ainda na carreira?

Estou no ponto mais alto da minha carreira. Foi com isto que sonhei. Tenho 30 anos, estou a ficar mais velho, mas quero manter-me a este nível por alguns anos.

Já pensou no que gostaria de fazer quando terminar a sua carreira no futebol?

Acredito que devemos de dar de volta tudo o que de bom recebemos na vida. Quero manter-me ligado ao futebol e abrir a minha academia em Malta. O objetivo será formar jogadores e dar-lhes oportunidade de jogar fora do país. Em Malta estamos numa zona de conforto e apesar do talento muitos jovens não evoluem porque não saem cedo pare começar a competir a sério. Espero que essa academia contribua para mudar um pouco esse paradigma. Quem sabe se não farei uma parceria com o Boavista para mandar para cá os melhores jogadores malteses?