João Félix continua a ser um enigma em Espanha.

O internacional português já vai na terceira temporada no Atlético Madrid e teima em não se afirmar. Pelo contrário, esta época acaba por ser até a menos feliz de todas. O que torna evidente que já não é apenas uma questão de tempo.

Depois de ter jogado 40 dos 48 jogos na primeira época, participando em 2300 dos quatro mil minutos que a equipa fez, realizou apenas em 36 dos 50 jogos na segunda temporada, jogando 2500 dos 4500 minutos da equipa. Este terceiro ano, porém, está a ser o pior de todos: o jovem até esteve em 23 dos 33 jogos da equipa, mas fez apenas 1100 dos três mil minutos de jogo, o que dá pouco mais de um terço do tempo jogado.

Isto num ano em que as lesões nem o têm afetado ao nível das épocas passadas.

Para além disso, soma três golos e três assistências, o que significa uma participação em seis dos 55 golos marcados pelo Atlético. Na primeira época marcou nove golos e fez três assistências, o que significa que participou em 12 dos 68 golos da equipa, na segunda temporada fez dez golos e cinco assistências, participando em 15 dos 77 golos colchoneros.

De uma participação em 17 por cento dos golos do Atlético no primeiro ano, passou para 19 por cento no segundo e esta época caiu para uma influência em 10 por cento dos golos da equipa.

São números que levantam muitas dúvidas e para procurar as respostas a essas perguntas, o Maisfutebol foi falar com jornalistas espanhóis que acompanhar o dia a dia do At. Madrid. Já se sabe que João Félix tem um talento incrível com a bola, mostrou-o sobretudo quando foi decisivo no título do Benfica de Bruno Lage, por isso o que é que se passa?

Jorge Garcia, jornalista do As, diz que há muitos fatores que têm influenciado o rendimento do o avançado de 22 anos, mas o principal é que ele próprio não tem tido uma mentalidade forte.

«João Félix está a ter dificuldades em entender que o futebol de hoje, no Atlético ou em qualquer outro sítio, joga-se a um nível muito alto. Ele precisa de analisar o que fez de mal até agora. Não pode só lamentar-se que não encaixou na equipa ou que o Simeone não o coloca onde ele quer jogar», diz o jornalista espanhol.

«Se tivermos atenção à opinião das pessoas que partilham com ele o balneário, percebemos que ainda não apresentou uma mentalidade bem construída e sólida para enfrentar um desafio como este. Toda a gente sabe que tem muita qualidade, os companheiros sabem que pode decidir jogos, mas para isso não basta jogar onde quer, que os seus companheiros o apoiem e que tudo seja fantástico à sua volta. Também é preciso que ele perceba que o futebol de hoje se joga com uma intensidade muito forte.»

Uma opinião que é corroborada por Iñaki Dufour, da Agência EFE.

«Acho que ele não correspondeu em toda a sua dimensão às exigências da Liga Espanhola e do Atlético. Faltou-lhe muita consistência em vários jogos. Todos nos lembramos de detalhes, dribles, alguns golos, mas são poucos os jogos em que ele tem sido incontestável e decisivo. E isso é o que se espera dele: que decida jogos.»

Nos últimos tempos, de resto, percebeu-se que já nem João Félix, nem Diego Simeone disfarçam o mal-estar que existe entre ambos. As queixas e a falta de paciência são cada vez mais evidentes. Será possível, por isso, que João Félix se imponha ainda no Atlético ou é melhor procurar outros ares?

Hugo Condés, jornalista da Onda Cero, acredita que ainda é possível ver João Félix a triunfar no Atlético de Diego Simeone.

«Já vimos grandes jogadores que se transformaram em estrelas mundiais sob a orientação de Simeone, como são os casos de Griezmann, de Arda Turan e muitos outros. João Félix já devia saber como trabalha Simeone, porque já tem três anos no Atlético, e tem de adaptar o seu futebol ao que o treinador quer. Acho que é sobretudo uma questão de João Félix reagir. Se será capaz de o fazer? Acredito que sim, porque tem muita qualidade. Insisto: para mim é o melhor jogador do At. Madrid.»

Jorge Garcia e Iñaki Dufour têm mais dúvidas de que isso seja possível.

«Podemos pensar que o melhor para Félix seria procurar outra equipa, com um treinador com ideias mais ofensivas, mas se virmos bem, João Félix conseguiria jogar no Man. City, que é uma equipa muito intensa, ou no Liverpool, que é uma equipa que exige uma reação muito forte à perda de bola? Acho que não é só um problema do treinador, é um problema também de João Félix. Ele não está ao nível exigido por uma equipa de topo. Por exemplo, ele não está o nível do Bernardo Silva, nem sequer ao nível de um jogador com menos qualidade do que ele como é o Diogo Jota. Jota aprendeu no Liverpool que tem de trabalhar para a equipa e faz isso muito bem. Talvez o Simeone não seja o melhor para João Félix, mas o principal problema de João Félix é a sua mentalidade», refere o jornalista do As.

«Acho muito complicado que Félix ainda vá a tempo de afirmar todo o seu potencial com Simeone. Após dois anos e meio juntos, com a chegada de Griezmann e com as mensagens que o treinador tem enviado para que o português apresente a sua melhor versão, sem terem provocado real efeito, parece muito difícil que as coisas mudem até maio. E se continuar assim, também acho que será muito difícil convencer João Félix a continuar ao lado de Simeone», sublinha o repórter da Agência EFE.

OS TESTEMUNHOS EM DISCURSO DIRETO

Jorge Garcia
Diario As

«Muita gente se pergunta porque é que João Félix ainda não apresentou o rendimento que se esperava dele. Há muitos detalhes para isso. Desde o início tem-lhe faltado consistência e regularidade. Também foi muito afetado por fatores externos, como são as muitas lesões e as duas infeções por covid-19, que lhe retiraram continuidade na equipa. É um jogador que, como muitos outros, teve de adaptar-se ao estilo de Simeone, que é sempre difícil para quem chega, e ainda mais para um jogador como João Félix, que estava habituado a uma filosofia diferente. No entanto, se tivermos atenção à opinião das pessoas que partilham com ele o balneário, percebemos que ainda não apresentou uma mentalidade bem construída e sólida para enfrentar um desafio como este. É um rapaz muito jovem, que ainda não teve a maturidade necessária para converter-se num jogador importante. Toda a gente sabe que tem muita qualidade, os companheiros sabem que pode decidir jogos, mas para isso não basta jogar onde quer, que os seus companheiros o apoiem e que tudo seja fantástico à sua volta. Também é preciso que ele esteja focado no seu jogo, nas suas metas, no facto de o futebol hoje se jogar a uma velocidade muito alta e com uma intensidade muito forte. João Félix está a ter dificuldades em entender que o futebol de hoje, no Atlético ou em qualquer outro sítio, joga-se a um nível muito alto. Ele precisa de analisar o que fez de mal até agora. Não pode só lamentar-se que não encaixou na equipa ou que o Simeone não o coloca onde ele quer jogar. A verdade é que Simeone já fez várias tentativas, sobretudo na época passada, para que João Félix se sentisse melhor na equipa, colocando-o em posições em que ele gosta mais de jogar. Claro que a filosofia da equipa não é a que melhor o serve, porque ele precisa de ter muito tempo a bola nos pés, precisa de sentir-se importante com a bola. Podemos pensar que o melhor para Félix seria procurar outra equipa, com um treinador com ideias mais ofensivas, mas se virmos bem, João Félix conseguiria jogar no Man. City, que é uma equipa muito intensa, ou no Liverpool, que é uma equipa que exige muita pressão aos avançados? Acho que não é só um problema do treinador, é um problema também de João Félix. Ele poderia mudar de equipa, claro, mas não está ao nível de uma equipa top. Por exemplo, não está o nível do Bernardo Silva, nem ao nível de um jogador com menos qualidade como é o Diogo Jota. Jota aprendeu que tem de trabalhar para a equipa e faz isso muito bem. Portanto, talvez o Simeone não seja o melhor para João Félix, mas o principal problema de João Félix é a sua mentalidade.»

Iñaki Dufour
Agência EFE

«João Félix ainda não se afirmou no Atlético por vários fatores: não é apenas um problema do Simeone ou do próprio jogo da equipa, nem é apenas uma questão pessoal. Em primeiro lugar, acho que ele não correspondeu em toda a sua dimensão às exigências da Liga Espanhola e do Atlético. Faltou-lhe muita consistência em vários jogos. Todos nos lembramos de detalhes, dribles, alguns golos, mas são poucos os jogos em que ele tem sido incontestável e decisivo. E isso é o que se espera dele: que decida jogos. Tem-no feito em raras ocasiões até agora. É verdade que crescerá com a experiência, mas o futebol não espera. Quando estava ao seu melhor nível, no início da época passada, as porradas que recebeu no tornozelo - disse ter jogado seis meses com um osso do pé partido - abrandaram a sua trajetória, que nessa altura era claramente de consolidação não só no Atlético, mas em todo o futebol europeu. Também não o ajuda a dureza que os defesas usam para travá-lo. Cada vez mais se vê que, quando controla a bola, especialmente de costas para a baliza, os defesas não hesitam em carregá-lo em falta. Parece até que há momentos em que eles vão acertar-lhe simplesmente para que ele não possa virar-se e jogar. Depois há os fatores externos a ele. A forma como o Atlético joga não o beneficia em nada, quando tem responsabilidades defensivas. No Atlético todos têm responsabilidades defensivas. Acho que ele é um jogador para ser segundo avançado e ter liberdade de ação no ataque em qualquer lugar do campo. Ele pode até começar da esquerda, mas tem que se pensar nele como um jogador ofensivo. Não é uma peça para ajudar a defesa. Isso traz-lhes dificuldades. Porque ninguém duvida de todo o seu talento, toda a técnica e todas as qualidades que tem. Essas são indiscutíveis. Também acho que o Simeone tem uma exigência com ele que não tem com quase mais ninguém no Atlético. Ele sabe que o João Félix é tão bom que, quando não lhe dá o que ele quer, muitas vezes por uma simples questão tática ou defensiva, o relega para o banco. É o que está a acontecer agora. Ele passou de indiscutível na sua primeira e segunda temporadas, até se lesionar em dezembro de 2020, para poucas vezes titular nesta temporada. A chegada de Griezmann também não o beneficiou. Será preciso ver agora com o regresso do francês, após um mês e meio de fora, se o treinador se atreve novamente a juntar os dois no onze. Caso contrário, será muito difícil para João Félix ser titular, porque Griezmann é indiscutível para Simeone, que também ainda não conseguiu extrair todo o potencial que o João tem. Por isso acho muito complicado que Félix ainda vá a tempo de afirmar todo o seu potencial com Simeone. Após dois anos e meio juntos, com a chegada de Griezmann e com as mensagens que o treinador tem enviado ultimamente para que o avançado português apresente a sua melhor versão, sem terem provocado efeito, parece muito difícil que as coisas mudem até maio. E se continuar assim, também acho que será muito difícil convencer João Félix a continuar ao lado de Simeone. Vamos ver. Mas ou isso muda já ou vejo um prazo de validade para a continuidade de Félix no Atlético.»

Hugo Condés
Onda Cero

«É difícil explicar porque é que João Félix ainda não se conseguiu afirmar no Atlético. Para mim é, sem a mínima dúvida, o melhor jogador da equipa, o que tem mais talento. Acho que nas duas primeiras épocas foi muito penalizado pelas lesões, que lhe retiraram continuidade na equipa. No ano em que está bem fisicamente, que é este, depois de ter sido operado, a verdade é que tem sido também castigado pela irregularidade da equipa. A verdade é que ninguém no plantel do Atlético está ao seu melhor nível. Acho que no ano passado, no arranque da temporada, conseguimos ver a melhor versão do João Félix, apesar de estar com problemas no joelho. Por isso acredito que ainda é possível ver o João Félix a afirmar-se no Atlético de Simeone. Já vimos grandes jogadores que se transformaram em estrelas mundiais sob a orientação de Simeone, como são os casos de Griezmann, de Arda Turan e muitos outros. João Félix já devia saber como trabalha Simeone, porque já tem três anos no Atlético, e tem de adaptar o seu futebol ao que o treinador quer. Acho que é sobretudo uma questão de João Félix reagir. Se será capaz de o fazer? Acredito que sim, porque tem muita qualidade. Insisto: para mim é o melhor jogador do At. Madrid.»

Jesús Colino
Diários As

«João Félix confirmou desde o primeiro dia que tem um talento especial, mas também lhe falta regularidade e, como defende o treinador, compromisso sem a bola. Mais capacidade de trabalho. Além disso, não tem tido sorte. Nos momentos em que teve regularidade e se sentia importante para a equipa, teve lesões que o obrigaram a parar. Nesta temporada, o desafio tem sido ainda mais complicado, pois tem a concorrência de Griezmann, um jogador especial para o treinador, e de Correa, que está a subir de forma. Por isso não me parece fácil que Félix ainda venha a conseguir afirmar-see no Atlético de Simeone, mas a verdade é que Simeone ainda confia muito em João Félix. É por isso que ele o inclui no onze em quase todos os grandes jogos, especialmente na Liga dos Campeões. O treinador costuma elogiá-lo nas conferências de imprensa, mas pede-lhe mais regularidade. Se o português quiser continuar no clube, o que não é certo, acho que ainda vai tempo de ser grande no Atlético com Simeone.»