Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.ptrgouveia@tvi.pt ou vemaia@tvi.pt 


Deixar o emprego, o conforto da pátria e partir, rumo a um país novo, atrás de um sonho? Não é para todos. Há três anos, Nuno Varandas decidiu mudar-se para Escócia com o objetivo de ser treinador.

Este português, de 41 anos, traçou uma meta: em cinco anos tinha de ter o nível UEFA A. Em três anos, Nuno Varandas, que fez carreira como jogador em clubes longe da ribalta, está perto de cumprir aquilo a que se propôs. O Maisfutebol encontra-o em Perth, cidade que fica a 40 minutos do local onde trabalha como treinador-adjunto na Universidade de Stirling.

Uma viagem pela cultura do futebol escocês e pela sua metodologia. Uma realidade bem diferente de Portugal – um país onde os clubes pagam aos árbitros e onde não há polícia nos jogos.

MF: Qual foi a primeira ligação do Nuno ao futebol?

Nuno Varandas: Comecei a jogar futebol aos 13 anos e deixei aos 35. Passei por vários clubes como Coimbrões, Arcozelo, Sintra Football, Gondim e Guilpilhares. Nunca tive grandes hipóteses de ser profissional, então comecei a interessar-me pelo treino. Entretanto, tive uma lesão nos ligamentos do joelho e decidi deixar de jogar.

E começou a carreira de treinador?

Sim, fui tirar o nível I. Como é necessário estagiar no nível I, comecei a treinar nas escolas do Coimbrões e entretanto, passei para as equipas de formação. Estive no clube oito anos até chegar à conclusão de que conseguir obter o UEFA B e o UEFA A em Portugal iria ser complicado. Era assistente administrativo, mas uma vez que tinha família na Escócia, optei por emigrar para ter esses níveis. 

Mas foi uma mudança grande, deixando o seu emprego e o seu país.

O facto de ter familiares cá facilitou. Além disso, a minha família também veio comigo. Isso tudo dá uma certa estabilidade. Foi um risco, é certo, mas ou arriscava ou passava a vida com o UEFA B e a trabalhar na formação. Decidi arriscar em 2020, em plena pandemia.

Trabalha numa equipa da Universidade de Stirling enquanto completa o nível A, certo?

Sim. Para estarmos inscritos na Federação escocesa de futebol temos de fazer duas formações iniciais. Uma pessoa do curso disse-me que iria haver uma vaga para a Universidade de Stirling para o cargo de treinador-adjunto. Sugeriu-me a tentar falar com o treinador principal. Assim foi, o treinador foi bastante acessível e disse-me para ir fazer a pré-epoca e que se gostasse de mim, ficaria. Estou há três anos lá a trabalhar com a equipa principal e com os sub-20. 

Como funciona a equipa universitária?

É uma equipa que joga nos moldes da Liga universitária, mas que também compete numa Liga da Escócia que corresponde à Liga 3 ou ao Campeonato de Portugal. Posso dizer que este ano já concluo o UEFA A, algo que, se calhar, em Portugal iria demorar dez ou mais anos. Além disso, tive a possibilidade de conhecer uma realidade no estrangeiro, embora pensasse que iria ser mais fácil.


 

Nuno Varandas num treino da equipa da Universidade de Stirling num dia tipicamente de inverno na Escócia.


Mais fácil? Como assim?

A Escócia ainda é um país fechado em termos de novas metodologias. Inglaterra, por exemplo, já é completamente diferente e tem muitos treinadores estrangeiros. Os ingleses beberam das ideias dos estrangeiros. Por sua vez, o futebol escocês ainda se foca muito no futebol direto, muito físico e com muita luta a meio-campo. No entanto, o jogador escocês é interessante em termos técnicos. Os cursos da Federação escocesa de Futebol são muito procurados. E acho que eles olham para essa procura como uma coisa boa e pensam que a sua metodologia é boa. Mas não é isso que está em causa, mas sim a possibilidade de obter um diploma que permite aos treinadores atingirem outro nível.

Ainda se vê muito o típico futebol escocês de bola longa, muitas segundas bolas.

Sim. Os métodos são muito rígidos e temos de "comprar" as ideias deles. Digo que é como tirar a carta: aprendemos a teoria e a prática conforme o instrutor ensina, mas depois fazemos como queremos. Aqui, para dar um exemplo, há um exame final após cada nível e é preciso seguir os parâmetros que eles querem. Conheço casos de pessoas que reprovaram porque não tens liberdade para fazeres o que queres.

Mas o futebol escocês não está aberto a influência de outros treinadores?

Escócia tem gente muito boa, mas é complicado em termos de futebol. Se virmos a Premier League escocesa... o Rangers e o Celtic são contextos diferentes no panorama do país. As restantes equipas só têm treinadores escoceses. Nas divisões ainda mais baixas, pior. Há equipas de League One, que deviam ser profissionais, treinam três vezes por semana ao fim do dia. Em Inglaterra, os clubes da League One são profissionais. Em termos de futebol, a Escócia está abaixo das condições que oferece. Acho que o clima acaba por influenciar o estilo de jogo que se pratica aqui. Os adeptos também gostam querem a bola perto da baliza, independentemente da baliza. São educados futebolisticamente assim. Há jogadores interessantes, mas...por exemplo, aquecimento com bola? O que é isso? Mas comigo tem de ser. Era tudo à base de exercícios de ativação geral. Não se usam meiinhos aqui, por exemplo. O meiinho não fazia sentido como ativação. Ouço, por vezes, aqui na rádio que a Escócia é uma equipa que corre atrás da bola. É natural, são habituados assim.

Como é que alguém que vê o futebol de forma diferente se adaptou?

Para ser sincero parte prática do curso foi um choque no início. Percebi que eu é que me tinha de adaptar ao contexto. Isso ajudou-me caso contrário podia entrar em choque. E quem sou eu para entrar em choque com quem já cá está há muito tempo? Obviamente que tento dar o meu cunho pessoal em determinadas situações, mas sem fugir muito das ideias que o treinador principal gosta.

Que balanço faz destes três anos na equipa de futebol da Universidade de Stirling?

A nível coletivo estes anos correram bem. Estamos inseridos no campeonato universitário e numa Liga escocesa. A partir de novembro até abril jogamos às quartas-feiras para o campeonato universitário e aos fins de semana para a outra Liga. Já os jogos dos sub-20 são às sexta-feiras. A equipa principal universitária foi campeã pelo segundo ano consecutivo e nos sub-20 conseguimos conquistar o título no passado. 

Trabalhar num contexto de futebol universitário é completamente de trabalhar num clube de futebol. 

Sim. Há determinadas regras que temos de cumprir. Sabemos que só temos os jogadores até aos 24 anos. A partir do quarto ano são obrigados a deixar a equipa. É, no fundo, um contexto formativo para adultos. Após concluir o UEFA A, não quero continuar neste contexto universitário. Quero algo mais para mim seja onde for. Para ser sincero, gostava de voltar a Portugal, mas vou para onde o futebol me levar.

Além do estilo de jogo e das particularidades da equipa onde trabalha, encontrou mais diferenças entre o futebol escocês e português?

A maioria das pessoas são bastante educadas. Por exemplo, aqui não há polícia nos jogos de futebol ao contrário de Portugal. Questionei as pessoas acerca de isso e disseram-me: 'Não, não há porque somos educados e não há insultos pesados aos árbitros. E é verdade. Há ainda outro aspeto que me surpreendeu no patamar em que estou inserido: a equipa da casa tem de pagar aos árbitros as despesas de deslocação. Antes dos jogos, um elemento da equipa vai ao balneário dos árbitros e entrega-lhes o dinheiro. Uma coisas dessas era impensável em Portugal. Se o adversário visse, acusava a equipa de suborno (risos).

Como é um dia normal da vida do Nuno aí?

Trabalho a part-time, mas mais parece full-time. Trabalho de segunda a sábado. Quando disputamos os dois campeonatos, temos treinos às segundas, terças e quintas-feiras, jogos às quarta-feira e aos sábados. Além disso, ainda trabalho com a equipa de sub-20 que joga à sexta-feira e compete com equipas universitárias do norte de Inglaterra. Os treinos duram cerca de duas horas e são à hora de almoço. Isso permite-me levar os meus filhos ao infantário e seguir para a Universidade, ainda demoro cerca de 40 minutos de casa até lá. Por norma, preparo o treino na véspera, mas há sempre uma reunião com o treinador principal para decidir efetivamente o que vamos trabalhar. A preocupação não é o jogo, mas sim desenvolver os jogadores. Os treinos da equipa principal e da equipa de sub-20 são seguidos. Concluídos os treinos, volto a casa e preparo o treino seguinte, além de rever os jogos.  

Do que sente mais falta?

No inverno, às 16h00, é de noite. Custou-me no início, admito. É um choque muito grande. Então se às 16h00, num dia de inverno, estiver a chover ou a nevar, ainda pior. Sinto falta de dias com mais luz. Depois, o escocês não tem o hábito de socializar em cafés. Eles têm os pubs, mas não posso ir a um pub com a minha mulher e estar tranquilo a conversar. Alguns pubs são um bocado pesados (risos). Outra coisa que fazia em Portugal e aqui não posso fazer é ir às compras ao fim do dia. A maior parte do comércio fecha às 17h/18h. Em sentido contrário, o dia começa mais cedo e às 7h já há muito movimento. Mas para quem vivia em Vila Nova de Gaia e estava a dez minutos da praia... o contraste é muito grande. Vim para a Escócia com um objetivo e levo uma vida pacata, mais por casa embora já tenha ido conhecer alguns dos pontos mais turísticos do país.