Victor Lindelöf, Nélson Semedo e Renato Sanches. São apenas três dos muitos jogadores que estão agora a dar cartas e com quem João Nunes privou no Benfica.

O defesa central, agora nos polacos do Lechia Gdansk após ter feito toda a formação no clube da Luz, conversou com o Maisfutebol sobre a mudança de paradigma na formação do Benfica e a maior consciencialização que diz existir hoje para com o talento dos jovens portugueses.

João Nunes, que fez parte da equipa de juniores que em 2014 chegou à final a Youth League, diz ainda que vários jogadores dessa geração tinham qualidade para chegar à equipa principal dos encarnados.

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Trabalhou com Victor Lindelöf muito tempo na equipa B do Benfica. Surpreende-o esta ascensão dele no último ano?

Não. O Victor é uma pessoa muito séria, que trabalha muito, mesmo quando as coisas não lhe correm bem. Surgiram algumas lesões, ele teve o espaço dele e ele também soube esperar. Estava no sítio certo e soube ser aquilo que é quando teve a oportunidade de agarrar o lugar. Não me surpreende nada o sucesso que ele está a ter.

O João também estava na equipa B e era opção. Também esperava por essa oportunidade?

O Victor, apesar de jogar na B, já pertencia ao plantel. Mas é claro que, quando começaram a existir estas situações de lesões, não digo que não esperasse que essa oportunidade não surgisse. Era legítimo que eu tivesse essa ideia. Estava há muitos anos no clube e sabiam que podiam contar comigo. Tanto eu como outros estávamos à espera que isso pudesse acontecer.

Tem-se noticiado muito que Lindelöf está com um pé no Manchester United. Está preparado para esse desafio?

Penso que sim. Se for, acredito que vai demonstrar a qualidade que tem demonstrado no Benfica.

Pelo tempo em que trabalhou com ele, que qualidades tem ele que o diferenciam eventualmente de outros centrais?

Não é por acaso que lhe chamam Ice Man. É uma pessoa fria, que mesmo em situações de pressão tem um discernimento muito bom e isso marca a diferença.

Se esperava uma oportunidade na equipa principal? Quando começaram a existir estas situações de lesões [Luisão e Lisandro], não digo que não esperasse que essa oportunidade não surgisse. Era legítimo que eu tivesse essa ideia»

 

Rui Vitória já disse que o Benfica está preparado para a eventualidade de perder Lindelöf. Há soluções mesmo na formação?

Penso que sim. O Benfica tem vindo a trabalhar de uma maneira fantástica, ao nível das melhores formações do mundo. Tem todas as condições para os jovens neste momento, tanto a nível de treino, como a nível de vida, de estudos. O acompanhamento é cada vez mais rigoroso e tudo isso dá ao jovem da formação do Benfica uma outra maturidade e sentido de responsabilidade. Também é por isso que aparecem cada vez mais cedo jogadores de qualidade. Às vezes nem todos são aproveitados no Benfica, mas os que são mostram essa qualidade. Outros acabam por ser aproveitados por outros clubes…

Bernardo Silva, João Cancelo…

Cancelo, Bernardo, Fábio Cardoso, Hélder Costa, Pedro Rebocho… Há vários casos desses. O Nuno Santos, o Bruno Varela. Isso mostra que os jogadores estão preparados e que está a ser feito um bom trabalho.

Independentemente de o treinador se chamar Rui Vitória ou Jorge Jesus, um jogador quando está no Benfica tem obrigatoriamente de ter a ambição de chegar à equipa principal»

 

Acredita que foi o contexto da altura que levou jogadores como Bernardo Silva e João Cancelo, só para citar dois exemplos, a saírem para longe?

Na altura o contexto não era o mesmo.

Havia um paradigma diferente, uma maior reserva na aposta em jogadores da formação do clube?

Sim. Mas o futebol português também está a mostrar cada vez mais que a aposta certa é o futebol de formação. Cada vez isso é mais visível, não só nos grandes mas também noutros clubes.

Os resultados das seleções jovens também mostram isso…

Os sub-17 foram campeões europeus, a minha geração de sub-19 foi à final do Europeu, no Mundial sub-20, apesar de termos perdido com o Brasil nos quartos de final, demonstrámos que éramos uma das equipas mais fortes. Isso começa a dar uma outra mentalidade não só ao Benfica, ao Sporting e ao FC Porto, mas a todo o futebol português. Os jovens portugueses têm qualidade. Agora quando se olha para um jogador estrangeiro talvez já se pense: «Este é bom, mas eu tenho um português tão bom ou melhor».

João Nunes (segundo em cima a contar da esquerda) foi totalista no Mundial sub-20 realizado na Nova Zelândia em 2015. Portugal foi eliminado pelo Brasil nos quartos de final

No caso particular do Benfica, sente que após a chegada de Rui Vitória os jovens da formação passaram a olhar para a equipa principal como um sonho mais real?

Acho que um jogador, quando está no Benfica, independentemente de o treinador se chamar Rui Vitória ou Jorge Jesus, tem obrigatoriamente de ter essa ambição. O Benfica é um clube de ambição, onde não se pode relaxar. A própria estrutura do Benfica começou a dar outra atenção aos jovens.

Falámos há pouco no trabalho do Benfica ao nível da formação. Quando lá chegou ainda não havia Seixal.

Não. Quando cheguei, treinávamos nos Pupilos do Exército, no sintético do Estádio da Luz e ao fim de semana jogávamos no campo do Fofó [Futebol Benfica]. Andávamos de certa forma com a casa às costas. Desde essa altura, o Benfica evoluiu muito. O centro de estágio permitiu dar outras condições aos jovens. Fui um privilegiado. Sentimos que estamos a crescer com o Benfica…

Sabemos que não é possível que todos os jogadores cheguem à equipa A. Mesmo que não seja no Benfica, há que lutar pela carreira

 

Parece que ainda fala como se fosse jogador do Benfica. Ainda se sente um pouco assim?

Sim. O Benfica teve um papel muito importante na minha formação. Não posso nem quero apagar isso. Se não tivesse passado por esse processo de evolução no Benfica, nem sei o que estaria agora a fazer. Não digo que deixasse de jogar, mas talvez estivesse num clube mais pequeno e eventualmente mais focado nos estudos.

Ainda se matriculou em Psicologia, não foi?

Sim. Acabei por deixar isso cair, porque não é fácil conjugar, mas é um caminho que os jogadores devem ter como alternativa. Não sabemos o dia de amanhã. Tivemos agora o exemplo de um jovem no Borussia Dortmund [Dario Scuderi]. Perspetivavam-lhe uma grande carreira que não chegou a começar por causa de uma lesão grave.

Fez parte da equipa que foi à final da Youth League em 2014. Dos jogadores dessa equipa, só Gonçalo Guedes está no plantel principal do Benfica. Não é pouco?

Penso que havia jogadores com qualidade para estar na mesma situação que o Gonçalo Guedes. Felizmente, ele teve essa sorte e astúcia, porque mostrou serviço na altura certa. Demonstrámos muita qualidade nessa competição europeia. Já na Suíça goleámos o Real Madrid e depois acabámos por perder com o Barcelona por 3-0. Apesar do resultado, podíamos perfeitamente ter conseguido um resultado mais aproximado ou perfeitamente ter ganho. Falhámos um penálti e tivemos outras ocasiões para marcar. Mas dessa equipa que ganha a competição, penso que o Barcelona tem ninguém no plantel principal. Teve o Munir, que acabou por ir para o Valência.

Que jogadores são esses que podiam ter qualidade para estar agora na equipa principal do Benfica?

O Nuno Santos, por exemplo, é um jogador com um enorme potencial e que pode aparecer num Benfica de futuro. O Hildeberto, Romário… O Rochinha, que assinou agora pelo Boavista, também é um jogador com enorme qualidade, o Guzzo, o Rebocho. Mas é necessário tomar um caminho. Sabemos que não é possível que todos os jogadores cheguem à equipa A. Mesmo que não seja no Benfica, há que lutar pela carreira.

Também chegou a trabalhar com Nélson Semedo na equipa B…

Sim. Tem muita, muita qualidade. E inicialmente não era lateral direito. Veio como médio, a jogar a dez, e adaptou-se perfeitamente. Nota-se cada vez mais que a posição que ocupa agora é que é a dele.

E Renato Sanches.

Estive com ele cerca de um ano. Via-se claramente que, para a idade dele, demonstrava que estava num nível claramente superior. Na equipa B já apresentava um nível muito alto e soube impor-se na equipa A do Benfica. É uma pessoa com uma personalidade forte e agarrou, sem medo nenhum, na equipa principal. Teve uma influência muito grande naquilo que o Benfica produziu no ano passado.

Não tem tido vida fácil no Bayern Munique. Vai acabar por conseguir impor-se?

Tem capacidade para isso, mas é preciso dar tempo ao tempo. Não é fácil para um jogador com a idade dele chegar ao Bayern Munique e começar logo a jogar. Para além disso está num país com um futebol completamente diferente daquele a que estava habituado e precisa de tempo para se adaptar.

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