FOTOS: Ricardo Jorge Castro

O Dragão Caixa é a nova casa de Thomas Bauer. 32 anos, austríaco, guarda-redes de andebol, 139 vezes internacional pela sua seleção. Chega? Não, há mais, muito mais. 

Tom, como gosta de ser tratado, é apaixonado por música. Nascido em Viena, no seio de uma família tradicional, o andebolista do FC Porto começa aos oito anos a ter lições de piano. Descobre os grandes compositores ainda antes de saber o que é uma baliza. 

Ao longo dos anos evolui, conhece a música pop, toca guitarra e escreve canções. Em 2014, ultrapassa Robbie Williams e Katy Perry nos charts austríacos. Um artista, pois claro. Chega? Não, há mais. 

Tom é hair stylist. Cabeleireiro, em bom português. Corta os cabelos aos colegas do plantel do FC Porto, mas não só. E é um conversador de excelência, bem humorado, de bem com a vida. 

A entrevista ao Maisfutebol dura mais de uma hora. Chega? Esperamos bem que sim. 


Maisfutebol – Além de profissional de andebol, o Thomas tem outras paixões: música e cabelo. É isso?

Thomas Bauer – Correto. É fundamental ter paixão pela vida e outros interesses. Não podemos ser obcecados com o desporto, porque vamos ter maus momentos. Temos de olhar à volta e perceber que a vida é cheia de possibilidades. Até o Cristiano Ronaldo e o Messi têm maus momentos. É impossível não ter isso no desporto profissional. A música e o corte de cabelos são fundamentais para mim, além da família e amigos, claro.

MF - Já jogou na Alemanha, na França e na Noruega, além da Áustria. Porquê o FC Porto agora, aos 32 anos?

TB – É um desafio fantástico. Passei todo o verão sem clube porque recusei tudo o que o meu agente me propôs. Não queria um clube apenas para treinar e jogar. Queria conquistar títulos e treinar a um nível alto diariamente. Por isso só assinei contrato em outubro. No passado recusei contratos financeiramente melhores porque a filosofia de vida da minha família é assim. Escolher o projeto certo, para conciliar o lado desportivo e o lado social. O Porto dá-nos isso.

MF – Está no Porto há dois meses. Acertou na escolha?

TB – Não podia estar melhor. Está a ser magnífico, perfeito. Jogo andebol há 22 anos, passei por muita coisa, joguei Europeus e consigo perceber quando chego a um clube que é organizado ou não. A liga não é a mais forte da Europa, mas o treinador [Magnus Andersson] é uma pessoa da minha confiança e o FC Porto não precisa de apresentações. O que poderia correr mal? As minhas expetativas eram altas, mas estão a ser superadas pela realidade. Não me posso queixar de nada, nada. Adoro ver as outras modalidades do clube e conviver com a malta toda.

VÍDEO: Bauer superou as vendas de Robbie Williams e Katy Perry com esta música

MF – Vê os jogos de futebol, por exemplo?

TB – Claro. É fantástico sair aqui do pavilhão, atravessar a rua e ter uma das melhores equipas da Europa a jogar no estádio. Sempre adorei fazer desporto. No verão até joguei hóquei em patins na Áustria, mas não digam ao meu treinador (risos). Infelizmente tive de deixar de esquiar, porque esquiar da forma que eu esquio é muito perigoso.

MF – Como descreve a cidade do Porto à sua família, que está na Áustria?

TB – Não preciso descrever (risos). Ao vir para o Porto percebi que todos eles já tinham cá estado mais do que uma vez. Dois amigos meus, por exemplo, já estiveram aqui porque tinham viagem marcada há muito tempo. É uma cidade linda, com praia, zonas comerciais, preços justos, excelente clima e comida.

MF – Ter o Magnus Andersson como treinador foi decisivo para aceitar o FC Porto?

TB – Sim, claro que sim. Conhecemo-nos bem e sei como ele trabalha. É rigoroso, muito rigoroso, todos os dias. Em França, no meu último clube, o nível de treino era muito baixo. Detesto isso. Valeu a pena esperar pelo FC Porto. O Magnus telefonou-me, disse-me que precisava de um guarda-redes e eu disse ‘posso ir já amanhã para aí’. Nem tivemos de falar sobre dinheiro. Só lhe pedi os bilhetes de avião (risos).

MF – Como é a relação entre o Tom e o Quintana, o outro guarda-redes do FC Porto?

TB – Especial, muito especial. Já tive no passado alguns colegas muito stressados ou com um ego gigante, e por isso digo que o Quintana é especial. Só um de nós pode jogar, mas o apoio que ele e o Hugo Laurentino me deram quando cheguei, mostrou que eu era bem-vindo e que ia ser apoiado. E é por isso que também os apoio, mesmo quando estou no banco. Se damos amor, recebemos amor; se damos inveja, recebemos inveja. Acho que podemos fazer um trio fantástico, agora só espero que o Laurentino recupere rapidamente da lesão.

MF – A sua exibição contra o Magdeburgo na Taça EHF foi a melhor até agora?

TB – Sim, acho que sim. O pavilhão estava cheio e o adversário era o segundo classificado da liga alemã. Foi o primeiro grande obstáculo que tive no FC Porto, o primeiro grande desafio. Defendi dois livres de sete metros e provei que posso ser importante e útil ao FC Porto. Foi para isso que vim. Quero ser campeão de Portugal e fazer uma boa figura na competição europeia com este emblema lindo.

MF – E jogar aqui neste Dragão Caixa, como é a atmosfera?

TB – Barulhenta (risos). Um bocadinho agressiva, mas também apaixonada e divertida. Adoro jogar aqui. 2500 pessoas fazem mais barulho do que oito mil na Alemanha. Já joguei em centenas de pavilhões e não há muitos com esta atmosfera. Contra o Benfica, por exemplo, foi magnífico. Não gosto de ver espetadores sentados e nesse jogo toda a gente estava de pé e a participar, de facto, no jogo. Ajudaram-nos muito a ganhar.

MF – Vamos ao passado. Como foi a sua infância em Viena? O Tom pertence a uma família de desportistas?

TB – Não, não, absolutamente não (risos). Fui uma criança com demasiada energia e os meus pais levavam-me para parques. Eles nunca ligaram nada a desporto. Cansavam-me para eu chegar a casa e adormecer. Eu tinha o sonho de ser futebolista profissional, mas só até aos dez anos.

MF – O que mudou aí?

TB – Fui para uma escola diferente e conheci o senhor Klaus Schuster. Era meu professor e jogador profissional de andebol. Convenceu os meus pais e eu fui experimentar a modalidade. Ele tornou-se o meu ídolo. Um professor genial, um andebolista fantástico e louco como eu. Depois de um mês a ter aulas e a treinar com ele, disse aos meus pais que ia ser o futuro guarda-redes da seleção de andebol da Áustria. Acertei (risos).

MF – Falemos agora da música. Da sua música. O que o inspirou a escrever «We Go Our Way», que se tornou o hino da sua seleção no Euro2014?

TB – Escrevi e compus essa música com um amigo alemão, também andebolista. É poderosa, emocionante, é um bocado como a minha vida. Procura a aventura, o desafio. Foi um enorme sucesso no meu país.

MF – É verdade que vendeu mais do que o Robbie Williams e a Katy Perry nesse ano?

TB – Na Áustria, sim (risos). Ganhei algum dinheiro, mas pouco. O itunes e as editoras levaram quase tudo. A motivação também não era essa, mas sim a promoção do andebol. E a diversão, claro. Foi muito cool.

MF – Quando nasceu essa paixão pela música?

TB – Toco piano desde os oito anos. Não se esqueça que nasci em Viena, capital da música clássica (risos). A minha mãe também tocava e convenceu-me. Comecei logo por Beethoven, Mozart, Chopin, coisas leves (risos). Mais tarde pedi à minha professora para experimentar Robbie Williams e James Blunt. Coisas mais pop. Um dia, era eu adolescente, essa professora organizou um concerto. Toquei para 200 pessoas, num piano branco enorme. Assustador, assustador.

MF – Tem a ambição de fazer um álbum em nome próprio?

TB – Sim, mas não é fácil. A música original que tenho demorou-me quatro meses a produzir. Sou andebolista profissional, não tenho tanto tempo livre (risos). A minha banda favorita chama-se The Calling. Vi um concerto deles na Alemanha e fiquei louco com o vocalista. Tenho uma versão de uma música deles.

VÍDEO: Tom Bauer a cantar The Calling

MF – Além do andebol e da música, há outra paixão: cortar cabelos. Como começou isto?

TB – Fiquei descontente com a minha experiência em cabeleireiros na Áustria (risos). Quando chegava a casa tinha sempre de mudar alguma coisa. Comecei a pensar que poderia fazer melhor. Tinha 15 anos. Das primeiras vezes que o fiz, a minha mãe passou-se: «Tens de cortar isso, não vais à rua assim». Mas comecei a criar. Não é comum, mas perguntei a um colega na escola se lhe podia cortar o cabelo. Era um amigo meu, brasileiro! Continuamos ligados. Outros rapazes viram e disseram que estava bem. Tenho de encontrar sempre alguém para começar. Aqui no FC Porto foi o Diogo Branquinho.

MF – Foi o primeiro aqui no Porto?

TB - Sim. «Branquinho, acho que posso cortar-te o cabelo e pôr-te com bom visual». Poderia ser estranho para o Branquinho ver um tipo austríaco, o novo guarda-redes, a querer cortar-lhe o cabelo, mas ele aceitou.

MF – Ficou contente com o resultado?

TB – Absolutamente. Quando vais a um cabeleireiro, cortas o cabelo. Assim aconteceu. Ficou bem.

MF – Os colegas do FC Porto deixam-no cortar-lhes o cabelo?

TB – Sim. O Branquinho foi a primeira vítima. Antes, disse-lhe. «Não vou cortar-te o cabelo, vou mudar a tua vida». Deixei-o expectante. Encontrámo-nos após o treino, trouxe a máquina de cortar e ele ficou contente. No dia a seguir, outro colega perguntou-me se lhe podia cortar o cabelo. Sou sortudo por não ter uma fila com a equipa toda a querer cortar o cabelo (risos). O Branquinho já me perguntou ontem se podia cortar-lhe antes do Natal.

MF – Tem algum negócio nesta área na Áustria?

TB – Não, não. Apenas tentei, gostei e faço-o. Mas nunca forço ninguém a fazê-lo. Eu faço-o com humor: «Se não queres que te corte o cabelo, então não vais ter um bom penteado». Fi-lo nos outros clubes, na seleção nacional. As mulheres dos jogadores já me dizem que eles têm de cortar o cabelo na seleção. Levo sempre a máquina de cortar o cabelo para a seleção. Divertimo-nos, mas faço-o de forma séria.

MF – O Thomas corta o seu próprio cabelo?

TB – Sim, desde os 15 anos. Claro que é mais rápido cortar a outra pessoa. Na seleção nacional e num clube na Alemanha, fizemos a «Cut and Cocktail Party», uma festa. Eles trazem bebidas, eu levo a máquina e depois do treino ficamos três horas no balneário a beber cocktails e a cortar cabelos (risos). Não serão hábitos normais das equipas, mas passa-se bem.

MF – Há algum corte especial que recorde?

TB – Na Áustria um colega pediu-me para cortar-lhe uma semana antes do casamento. Não podia cometer erros nesse. Também cortei a uma jogadora de andebol. Demorou duas horas e meia. Com um cabelo longo… os erros são proibidos (risos). E também a um rapaz sueco, que tinha um cabelo grande. Eu disse-lhe para vir na manhã seguinte. De manhã, fui ao Youtube pesquisar como cortar cabelos longos (risos). Dez minutos antes de ele vir! Foi tão rápido… só tive tempo de ir procurar.

MF – E se tivesse de cortar um cabelo como tinha o Fellaini?

TB – Seria um desafio. Por acaso, será um desafio quando o António Areia decidir cortar. Quando ele quiser fazer algo especial, posso pensar em mudar a vida dele (risos). Mas que não espere muito. Não sou médico, não o posso fazer bonito, mas posso melhorar aquilo.

MF – Espera estar no Porto vários anos?

TB – Não posso dizer que vou ficar aqui até ao fim da carreira. Mas sinto-me bem aqui. Fiquei surpreendido com o nível, o comprometimento, a organização. Espero que muitos amigos possam vir aqui e ver a vida que tenho, o clube onde jogo. Quero partilhar essa experiência. Verem quão sortudo eu sou. Eu fui o capitão da seleção nos últimos dois anos. E o capitão, no último verão, não tinha clube. E vais ter um campeonato do mundo no próximo ano. Agora, todos estão mais relaxados, sabem que estou a treinar bem.

MF – Teremos o Thomas no Mundial?

TB – Claro. Espero que o meu filho nasça antes. Deve nascer em janeiro. Temos um grupo com Dinamarca e Noruega, é difícil, mas o resto é do nosso nível e podemos ir à fase final. Vou ter o natal com a minha família, mulher, vou ver os meus amigos. O nascimento do meu filho, a seleção, voltar para Portugal, Taça de Portugal contra o Sporting. Depois a Taça EHF. Queremos ir à final four, em Kiel, perante 10 mil espetadores. A época 2018/2019 é das mais excitantes da minha vida. E estou absolutamente pronto para continuar esta jornada aqui no FC Porto. Ontem, alguns colegas perguntaram-me qual é o meu clube de sonho. Neste momento é o FC Porto. Não podia pedir mais. Boa equipa, colegas, adeptos, lutar pelo campeonato, cidade fantástica, esperar pelo meu filho. Vai ser um grande ano.