Combinámos uma entrevista de 20 minutos e acabámos por falar quase uma hora. De futebol, mas também de valores mentais e emocionais, e de grandes nomes que marcaram a carreira do jogador do Wolverhampton. De Jorge Jesus, às «comparações com Javier Saviola», à «competição com Cristiano Ronaldo», passando pelo «pai Pedro Martins», o treinador que o fez renascer, por terras gregas, logo após a tão badalada rescisão de contrato com o Sporting.

Depois das «dores, ameaças e desilusões», Podence é, de novo, o tal rapaz de personalidade forte que se sente com capacidade de «chegar ao topo do futebol mundial». O internacional está em exclusivo no Maisfutebol.


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MaisFutebol (MF) - Vamos começar por recuar 15 anos no tempo, quando chegou ao Sporting, com nove anos…

Daniel Podence (DP) - Tenho muita saudade desse tempo, em que desfrutava de tudo, completamente. Fui campeão nos escalões jovens, de infantis e iniciados, e, sinceramente, nunca senti que as coisas não iam correr bem, porque sempre tive presente que era dos melhores, mesmo quando não jogava muito. No Sporting, chegaram a vir ter comigo para dizer que estava em dúvida, que podia ser dispensado, por ser muito baixinho, por ser fraquinho fisicamente. Com 14, 15 anos, já era agenciado pela empresa do Jorge Mendes e já havia muitas lutas na altura, mesmo com o sr. Aurélio Pereira. Ele disse que houve alguma reticência em relação a mim, mas, felizmente, consegui singrar.

MF - Tinha complexos em relação à sua estrutura física?
DP - Percebia que era mais baixo do que os outros e que isso dificultava a minha integração. Tinha qualidade, mas não conseguia acompanhar os outros, que eram mais fortes e mais rápidos. Mas, depois, passado um certo tempo, consegui igualar os outros, noutros aspetos, e quando chegámos a juniores, seniores, a questão da altura já era completamente indiferente.

MF - Chega à equipa principal do Sporting em 2015, faz a pré-época em 2016, mas é emprestado ao Moreirense. Porque é que não conseguiu convencer Jorge Jesus a integrá-lo no plantel?
DP - Eu integrei muito bem a pré-época, estava destacar-me, mas o mister não viu que era o momento certo para me colocar na equipa. Na altura, fiquei ressentido, não achava a decisão correta, mas passado um mês vi que tinha feito a escolha certa. Comecei mesmo a achar que o mister Jesus tinha feito bem, pois eu precisava de jogar e sabia que naquela equipa não ia jogar tanto. No Moreirense, consegui ter minutos e acabei por voltar ao Sporting apenas seis meses depois.

MF - Na altura, tive a informação de que o mister Jorge Jesus estava a tentar fazer de si uma espécie de Javier Saviola, um jogador que ele tinha treinado, uns anos antes, no Benfica…
DP - Sim, é verdade, quando ele me conheceu, ainda na equipa B, eu já jogava como segundo avançado por indicação dele. Começou logo a chamar-me ´Saviola´. ´Saviola isto, Saviola aquilo…´. Com as devidas diferenças, eu era parecido com ele, a nível de movimento, pela maneira jogar, e foi por aí que ele começou a meter-me a segundo avançado, porque o tinha treinado. Se ele conseguia jogar daquela forma naquela posição, provavelmente eu também conseguiria, e acho que foi por isso que decidiu colocar-me a jogar ali.

MF - Voltando aos seis meses de Moreirense. Não podia ter corrido melhor, certo? Uma Taça da Liga conquistada…
DP - Foi incrível. Era um clube mais pequeno, mas construímos um grande plantel, mesmo muito bom, com qualidade, era um grupo divertido. Era um prazer treinar com aqueles jogadores. Ganhámos a Taça da Liga porque, como equipa, fomos mais fortes do que Benfica, na meia-final e do que o SC Braga, na final.

MF - Logo depois dessa conquista, volta ao Sporting. Foi o momento certo para o regresso?
DP - Quando voltei, não pensava nos seis meses que se seguiriam, mas no ano que vinha depois. Esses meses eram uma preparação num plantel em que via espaço para me impor, o que acabou por acontecer.

MF - A estreia em Alvalade é logo num clássico com o FC Porto. Que palavras encontra para descrever esse momento que aconteceu com 21 anos, depois de 12 nas camadas jovens do clube?
DP - Faltam as palavras, são sentimentos que não dão para descrever. Repare, uma coisa é vir para Inglaterra e jogar um Manchester United - Wolves, em Old Trafford, ou um Olympiacos - AEK, que são grandes jogos, em grandes palcos, mas não se comparam a um Sporting – FC Porto ou Sporting – Benfica. É o nosso país, cresci a ver estes jogos na televisão, representava o Sporting desde os nove anos…é incrível.

MF - E ser treinado por Jorge Jesus? Como é?
DP - É algo também difícil de explicar. O que ele diz parece tão óbvio que ficamos a pensar: Se é assim tão óbvio, como é que não pensámos nisso antes? Só se torna óbvio porque ele o diz, porque antes ninguém se tinha lembrado disso. Nós, jogadores, ficamos malucos com o resultado das coisas, dos processos que ele nos ensina. Aprendei mesmo muito com ele, se calhar na altura não dava tanta atenção, porque a maneira de explicar dele não era a melhor, ou era muito bruto, ou eu era muito jovem. Mas, hoje, olho para trás e vejo o que aprendi com ele, cresci muito mais no que é ler o jogo.

MF - Ainda bem que toca nesse aspeto da irreverência, porque sei que tem uma personalidade forte. De que forma é que isso o pode beneficiar ou prejudicar no futebol?
DP - Sou alguém que preza muito o lado da razão. O mister Jesus, por exemplo, puxa muito pelos jogadores, leva-os à exaustão e houve momentos em que explodi. Sempre pensei muito pela minha cabeça e, por isso, conseguia expor as minhas ideias, fazia-o muito com o Jorge Jesus, questionava-o muito. Às vezes também o mandava ‘dar uma curva’, porque há momentos em que temos de nos soltar, porque é difícil lidar com a forma como ele diz as coisas, às vezes. Mas eu já fui muito mais irreverente, agora sou mais calmo, tomo decisões mais calculadas. Não tenho dúvidas de que cheguei onde cheguei graças a esta personalidade vincada.