Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências

Antes de começar a ler este texto carregue no link de youtube logo após o primeiro parágrafo para ter uma real noção sobre quem vamos falar. «La, La, La, La, La, La, La, Orlando Sáaaa». Isso mesmo, Orlando Sá, um avançado que deixou Portugal há cinco anos e tem estado a espalhar magia pela Europa. Deixou saudades no Fulham, ganhou a alcunha de «Magic Orlando» no AEL LImassol e depois conquistou Varsóvia onde chegou a ter um cântico em sua honra e, na hora da despedida, manifestações de adeptos quando o Legia não fez tudo para o segurar. Sem tempo para olhar para trás, Orlando ainda voltou a Inglaterra por seis meses, deixou os adeptos do Reading a falar num hat-trick antes de satisfazer um pedido especial de Jordi Cruyff na longínqua Tel Aviv. Agora já está a deixar a sua marca em Liège, com um mês de outubro a ferver no Standard. Agora sim, bem-vindo à alucinante carreira de Orlando Sá.

Atendeu-nos o telefone precisamente logo depois de chegar de Atenas onde o Standard tinha arrancado uma vitória histórica sobre o Panathinaikos (3-0), em jogo da fase de grupos da Liga Europa. Desta vez, Orlando ficou em branco, mas fez uma assistência para o segundo golo dos belgas. Dissemos desta vez, porque Orlando já tinha marcado no primeiro jogo oficial que fez pelo Standard, em setembro, na vitória sobre o Genk (2-0), e depois disso já marcou por mais cinco vezes. A 15 de outubro assinou o primeiro «bis» e anunciou que «o melhor ainda estava para vir». Depois fez mais três golos e foi eleito para a equipa da semana.

Um início de temporada em grande. «Sem dúvida! Quando cheguei ao Standard encontrei uma equipa com jogadores de muita qualidade. Sabia desde início que não seria fácil conquistar o meu lugar na equipa, mas estou a superar as minhas expectativas. Aliás, marcar na estreia foi um bom pronuncio», atirou. Marcar na estreia tem sido, aliás, o cartão de visita de Orlando Sá. Antes de Liège, também tinha marcado na estreia pelo Maccabi Tel Aviv pelo AEL Limassol. «É sempre bom para a confiança de qualquer jogador e principalmente para um avançado. Felizmente, tenho tido essa sorte de marcar no primeiro jogo», interrompeu. Mas voltemos a Liège, o melhor ainda continua por vir? «Claro que sim! Apesar da minha estatística, não me posso dar por satisfeito. Ainda falta muito campeonato e a equipa tem que encontrar uma regularidade a nível exibicional. Quando isso acontecer eu sairei beneficiado», destacou.

Um dos golos de Orlando Sá tornou-se viral nas redes sociais. Não propriamente pelo golo em si, mas pela forma como Orlando o comemorou. Correu para as bancadas e tirou uma selfie com um grupo de adeptos. Francesco Totti já tinha feito o mesmo na Roma, mas a comemoração de Orlando Sá foi premeditada. Só faltava o golo para cumprir o plano. «Foi tudo planeado na manhã do jogo com alguns amigos meus que vivem em Lille. Prometi-lhes que se marcasse e se o resultado o permitisse, comemoraria com eles tirando uma selfie. E assim foi», contou.

O golo e a selfie

Depois de ter completado a formação no Sp. Braga, Orlando Sá jogou no FC Porto e ainda fez uma temporada no Nacional por empréstimo da equipa do Dragão. Depois disso, nos últimos seis anos, tem andado feito globetrotter, de país em país, de campeonato em campeonato, a mudar de camisola ao ritmo dos golos que vai marcando. Passou pelo Fulham, AEL Limassol, Legia Varsóvia, Reading, Maccabi Tel Aviv, sempre sem chegar a completar duas temporadas consecutivas. Chegou agora, em setembro, a Liège, é para ficar? «No futebol nada é certo. Quando assinei três anos pelo Reading pensei que seria para ficar. Eu e a minha família adoramos Londres, já desde o tempo que estive no Fulham, em 2011, tanto que desta vez optei por comprar casa lá... e passados uns seis meses acabei por sair. Por isso, não faço planos!», atirou.

A verdade é que Orlando Sá vai deixando a sua marca por onde passa. No Reading, por exemplo, foram apenas seis meses, mas os adeptos ainda hoje falam no «hat trick do Orlando» ao Ipswich. «É sempre bom quando se recordam de nós por bons motivos. No Reading, a equipa andou até dezembro nos primeiros lugares do campeonato, eu jogava sempre e tinha seis golos marcados até à saída do mister Steve Clark. A chegada do novo treinador não me beneficiou, por várias razões, alguma delas não desportivas. É o futebol», contou.

O inesquecível «hat-trick» ao Ipswich

Mas a curta experiência no Reading nem será o melhor exemplo desta relação, quase amorosa, que Orlando Sá mantém com os adeptos dos clubes que já representou. Basta abrir as contas do avançado nas redes sociais para nos depararmos com dezenas de pedidos, em inglês, israelita ou grego, para voltar a vestir a camisola. «Essa relação especial é fruto daquilo que vou fazendo dentro do campo. Tento sempre ser um jogador influente por onde passo. Quando assim não é, faço as minhas malas pois não sou jogador de me acomodar em nenhum clube. Gosto de jogar e sentir-me útil», destaca.

Foi depois do Reading que Orlando Sá recebeu um telefonema que lhe voltou a mudar o rumo da carreira. «Jordi Cruyff era director desportivo do Maccabi Tel Aviv. Foi ele que me ligou e convenceu a aceitar esse desafio em Israel, pois conhecia-me do curto tempo que passei no Chipre. Ele na altura era director desportivo do AEK Larnaca», contou. Mais uma vez, Orlando entrou em grande. Marcou logo na primeira jornada e, só no mês de agosto, marcou ao Gorica (play-off para a Liga Europa), ao Hajduk Split (na transformação de uma grande penalidade que valeu o apuramento para a fase de grupos) e ao Maccabi Petach Tikva (em jogo da Toto Cup).

Johan Cruyff viu dois golos de Orlando Sá antes de deixar este mundo

Foi nessa altura que conheceu o pai de Jordi Cruyff, o lendário Johan Cruyff. «Posso confidenciar que o último jogo em que o Johan Cruyff esteve presente antes do triste dia do seu falecimento, foi no jogo Maccabi Tel Aviv- Hapoel kfar Saba onde ganhámos por 5-0. Eu marquei dois golos e fiz uma assistência. Nessa noite encontrei-me com ele num restaurante em Tel Aviv, deu-me os parabéns e tirei a última foto com ele», recorda.

Tornou-se rapidamente num ídolo no clube de Tel Aviv e ainda começou a presente temporada em Israel, antes de novo salto abrupto na carreira, desta vez para rumar a Liège onde, como já dissemos, estreou-se com mais um golo.

Se os adeptos não o esquecem, o avançado também vai recolhendo experiências e memórias dos clubes por onde vai passando. Foi nesse sentido que lançámos um desafio a Orlando Sá. Pedimos-lhe que dissesse a primeira coisa que lhe viesse à cabeça sobre cada um dos clubes que representou, a começar pelo Maria da Fonte, onde cumpriu a sua primeira temporada como sénior, aos 19 anos, por empréstimos do Sp. Braga.

MARIA DA FONTE (2007/08), 19 anos: «Era a Barca de Braga – recordo cinco colegas que todos os dias partilhavam o mesmo carro. Juntos, vivemos os melhores momentos desse meu primeiro ano como profissional. Eram o André Silva (agora no Fafe), Sérgio Pereira (Maria da Fonte), Chicabala (terminou carreira) e João Miguel (Vilaverdense FC)».

SP. BRAGA (2008/09), 20 anos: «Jorge Jesus! O treinador que confiou e acreditou nas minhas qualidades. Foi ele que me deu a oportunidade de me estrear pelo meu clube do coração... o clube onde me formei como homem e jogador».

FC PORTO (2009/10), 21 anos: «A mística azul e branca. A maneira de estar e pensar daquele clube é diferente de todos os outros por onde passei».

NACIONAL (2010/11), 22 anos: «Estreia como titular frente ao Benfica. Tive a felicidade de fazer um golo caricato ao Roberto, ao famoso Roberto desse ano...tendo dado a vitória».

FULHAM (2011/12), 23 anos: «Golo ao Norwich em dia de passagem de ano. Pela primeira vez estava a viver o sonho de jogar no Boxing Day. Marquei um golo e tive direito ao famoso champanhe no final do jogo».

AEL LIMASSOL (2012/13), 24 anos: «Dois treinadores: Jorge Costa (atual selecionador do Gabão) e Ivaylo Petev (atual treinador Dínamo Zagreb). Foram como pais para mim. Depois dessa “queda” até ao Chipre, motivaram-me e fizeram-me acreditar que era possível sair de lá e voltar ao topo. Amizades para a vida».

LEGIA VARSÓVIA (2013/15), 25/26 anos: «Jogador do ano do clube e dobradinha! Foram tempos memoráveis, ganhamos tudo, fui o melhor marcador e jogador do ano. Um agradecimento especial às duas pessoas que arriscaram levar-me para o Legia, Marcin e Michael Zewlakow».

READING (2015/16), 27 anos: «Regresso a Londres e o regresso a Craven Cottage para defrontar o Fulham! Fulham vs Reading, ao intervalo ganhávamos 2-0. Eu marquei na casa que me abriu as portas de Inglaterra. Os segundos 45 minutos foram os piores da época pois acabámos por perder 4-2 e o mister Steve Clark foi injustamente despedido. Muito fica por contar...».

MACCABI TEL AVIV (2015/16), 27 anos: «O telefonema de Jordi Cruyff. Ligou-me e basicamente convenceu-me a ir para Israel seis meses ajudar o Maccabi a ganhar títulos. Garantiu-me que no final da época não me cortaria as pernas. Infelizmente e injustamente perdemos o campeonato por um ponto e a final da Taça... Frustrante!».

STANDARD LIEGE (2016/17), 28 anos: «Jogo com Waasland-Beveren! Marquei quatro golos em 45 minutos, dois deles mal anulados. Fui substituído ao intervalo para descansar após o jogo estar praticamente resolvido, 3-0 a nosso favor. Jogador e golo da semana na Bélgica. Foi daqueles dias em que valeu a pena sair de casa».

Oito anos alucinantes que tiveram como base estruturante a formação no Sp. Braga e o primeiro ano na Liga, sob o comando de...Jorge Jesus. «Aprendi muito com ele e com o Raul José. Taticamente é um treinador muito evoluído e trabalha os jogadores até à exaustão. A comunicação com jogadores e a forma de se expressar é que nem sempre é a mais adequada mas quem o conhece vai-se adaptando... Que remédio», recordou.

Curiosamente, na primeira experiência no estrangeiro, em Londres, com a camisola do Fulham, Orlando travou amizade com Bryan Ruiz, agora também ao serviço de Jorge Jesus, no Sporting. «Eu e o Bryan chegamos no mesmo dia ao clube, estávamos sempre juntos. Para além de toda a qualidade que lhe é reconhecida, é um excelente rapaz, daqueles que qualquer treinador gostaria de ter no seu balneário. Na altura, várias pessoas perguntaram-me sobre ele, estava na II Divisão e não era um jogador importante na equipa, mas no entanto eu tinha a certeza que ele poderia vir a ser uma mais-valia no Sporting. Eu sei que o Jesus já o namorava desde do tempo que ele jogava no Twente», contou.

Treinou com Jorge Jesus, jogou com Bryan Ruiz e, como já vimos, foi figura no Legia. Numa altura em que os leões ainda vão jogar a Varsóvia, Orlando Sá faz, desde já, o seu prognóstico para o jogo que está marcado para 7 de dezembro. «O Sporting é claramente favorito por várias razões, mas, na minha opinião, o Legia, a jogar em casa, poderá ter uma palavra a dizer. Se jogar como fez na segunda metade contra o Real Madrid e o Sporting tiver um dia menos bom, como tem tido alguns nos últimos tempos, poderá haver uma surpresa», atirou.

Além da equipa do Legia, o Sporting vai ter de enfrentar o terrível ambiente do Estádio Wojsa Polskiego, bem diferente do que se viu no último jogo com o Real Madrid, em que o clube polaco jogou à porta fechada, precisamente pelo comportamento dos seus adeptos. «Muito estranho. Eu já passei por essa experiência quando lá joguei. Foi um jogo contra o Trabzonspor para a Liga Europa em que marquei os dois golos e corria para festejar sem ver ninguém nas bancadas... foi no mínimo estranho. Mas devido ao bom comportamento dos adeptos, os meus ex-colegas já estão habituados».

Sim, não foi a primeira vez que o Legia fui punido com jogos à porta fechada. O ambiente chega a ser intimidante. «Será extremamente hostil para o Sporting do primeiro ao último minuto. Os adeptos polacos são muito fervorosos e esse será o jogo da época para os meus ex-companheiros, pois podem carimbar o acesso à Liga Europa». Hostil para os adversários, mas extremamente moralizante para os jogadores do Legia. Orlando Sá chegou a ter, como já vimos, uma música em sua honra. «Fui muito acarinhado por todos naquele clube, é impossível esquecer quando tens um estádio a cantar uma música para ti», recordou.

«Fernando Santos sabe o que é melhor para a seleção»

Voltando às redes sociais. Orlando Sá é um fervoroso adepto da Seleção Nacional e vibrou com a conquista do Campeonato da Europa no verão passado. Depois de ter jogado em todos os escalões da formação, Orlando Sá chegou a ser chamado à seleção principal, em 2009, para um jogo particular com a Finlândia. Mais recentemente, antes do Euro2016, foi várias vezes pré-convocado por Fernando Santos, mas acabou por ser preterido a favor de Éder, com os resultados que conhecemos. Apesar de tudo, o sonho continua vivo. «Sim, esse continua a ser um grande objetivo. O mister Fernando Santos está fazer um excelente trabalho e sabe o que é o melhor para a seleção. Eu vou seguindo o meu caminho e se um dia ele achar que eu posso ser útil, estarei disponível», contou.

Nesta altura, Orlando Sá está totalmente empenhado em ajudar o Standard a recuperar lugares na liga belga e já a pensar na próxima deslocação a Vigo, onde o Standard vai discutir com o Celta a qualificação para a próxima fase da Liga Europa. O Ajax comanda o grupo de forma confortável, com 10 pontos, enquanto a equipa belga está no segundo lugar com os mesmos cinco pontos do que os galegos. «Esse será um dos jogos mais importantes da época. O empate pode servir, mas deixa as decisões para a última jornada. Se ganharmos garantimos a qualificação num grupo dificílimo», contou ainda.

A fechar a nossa conversa, pedimos ainda a Orlando Sá que nos explicasse algumas curiosidades com que nos fomos deparando ao longo na nossa pesquisa. Além de Bryan Ruiz, Orlando Sá também mantém uma sólida amizade com Radamel Falcao, que se refere ao amigo português como «El Toro». «Nesse ano, no Porto, havia um espírito de grupo incrível e quase todos tinham alcunhas. Havia o Farias "El Tecla", o Falcão "El Tigre" e então os sul-americanos apelidaram-me de "El Toro" por eu ser, a nível físico, o mais forte do plantel».

Nos primeiros tempos no Sp. Braga, o jovem Orlando Sá também era o «velhinho» para os companheiros. Mais alcunhas? «Tenho, mas não as vou desvendar... Peço desculpa. O Velhinho já vem dos tempos da formação do Braga... Vocês fizeram bem o trabalho de casa», contou ainda.