Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões: djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

A pacatez possível de um jogo do Championship de Inglaterra foi abalada na quinta-feira, 2 de janeiro.

E não era para menos: Wayne Rooney estreava-se pelo Derby County, no jogo que marcava o regresso ao país natal do melhor marcador de sempre da seleção inglesa após um ano e meio a atuar nos norte-americanos do DC United.

Do outro lado da força, também com um friozinho na barriga, estava um português: Elliot Simões, avançado de 20 anos, nascido e criado na Falagueira (Amadora) até rumar a Terras de Sua Majestade nos primórdios da adolescência.

«A atmosfera foi diferente, sem dúvida. Os fãs não paravam de gritar o nome dele e girou quase tudo à volta dele durante o jogo, com as televisões a seguirem-no sempre. Ele é uma lenda do futebol, nós crescemos a vê-lo jogar, mas defrontá-lo é diferente. Tinha em mente pedir-lhe a camisola, mas mal o jogo terminou as câmaras foram para cima dele. Era o dia do Wayne Rooney e não quis incomodá-lo», conta o jogador à conversa com o Maisfutebol.

Na visita a casa do Derby County, Elliot cumpriu apenas o terceiro jogo com a camisola principal do Barnsley. Começou no banco, como nas duas vezes anteriores, mas uma lesão de um colega fez com que fosse lançado logo aos 26 minutos. No início da segunda parte, o português marcou o primeiro golo como profissional, numa recarga oportuna que permitiu aos visitantes chegarem ao empate.

O jogo terminou com a vitória do Derby County por 2-1, mas Elliot acredita que a marca deixada pode abrir-lhe novos horizontes. «Espero que sim! Tenho feito os possíveis para impressionar o treinador e os fãs. Mas é preciso também continuar a treinar bem.»

Benfica, Sporting e ida para Inglaterra

Elliot Simões começou a jogar futebol com cinco anos, numa equipa de futsal da Falagueira, e aos oito tentou a sorte nas captações do Benfica. «Correu bem e fiquei lá dois ou três anos. Fui colega do João Filipe (Jota) e do Filipe Soares, por exemplo», recorda.

Seguiu-se o Foot21, uma equipa da Damaia, pela qual deu nas vistas num campeonato no Algarve, onde estiveram alguns dos maiores clubes de Portugal. «Fui o melhor marcador e foi aí que apareceu o Sporting. Estive lá seis meses e fiz amigos com quem ainda falo, como o Rafael Leão.»

Nessa altura, Elliot tinha já 11 anos. Não ficar no Sporting foi uma desilusão rapidamente superada. «Naquela idade só queremos jogar à bola e não pensamos no futebol como algo de futuro. E depois estive duas épocas no Real de Massamá», conta.

Com 13 anos, a família decidiu que Elliot tinha mais futuro em Inglaterra. Foi praticamente sozinho e ficou aos cuidados de uma tia. «De onde sou a minha vida nunca foi fácil e a minha família achou que era o melhor para mim.»

Saudades de casa, dificuldades de adaptação a um outro idioma e o sonho do futebol congelado durante um ano: uma eternidade na vida de qualquer adolescente.

Mas Elliot não descansou até arranjar clube. «Tinha vindo do Real de Massamá e parar assim do nada foi um pouco estranho. O futebol sempre esteve na minha mente e pensei que ia acabar por arranjar clube», conta.

Começou a fazer perguntas sobre clubes pequenos onde poderia mostrar-se. E foi aí que apareceu o Curzon Ashton, a 20 minutos de casa, nos subúrbios de Manchester. «Fui aos treinos de captação, correu bem e acabei por ficar. O problema é que às vezes estávamos três semanas sem jogar. Era quase sempre só treino.»

Clube dos anti-Glazer como rampa de lançamento

Foi aí que apareceu Gil Gomes, antigo campeão mundial sub-20 por Portugal em 1991 e amigo da família, que lhe abriu as portas do FC United, uma equipa fundada em 2005 por adeptos dissidentes do Manchester United inconformados como a venda do clube ao magnata norte-americano Malcolm Glazer.

No verão de 2017, Elliot veio de férias para Portugal. Foi nessa altura que lhe falaram na equipa de juniores dos ribatejanos do Alcanenense, que tinha acabado de subir à 1.ª divisão. «Falei com alguns jogadores que eu conhecia e um agente perguntou a um dos meus amigos se eu gostaria de ir fazer uns treinos lá. Estava perto de casa e senti que jogar contra o Benfica e o Sporting era uma boa possibilidade.»

Decidiu voltar, mas em poucos meses mudou de planos e em dezembro voltou a fazer as malas e regressou ao FC United. «Cheguei à conclusão de que o meu futuro continuava a passar por Inglaterra. Muita gente diz que o mundo dos olheiros é em Inglaterra. Há olheiros na oitava divisão, se for preciso, e senti que em Portugal estava a dar um passo atrás.»

Ainda em 2018, Elliot fez os primeiros jogos como sénior no National North, o sétimo escalão de Inglaterra. A capacidade no um para um e a facilidade como que definia no último terço captaram a atenção de olheiros e em pouco tempo já havia clubes da League One e do Championship a perguntarem por ele.

Em ação no jogo com o Derby County (foto: site Barnsley)

O salto para o Barnsley, então na League One (terceira divisão), deu-se em janeiro de 2019. Agora no Championship e depois de algum tempo a evoluir nos sub-23 do atual clube, Elliot assume ter ficado surpreendido por ter queimado etapas tão rapidamente, mas diz que foi recompensado pelo esforço. «Acho que foi a minha persistência que me fez chegar onde estou agora. Sempre estive focado no objetivo de ser profissional e de dar nas vistas: treinei muito e tive de superar algumas coisas na vida», desabafa.

Também por isso celebrou o golo da semana passada ao Derby County com os dedos nos ouvidos, numa espécie de resposta a quem duvidou dele em tempos.

Mas quem? «Treinadores que achavam que eu era mais um. Foram raros os que acreditaram realmente em mim. Foi para mostrar que não oiço os críticos e que vou conseguir chegar onde quero», diz num tom de convicção, antes de apontar a novos horizontes.

«Desde que cheguei a Inglaterra, um dos meus grandes objetivos é chegar à Premier League, a melhor liga do mundo. O outro é jogar pela seleção. Qual? A nacionalidade inglesa está a ser tratada, mas falo da portuguesa, claro. Continuo a sentir-me português a 100 por cento!»

Artigo original: 06-02-2020; 23h50