*Enviado-especial ao Brasil

Há precisamente 20 anos, a vida de Cláudio Ibraim Vaz Leal, conhecido no mundo de futebol como Branco, atingiu o ponto mais alto com um livre à Holanda. Não, não é exagero: é o próprio quem o recorda, em conversa com o Maisfutebol nas catacumbas do Itaquerão, pouco antes de comentar o Uruguai-Inglaterra para a TV Bandeirantes.

Com 50 anos cumpridos em abril, visivelmente mais pesado, o antigo lateral do FC Porto mantém o olhar brilhante. Em especial quando fala «daquele» Mundial e «daquele» livre. Mas nem foi por aí que começou a conversa: a referência a Portugal levou-o de imediato ao Porto, onde esbanjou talento entre 1988 e 1990 e se tornou um dos mais temíveis marcadores de livres que passaram pelo futebol português. «Tem uma estátua minha lá no museu, não é? O Deco fez uma foto que eu vi. Fiquei orgulhoso, claro. Depois do Mundial eu vou lá, está prometido», começa por dizer.

Os contactos com o clube e com o futebol português são agora mais raros: «Vez por outra falo com o presidente, Pinto da Costa, com Jorge Mendes. Mas deixei vários amigos lá. Mande um abraço para todos os adeptos do Porto que me viram jogar», diz. Em tempo de Mundial, Branco deixa uma palavra de lamento sobre a estreia de Portugal, preferindo valorizar o adversário: «Tem jogos assim, que nada sai bem. Mas a Alemanha é um time muito forte. Junto com a Holanda e o Chile, foi o que mais gostei de ver jogar até agora» diz, numa apreciação que encobre também uma crítica à seleção orientada por Luiz Felipe Scolari. «Claro que o Brasil é o principal favorito, tem bons jogadores e está em casa. Mas até agora não jogou bem. Mesmo no jogo da estreia, com a Croácia, achei o time um pouco preso, como agora com o México», diz.

Ainda assim, Branco acredita que este pode ser o Mundial das equipas sul-americanas, depois de duas edições, 2006 e 2010, dominadas pelas seleções europeias: «Talvez sim, Deus queira, não é? Eu acho que por toda a História que tem, e também pelos jogadores, a final mais bonita seria um Brasil-Argentina. Fico torcendo, mas acho que o Brasil tem de melhorar nos próximos jogos. E atenção porque pode pegar o Chile nas oitavas, e o Chile está sendo dos melhores times dessa edição», frisa.

No geral, Branco mostra-se muito satisfeito com o sucesso da organização e com o nível dos jogos a que tem assistido: «Está muito bonito, com uma média muito alta de golos e jogos tecnicamente bons. O nível até agora está muito alto, o melhor dos últimos anos. E como tem muito público participando, não está faltando nada», diz com a autoridade de um campeão do Mundo, com presença destacada em três edições.

«O Brasil sempre teve essa característica, de contar com laterais-esquerdos muito ofensivos. Começou com Nilton Santos, Júnior, Roberto Carlos, agora Marcelo e eu faço parte dessa tradição. Uma linhagem boa, né?», constata com um sorriso. Sim, mas nem todos foram campeões do Mundo, dizemos. «É, à terceira deu título», lembra, evocando as passagens falhadas pelos Mundiais de 1986 (eliminado pela França nos penaltis) e de 1990 (pela Argentina de Maradona, no célebre jogo em que acusou o banco argentino de lhe ter dado uma garrafa de água com entorpecente).

E é chegado o momento que ainda hoje lhe faz brilhar os olhos, o momento que designa como «o mais importante da carreira». Branco, que nem sequer começou esse Mundial como titular – entrou na equipa nos quartos de final, devido à expulsão de Leonardo no jogo anterior, conta como foi: «Estávamos empatados com a Holanda, faltavam uns dez minutos. Eu sempre fui ofensivo, e nesse lance fui no ataque, e o Winter me derrubou, a uns 25 metros da baliza. Eu batia bem, estava confiante, e peguei bem na bola».

Batida com a parte de fora do pé esquerdo - como passava horas a ensaiar, no campo de treinos das Antas, bem depois de os colegas de equipa já terem ido para os balneários - a bola fez uma curva caprichosa, contornando a barreira, Valckx e Romário, numa trajetória improvável que só acabou na rede lateral de De Goey. O Brasil venceu esse jogo por 3-2 e só parou com o título de campeão nas mãos. No final, Branco viria a batizar o golo com uma dedicatória a todos os que tinham criticado a sua chamada: «É, nesse dia eu disse que tinha sido o golo cala-boca. E as críticas não eram só para mim, mas para toda esse time», lembra. Depois da Holanda, caíram a Suécia e, depois, na final, a Itália. Branco ainda voltou a fazer o gosto ao pé, batendo um dos penaltis com que o escrete derrubou a «azzurra». «Não tem conquista maior, nem título maior que esse, meu amigo. De tudo o que fiz na vida, nada se compara a ganhar uma Copa do Mundo», conclui. 
 
O golo cala-boca