Encontrámos o Rui Sousa numa azáfama, no domingo, a reunir os últimos dados para a palestra que ia fazer aos jogadores do América Mineiro em dia de jogo grande com o Cruzeiro, numa altura em que os dois rivais estavam empatados no topo da classificação do Estadual de Minas Gerais. Enquanto preparava o pré-match, com os vídeos que ia exibir aos jogadores, com as últimas indicações sobre o adversário, Rui Sousa disponibilizou-se para fazer uma viagem no tempo para, de forma cronológica, percebemos como é que um português nascido em Massarelos é, nesta altura, o responsável pelo Centro de Análise de Desempenho e Mercado do América, em Belo Horizonte.

Rui Sousa, de 42 anos, é, antes de mais, um estudioso insaciável sobre tudo o que diz respeito à análise, observação e recolha de dados no futebol que, de forma reduzida, podemos chamar scouting, mas é muito mais do que isso. Depois de uma carreira modesta no futebol, já licenciado em Engenharia eletrónica, com especialização em telecomunicações, e com mestrado em Pedagogia, o nosso interlocutor tirou também o curso de treinador e criou o primeiro gabinete de scouting da história do Infesta. Tirou todos os cursos que havia em Portugal relacionados com a análise do jogo, foi ao estrangeiro atualizar-se, trocou informações a nível mundial e descobriu que o Brasil é um dos países que mais investe no capítulo da recolha de dados e análise no futebol. Foi lá para saber mais e ficou por lá. Está há três anos no Brasil e já é uma das referências do país ao nível dos analistas desportivos.

De Massarelos ao FC Infesta

Mas vamos primeiro recuar trinta anos para voltar às raízes de Rui Sousa, no Porto, na antiga freguesia de Massarelos, ali perto dos jardins do Palácio de Cristal, onde o pequeno Rui teve o primeiro contato com a bola propriamente dita. Começou cedo, aos onze anos, e em grande, no FC Porto, embora de forma…supérflua. «Os primeiros pontapés na bola foram no FC Porto, mas não joguei propriamente no FC Porto, a palavra certa é passei por lá, uma vez que praticamente não joguei. Acabei por sair ao fim de poucos meses por isso mesmo, não jogava», começa por nos contar. A verdadeira oportunidade estava ali ao lado, em Matosinhos, no Futebol Clube de Infesta, clube que acabará por marcar de forma indelével o percurso de Rui Sousa. «Aí sim, comecei o meu futebol federado. Passei praticamente todas as categorias de base, desde os infantis até aos juniores».

FC Infesta: Rui Sousa é o terceiro da fila de baixo da direita para a esquerda

No Infesta, o pequeno Rui «jogava a extremo, a médio-ala, nas faixas laterais, quer de um lado, quer do outro». Aproveitámos a deixa para lançar um desafio a Rui Sousa. Em retrospetiva como é que o Rui Sousa analista avalia o Rui Sousa jogador. «Sou uma pessoa de baixa estatura, tenho 1,70m, portanto sempre fui pequenino. Mas a caraterística do Rui, naquele tempo, era a velocidade. Sempre fui um rapaz com mobilidade física e uma certa habilidade, mas na formação sempre tive dificuldade quando encontrava um adversário mais físico, porque os duelos na altura eram muito evidentes nessas faixas etárias. Passei por muitas posições no Infesta, até a guarda-redes joguei. Passei por lateral direito, por quase todas as posições em determinadas fases da formação. Talvez só não tenha jogado como central porque não tinha altura para isso. Fundamentalmente, era um jogador de velocidade, de beirada, como dizem aqui no Brasil».

Na passagem para sénior, Rui Sousa encontrou pouco espaço no Infesta e prosseguiu a carreira no Águas Santas. «O professor Mata, que foi um treinador emblemático no Infesta, esteve mais de vinte anos à frente da equipa, ainda me selecionou uma ou outra vez para o campeonato de reservas, que se jogava a meio da semana para os jogadores menos utilizados, mas essa foi a única experiência que tive nos seniores do Infesta». Seguiu-se o Águas Santas. «Passei quinze anos no Águas Santas, um clube que também é da região do Porto, ali da Maia. Só estive um ano fora, em que joguei no rival, no Atlético de Rio Tinto. De uma forma muito geral, esta foi a minha carreira como jogador». Uma carreira que até foi longa, mas que nunca passou de um plano amador. Nesta altura, os sonhos de criança de Rui Sousa de vingar como jogador já se tinham esfumado há muito. «Depois de sair da formação isso nunca mais me passou pela cabeça. Enquanto somos novos ainda temos esses sonhos. Depois entrei na faculdade e os estudos passaram para primeiro lugar. O futebol era mais um hobby para os tempos livres do que propriamente um projeto de vida».

Aos 33 anos, ponto final na carreira de jogador. «Tive uma lesão num joelho e ainda joguei mais um ano, mas aquela vida de treinos à noite, jogos ao domingo à tarde e depois ir trabalhar na segunda-feira a seguir acabou por ficar muito cansativo. Já tinha dores no dia a seguir quando ia dar aulas. Decidi parar». Não dava mais, mas o bichinho do futebol tinha lá ficado. «Acabei a carreira, terminei o curso de treinador e o Águas Santas convidou-me para ficar como adjunto e a ajudar nas categorias de base. Treinava os infantis e, duas horas depois, trabalhava com os seniores». Passou ainda pelo Gulpilhares e acabou por regressar ao Infesta, onde começa a direcionar a sua carreira para o scouting, a sua verdadeira paixão. «Acabei mesmo por deixar a função de treinador adjunto para passar mesmo a auxiliar na observação e análise. Mais do que um simples olheiro, Rui Sousa absorvia tudo o que estava relacionado com a análise do jogo.

Nesta altura, Rui Sousa, já tinha acabado a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica, preparava o mestrado em Pedagogia e começava a aprofundar, cada vez mais, os conhecimentos de scouting, acompanhando as mais recentes novidades de um departamento que crescia a olhos vistos no futebol moderno. «Na altura, há cerca de dez anos, era uma coisa muito pouco falada, havia poucos cursos nessa área. Fui procurando informação, fui fazendo algumas coisas em Portugal, na Quest [empresa especializada na formação de excelência para recursos humanos que trabalham ou pretendem trabalhar no desporto], mas também fui para fora. Estive na Universidade de Liverpool a fazer um curso mais técnico na especialização num determinado software [Prozone]». Pelo meio, Rui Sousa acabou o curso de treinador [licença C] e uma pós-graduação em Análise do Jogo. Uma formação abrangente que juntou engenharia, pedagogia, além de todos os cursos mais específicos relacionados com o futebol e a observação. «Encaixa tudo. O Rui Sousa como profissional era um professor na área da matemática e das tecnologias de informação e comunicação. Fiz um mestrado na área pedagógica para poder continuar a dar aulas. Todas estas áreas ajudaram-me porque deram-me competências. Ao nível da tecnologia para utilizar software. A parte pedagógica para construir um processo de aprendizagem no dia-a-dia. O próprio treino acaba por ser uma consequência de exercícios, de tarefas que passamos a outras pessoas e essa forma tem de ser construtiva. É nesse capítulo que a pedagogia também foi importante».

Brasil à vista

Conhecimentos acumulados que Rui Sousa foi aplicando no Infesta, com a criação do primeiro gabinete de scouting do modesto clube do Porto. «Tinha uma relação próxima com o treinador José Ribeiro e ajudava na análise dos adversários». O Infesta acabou «por sorte ou consequência» ter duas subidas consecutivas, dos distritais para a II Divisão B. No Infesta, Rui Sousa ainda não tinha acesso às novas tecnologias que na atualidade estão ao dispor das equipas técnicas. «Era um trabalho mais manual, de campo, de busca de informação, de pegar no carro num domingo e ir ver um jogo». Rui Sousa foi desenvolvendo competências na área, procurando sempre estar atualizado quanto às novidades no sector. É nesta constante pesquisa que surge o Brasil no horizonte. «Na altura, em Portugal, a observação era uma área muito pouco desenvolvida. Fui fazendo alguns contatos de networking e comecei a perceber que no Brasil as coisas faziam-se de uma forma diferente. Tinha a ver com a tecnologia e com os meios que eles tinham para chegar a essas análises. Fiquei curioso com um software que utilizamos hoje em dia, que é o Sportscode.

A curiosidade leva Rui Sousa a viajar até ao Brasil. Numa primeira fase, Rui Sousa entra em contato com o departamento de scouting/análise do Flamengo, no Rio de Janeiro, mas rapidamente percebe que há uma grande abertura entre os departamentos de scouting dos diversos clubes brasileiros. «Em 2014 tive a possibilidade de fazer um intercâmbio de informações no Flamengo durante um mês e é, nessa altura, que conheci Rafael Vieira. Se em Portugal o Infesta abriu-me as portas para este mundo da análise, o Rafael Vieira, que agora é analista do Cruzeiro, o meu adversário deste domingo, acabou por me abrir as portas no Brasil».

Encontro casual com Sérgio Vieira em Curitiba

«Eles investem mais do que os portugueses. Tudo no Brasil é maior. Desde o número de pessoas até ao fenómeno cultural que é o futebol. Aqui há quatro divisões profissionais com oitenta clubes. Em Portugal restringimo-nos a duas ligas, mas um clube da quarta divisão aqui tem um orçamento superior, tirando os cinco mais fortes de Portugal, a todos os outros». Era um mundo novo para o ávido Rui Sousa explorar. No Flamengo, Rui Sousa é convidado para dar palestras aos treinadores da formação e alarga os seus conhecimentos pessoais ao Vasco da Gama, Botafogo e, aos poucos, o nome do técnico português que «tinha umas ideias diferentes na análise do jogo» começa a ser falado no mercado brasileiro. «Consegui entrar num mercado que não é fácil de entrar. Sempre que havia uma disponibilidade para um clube, o meu nome já surgia de uma forma até surpreendente para mim. Numa primeira fase, Rui Sousa começa a colaborar com o Sport na elaboração de relatórios sobre os adversários do clube do Recife no Brasileirão. Já em 2015, Rui Sousa integra em pleno a equipa técnica do Atlético Paranaense com contrato assinado. «No Flamengo tinha dados umas palestras a treinadores da formação e um deles é hoje um dos treinadores de destaque no Brasileirão que é o professor José Ricardo. Na altura era treinador dos sub-15 do Flamengo, foi subindo, chegou à equipa profissional do Flamengo e hoje é o treinador do Vasco da Gama.

Rui Sousa trazia da Europa competências de nível tático ao nível coletivo que faziam falta ao futebol brasileiro, até então mais assente nas individualidades. «Cheguei ao Brasil numa altura em que havia muita falta de informação, muita gente a procurar informação, especialmente os mais novos, com muitas dúvidas sobre o que é o jogo. O jogo jogado aqui é diferente, não digo que seja pior, mas é diferente, muito mais assente na individualidade do atleta do que coletivamente numa análise mais tática do jogo. Já estou há três anos no Brasil e este último fator tem crescido bastante», conta.

Rui Sousa chega, então, ao Atlético Paranaense onde encontra uma realidade bem diferente, até para o contexto brasileiro. «O Atlético é um clube à parte aqui no Brasil. Não faz parte daquela elite dos doze grandes que se fala aqui, mas talvez venha numa segunda faixa. É um clube muito bem organizado, com um centro de treinos fantástico ao nível dos melhores que há em Portugal. Tem oito campos de relvado, dois hotéis e um restaurante moderníssimo. Trabalham lá quase quinhentas pessoas. Acaba por ser um mundo à parte. Fui um privilegiado».

Centro de treinamentos do Caju (At. Paranaense)

Um clube diferente a começar pelo treinador que tinha sido contratado para surpresa de muitos, Sérgio Vieira, atualmente treinador do Moreirense, que também tinha acabado de chegar a Curitiba. «Acabei por ir para lá num processo de seleção. O Sérgio chegou um pouco mais cedo. Chegou em fevereiro de 2015 e eu cheguei em abril. Foi por coincidência que conheci o Sérgio, não o conhecia em Portugal». Os dois portugueses começam a trabalhar no clube com um projeto de sub-23 do Atlético. Depois com mesma equipa [no Brasil e possível deslocar as equipas de formação para clubes de menor dimensão], sempre sob a alçada do clube de Curitiba, orientam o Guaratinguetá, na Série C, e a Ferroviária, no Campeonato Paulista de 2016. Os bons resultados da dupla portuguesa nestes dois campeonatos atraem a atenção do América Mineiro. Num abrir e fechar de olhos estavam os dois a caminho de Belo Horizonte.

A aventura no América Mineiro começa mal e Sérgio Vieira é despedido ao fim de 41 dias, dez jogos e seis derrotas. «O Sérgio ficou muito pouco tempo em Belo Horizonte, mas eu acabei por ficar por aqui até hoje. Foi um início de época muito complicado, fruto da má estruturação relativamente a contratações, mas o América acabou por ser campeão Mineiro, o que já não acontecia há quinze anos, mas no final da época foi despromovido no Brasileirão. Acabou por viver situações opostas em poucos meses», conta.

Rui Sousa com Sérgio Vieira

Rui Sousa fica e o América vence a Série B, garantindo um inesperado regresso à Série A. «A Série B não é comparável à II Liga portuguesa, tem uma importância muito maior. Temos estádios cheios com jogos da Série B, o que não acontece em Portugal. Todos os jogos são televisionados na Sport TV brasileira, na Premiere. Normalmente um clube quando cai, dificilmente sobe no ano a seguir. O Figueirense e o Santa Cruz caíram com o América em 2016. O Santa Cruz caiu novamente para a Série C e o Figueirense lutou para não cair. É muito difícil cair num ano e voltar a subir no ano a seguir, isso aqui foi muito valorizado aqui. Além disso disputámos um campeonato com um clube grande, que é o Internacional [de Porto Alegre], e fomos campeões. Isso valorizou muito a campanha do América», destaca.

De regresso à Série A [começa em maio], o América terá como objetivo a permanência. «Vai ser completamente diferente. Na Série A a competição é muito grande. O Brasil talvez seja o país que tem mais campeões diferentes do Mundo. Em Portugal temos FC Porto, Benfica, Sporting, Belenenses e Boavista, em Espanha também há quatro ou cinco, em Inglaterra um pouco mais, mas aqui no Brasil temos oito ou nove campeões brasileiros. Quando começa uma Série A é difícil dizer quem vai ser campeão. Às vezes um clube que é candidato acaba por descer de divisão, como já aconteceu como Botafogo, Vasco e Internacional. Dos chamados dozes grandes, só quatro ou cinco é que nunca desceram», reforça.

Rui Sousa com a taça de campeão da Série B

Rui Sousa não tem mãos a medir para observar jogos e fazer análises num país que tem o tamanho de um continente. «No ano passado só em deslocações fizemos quase 60 mil quilómetros em dezanove jogos fora, só na Série B. Fizemos um total de 56 jogos, que é um número que só as equipas que chegam longe na Liga Europa ou na Liga dos Campeões fazem. Isso num período de sete meses. Esse é o maior problema do Brasil. Não há possibilidades de ir observar os adversários quando jogam fora. Recorremos a plataformas [Wyscout e Instat] e a processos de análise. Essas plataformas facultam informações sobre jogadores, incluindo imagens vídeo, de toda a parte do mundo. A estrutura que Rui Sousa coordena, conta com mais dois elementos que observam os adversários. Rui Sousa encarrega-se mais da análise da própria equipa do América. Enquanto falávamos, Rui Sousa, no hotel onde o América estava concentrado, dava os últimos retoques na preleção que ia fazer dentro de instantes aos jogadores a poucas horas do jogo com o Cruzeiro. «O Mineirão está cheio com sessenta mil pessoas, em Portugal isso só é possível no Estádio da Luz, num jogo que é para o campeonato estadual, não é nenhuma final. Essa é a grande diferença do futebol sul-americano para o europeu. É a paixão que move as pessoas para irem a um estádio. Talvez por estarem os dois no primeiro lugar do Estadual seja ainda mais atrativo».

E o que faz Rui Sousa num dia de jogo? «Não é por ser um jogo especial que atuamos de forma diferente. Durante a semana tivemos várias reuniões com a equipa técnica, para passar informação técnica sobre o adversário, com estudos individuais dos jogadores e do coletivo. Depois em três momentos vamos passando informação aos jogadores durante a semana. As informações sobre os adversários são dadas em palestras com vídeos, são dadas por nós. Sou eu que faço essa palestra. Passámos informações sobre bolas paradas, outra sobre os pontos fortes e a forma de jogar do Cruzeiro. Basicamente passamos informação antes do treino em que vai ser projetado alguma coisa. Hoje em dia do jogo passamos uma última parte da informação. No dia do jogo recebemos mais informação sobre o adversário, quem poderá jogar ou não, e o que poderão fazer. Há informação para os defesas, para os médios e para a linha avançada», conta.

«Se eu disser relvado aqui no Brasil, ninguém sabe o que é»

Rui Sousa assiste depois ao jogo num plano superior da bancada, até para fazer um registo vídeo que pode vir a ser útil ao intervalo do jogo. «Quando o jogo é fora, viajo sozinho, mas quando jogamos em casa, em Belo Horizonte, ficamos os três na bancada. Um deles filma o jogo e faz o protocolo, algumas das imagens são editadas no Sportscode e podem ser mostradas aos jogadores ao intervalo. Normalmente, ao intervalo, temos uma mini-reunião de sete minutos com o banco. Aqui no Brasil não é permitida a comunicação durante o jogo para o banco de suplentes. Em Portugal também não é permitido, mas fazem-no. Só no intervalo é que podemos passar informações», destaca.

Rui Sousa passa a informação base à equipa técnica, mas em casos específicos fala diretamente com os jogadores. Neste caso, apesar da língua portuguesa ser comum, o brasileiro tem algumas rasteiras. «Tive que me adaptar. Há expressões bem próprias do Brasil. Se eu falar em relvado, ninguém sabe o que é, aqui é gramado. Canto é escanteio, o defesa central é o zagueiro, a linguagem futebolística acaba por ser diferente. Mesmo no dia-a-dia há algumas expressões que nos condicionam. Ficamos a pensar o que é que eles querem dizer. Mas isso é temporário, rapidamente adaptas-te e percebes tudo. O povo português, em geral, adapta-se muito facilmente a qualquer cultura», revela.

Rui Sousa preparado para a recolha de dados no Cruzeiro-América

Ao fim de três anos, Rui Sousa está completamente adaptado ao Brasil. «Em todo o lado há coisas boas e coisas menos boas. Temos uma sociedade que vive numa crise profunda, com vários escândalos de corrupção. Nota-se perfeitamente que é um país que não é estruturado. Alguns estados vivem praticamente no Terceiro Mundo e outros no Primeiro. O Estado de São Paulo, por exemplo, é muito desenvolvido, nota-se pelas próprias estradas, mas vamos ao Nordeste e encontramos exatamente o oposto. Esse desfasamento, as diferenças entre a classe rica e a classe pobre, os escândalos que vamos ouvindo acaba por condicionar muito. Mas é um país que fala a mesma língua, que gosta de futebol e isso ajuda bastante a adaptação de qualquer português, principalmente nas funções que desempenho».

Rui Sousa é um apaixonado pela profissão e tem pouco tempo fora do trabalho. «O meu dia-a-dia acaba por ser futebol e futebol, tenho uma folga ou outra, mas a minha vida é ir para o centro de treinos, viajar, concentração, preparar jogos... Agora vem aí o Carnaval que é quando o país praticamente para, mas o futebol continua. A adaptação acabou por ser muito simples. A culinária é boa, não tive problemas em adaptar-me à comida de cada um dos Estados. Mesmo mudando de cidade. Já vivi em Curitiba e, agora, em Belo Horizonte que é uma cidade com 4 milhões de habitantes, não tive nenhuma dificuldade aparente. Há muito calor, Minas e Belo Horizonte têm esse clima quase todo o ano, mal se sente o inverno. Pessoalmente não é difícil. O que me custa bastante é a distância da família. Chegar a casa e não ter ninguém é difícil. Mas o futebol dá-me esse conforto de poder trabalhar num clube bom, que aprecia o meu trabalho, que o valoriza, isso também é importante».

As saudades de casa e da família são o maior obstáculo e um possível regresso a Portugal está sempre em cima da mesa. «O futebol é muito volátil em relação ao dia de amanhã, mas o meu contrato está vinculado ao visto de trabalho que termina em agosto e já me procuraram para renovar. Mas tenho em aberto a possibilidade de ir para um dos grandes ou até de voltar para Portugal onde tenho a família. Propostas [de Portugal] não tive, mas um regresso é sempre uma coisa muito saudável. Agora no contexto dos clubes portugueses será muito difícil. Os valores que pagam aqui no Brasil são muito diferentes dos que são propostos em Portugal, tirando os clubes grandes da I Liga. Mas nem tudo é visto pela parte financeira. Há tempo para tudo. Nesta altura não penso tanto no custo, mas no proveito que possa tirar. Voltar a Portugal pode acontecer a qualquer momento. Gostaria num curto prazo, não vai ser fácil, mas se surgisse uma oportunidade iria equacioná-la», acrescenta.

Rui Sousa com a sua equipa no América

A verdade é que o scouting em Portugal também está a crescer a olhos vistos e, mais tarde ou mais cedo, pode-se abrir uma janela. «Estive recentemente em Portugal e tive a oportunidade de estar em três clubes, até para me aperceber da realidade, saber o que usam e o que não usam, quantas pessoas estão em cada departamento. O que vi é que existe uma boa evolução nesse sentido, quer ao nível do dinheiro que gastam nos software, quer no número de pessoas em cada departamento. Passei pelo Sp. Braga, pelo Vitória de Guimarães e tive uma conversa com o analista do FC Porto. Pensei que em Portugal essa abertura fosse difícil, aqui no Brasil existe e é muito mais fácil de obter, mas em Portugal fiquei surpreendido com essa abertura. Acabei por ter conversas interessantes, troca de matérias, de opiniões e de ideias. Esses clubes estão bem estruturados, até fiquei surpreendido com o Guimarães e com o Braga. Posso dizer que são dois clubes que estão bem servidos nesse domínio da análise, quer ao nível de software, quer no número de pessoas e mesmo ao nível das tarefas no dia-a-dia. Em Portugal, a própria comunicação social, não tem perceção do trabalho que é feito a esse nível, não têm noção do material que se produz e a informação que é trocada. Fiquei surpreendido com o que se faz de bom em Portugal», destacou ainda.

No domingo, depois da nossa conversa, o América acabou por perder diante do Cruzeiro (0-1), mas com o Estadual ainda a decorrer e a Série A já no horizonte, Rui Sousa já estará, nesta altura, a preparar os muitos jogos e deslocações que tem pela frente até ao final do ano. Boa sorte Rui porque empenho e vontade de evoluir, como ficou bem patente na nossa conversa, não vai certamente faltar.