Não é fácil arranjar registos portugueses no futebol galês nem galeses no futebol português.

Dean Saunders e Mark Pembridge foram os dois únicos galeses a jogar no escalão máximo do futebol nacional, ambos ao serviço do Benfica. No sentido inverso são três os exemplos: José Moreira, Nélson Oliveira e Éder, todos no Swansea.

José Moreira foi o primeiro português a jogar na Premier League por um clube galês e logo no ano de estreia do Swansea na liga mais mediática do mundo.

«Foi uma experiência enorme. As pessoas em Gales vivem o futebol de forma muito apaixonada. Na altura, o Swansea subiu pela primeira vez à Premier League e foi uma euforia incrível.»

Cardiff é a capital e a maior cidade do País de Gales e Swansea é a segunda. Os estádios dos dois clubes estão sempre cheios, quer joguem na Primeira ou Segunda Liga. «Nos jogos estavam sempre 20 mil pessoas, isso diz bem da paixão que as pessoas têm pelo futebol. No País de Gales existe campeonato, mas eles podem escolher se querem jogar só no País de Gales ou se querem na Liga Gales-Inglaterra. O Swansea e o Cardiff escolhem jogar com os ingleses.»

Estas são as duas maiores equipas do País de Gales e os estádios estão sempre cheios. Estará o futebol a aproximar-se da popularidade do râguebi?

«O País de Gales tem duas equipas de futebol e só tem uma seleção de râguebi. No futebol as pessoas dividem-se porque Cardiff é capital e o Swansea é o clube que tem estado na Premier League. Seleção de râguebi só existe uma. Se reparar os estádios do Swansea e do Cardiff levam cerca de 20 mil pessoas, o de râguebi leva 80 mil e está cheio quando a seleção joga», explicou.

Apesar disso, deixa a nota: «Este Europeu serviu para as pessoas se voltarem para o futebol e esquecerem as rivalidades. Assim apoiam a seleção e é um motivo de orgulho imenso para eles.»

O Swansea subiu à Premier League em 2011/12 e nunca mais caiu, tendo já jogado inclusive a Liga Europa. Há cinco anos era «impensável» o que se está a passar com a seleção galesa.

Para Moreira foi essa estabilização que permitiu o futebol galês crescer tanto e dar o salto para outro nível porque nesse plantel, do qual o guarda-redes fez parte, estavam já Ashley Williams, Joe Allen, Neil Taylor, Cotterill e Ben Davies (na altura ainda nas reservas), jogadores que estão a brilhar em França.

Cresceram em Gales, alguns deram o salto para o Liverpool (Joe Allen) ou Tottenham (Ben Davies) e os outros ficaram no Swansea estabilizando o clube: «Acho que foi fundamental terem ficado para sustentar a equipa. O Ashley Williams já tem muitos anos de Swansea e o Neil Taylor também. Mantiveram-se fiéis ao clube e isso foi ótimo para a seleção galesa. Depois, 'o caso Bale' deu outra dimensão.»

São vários os galeses que o agora guardião do Estoril teve como companheiros e deles salienta o «sargento» Williams, autor de um dos golos de Gales à Bélgica.

«Ashley Williams é um autêntico patrão, era o sub-capitão quando cheguei e passou a capitão depois. É um sargento lá trás, mas fora do futebol é gente boa. Totalmente tranquilo e procura viver a vida fora do futebol também.»

E então, Moreira, qual é o jogador que mais destaca e que pode ser mais perigoso para Portugal, excluindo Gareth Bale e o castigado Ramsey?

«Acho que Gales vale pelo seu conjunto, pela sua paixão e entrega no campo. Tirando Bale, que é um jogador que admiro muito e que gosto de destacar, acho que o forte deles é o conjunto, tal como Portugal. É óbvio que há Ronaldo, o melhor jogador do mundo, tal como Gales tem Bale. Isto vai ser uma luta de titãs. Um jogo muito emotivo, o apoio nas bancadas será super dividido, espero uma grande festa e que ganhe o melhor e que o melhor seja portugal.»

E essa emoção e paixão será um trunfo dos galeses para bater Portugal? Perante isto, Moreira faz uma comparação interessante: «Portugal também é um país pequeno. Às vezes comparo País de Gales/Inglaterra com Portugal/Península Ibérica. Somos um país pequeno com um coração enorme, pessoas fantásticas em todas as áreas do desporto, um país que descobriu quase meio mundo. Somos um país guerreiro e que merece estar na final, não só para dar um orgulho aos portugueses, que tanto merecem, mas também para o futebol português e para os emigrantes que sofreram com a seleção.»

Mas apesar da ligação a Gales não tem dúvida: «Os jogadores da seleção portuguesa vão dar essa felicidade de passar à final.»

«Gales é uma pequena porção de terra...»

Comparação feita com Portugal e com os ingleses? Os jogadores galeses tem o ADN do jogador inglês?

«Acho que têm uma coisa que os distingue dos ingleses. Por eles serem um país pequeno e colado a Inglaterra têm mais paixão, emoção e orgulho. Tudo bem que os ingleses vivem o futebol de forma vibrante, com orgulho, mas os galeses, por fazerem parte de uma pequena porção de terra... Aliás, eles perderam com Inglaterra, mas evoluíram e estão nas meias-finais.»

E conclui o tema: «Esse motivo de orgulho, essa paixão e o carisma... é isso que está a permitir que cheguem cada vez mais longe.»

O Dragão Vermelho continua a cuspir fogo no Europeu e é agora a melhor seleção do Reino Unido, algo que orgulha e de que maneira os galeses que são «muito nacionalistas».

«São muito nacionalistas. O único país em que se paga para entrar no Reino Unido é em Gales. Existe uma ponte em que se paga para entrar. Eles tem a própria língua, o galês, que não é usado diariamente, mas por exemplo nas estradas e ruas as placas estão em inglês e galês. Isso demonstra, passado tantos anos, o patriotismo e o orgulho em serem galeses.»

Só que há uma coisa que une galeses e ingleses, quer adeptos quer jogadores: a mentalidade liberal sobre a vida extra-futebol e o diferente apoio que uns dão e que os outros recebem.

«Quando é trabalho é trabalho, quando é diversão é diversão. Têm personalidades diferentes, vemos o Rooney a andar de EasyJet de uma companhia low cost e para eles é normal. Quando estão no futebol estão no futebol, quando não estão, são cidadãos completamente normais. As pessoas respeitam isso, são mais liberais.»

E continuou com o exemplo das saídas dos jogadores: «Se virem um jogador num bar a beber uma cerveja não vão comentar ou criticar porque é normal. Os cidadãos também fazem isso, porque eles bebem 10 ou 20. Para eles está tudo bem logo que o jogador dê tudo no campo.»

Esta informação parece do senso comum, pois é visível esse apoio nas transmissões televisivas, mas Moreira refere que a verdadeira dimensão dessas manisfestações só é possível perceber lá nos estádios.

«Se virmos um jogador a chutar uns metros ao lado eles festejam, é uma mentalidade diferente, aplaudem do primeiro ao último minuto, depois se tiverem que criticar é no fim, mas não é por rematar mal, é por falta de entrega. É uma mentalidade diferente e só lá é que se sente isso.»