Era uma tarde cinzenta, triste, a anunciar a tormenta. O Estádio das Antas, como de costume, a rebentar pelas costuras. Nos jornais do dia, um nome enchia as parangonas: Teófilo Cubillas, craque peruano que os dragões apresentariam no dia seguinte como reforço. O entusiasmo era, por isso, evidente, até pela boa prestação da equipa no campeonato. Estava tudo preparado para o pontapé de saída do F.C. Porto-Vit. Setúbal, naquela época de 1973/74.
O cumprimento dos capitães. De um lado, Fernando Pascoal das Neves, o inesquecível Pavão. Do outro, Carlos Cardoso, actual treinador dos sadinos. E é precisamente este último que lança ao Maisfutebol as primeiras memórias da tarde em que a morte saiu ao estádio. Ao minuto 13, da jornada 13, Pavão caía desamparado no relvado. Para nunca mais se levantar. Naquele dia, o 13 foi mesmo um número maldito.
«Cumprimentámo-nos mutuamente e ele estava perfeitamente normal. As bancadas faziam muito barulho, mas lembro-me que me desejou boa sorte», recorda Carlos Cardoso. «Pouco depois, vi-o a fazer um passe e a cair desamparado. Vi logo que tinha acontecido uma desgraça. Para mim, o jogo acabou naquele momento».
Desde então, sempre que vem jogar a «casa» do F.C. Porto, Carlos Cardoso tem um ritual que passa despercebido a quase todos. E que se mantém, mesmo depois da implosão das Antas. «No antigo estádio, um dos projectores da iluminação incidia mesmo sobre o local onde pereceu o Pavão. Sempre que lá ia, olhava para esse sítio e pensava no pobre rapaz. A luz tornava o acto ainda mais especial. No novo estádio é diferente, mas sempre que jogo com o F.C. Porto penso no Pavão».
Rodolfo Reis e Tibi, a impotência dos ex-colegas de equipa
26 anos antes, Pavão nascera em Chaves. A alcunha surgira por correr sempre de braços abertos. Sob indicação de António Feliciano, velha glória do clube, chegara para os juniores do F.C. Porto em 1964. Dotado de impressionante visão de jogo, assumira-se como líder do balneário dos azuis e brancos e naquela fatídica temporada envergava a braçadeira de capitão. Era, segundo Rodolfo Reis, à época seu colega de equipa, «um homem diferente».
«Quando subi aos seniores, os meus colegas mais velhos obrigavam-me a tratá-los por você. Mesmo dentro do campo, era assim. Com o Pavão não. Era o único que me pedia que o tratasse por tu. Dava-me muitos conselhos, talvez por ser de longe o melhor da equipa e por não ter medo de perder o lugar», atira, bem disposto. O tom de voz só se altera quando fala do momento da morte do companheiro que tanto admirava.
«Fui o primeiro a socorrê-lo, porque ele era médio direito e eu jogava atrás dele, como lateral. Vi-o mandar avançar a equipa, a passar a bola ao Oliveira, que jogava como extremo do mesmo lado, e a cair de bruços na relva. Quando cheguei ao pé dele, tinha os olhos a revirar, estava todo encolhido e percebi que era muito grave».
Também Tibi, o dono da baliza do F.C. Porto naquele dia, se lembra «da tarde mais terrível» da sua vida desportiva. «Corri para ele, atrás do Bené, mas não podia fazer nada. Ele foi para o hospital e o jogo continuou. Ao intervalo mentiram-nos e disseram que ele estava a melhorar. Só a dez minutos do fim é que soube que ele tinha morrido. Um miúdo apanha-bolas veio ter comigo e disse-me.»
Incertezas que se eternizaram e rumores de desdenho
Pela instalação sonora, todos os presentes ficaram a saber da morte de Pavão. Sob um pesado silêncio sepulcral, as Antas esvaziaram-se. Até hoje, eterniza-se a dúvida sobre a origem da vil paragem cardíaca. Na altura, e em surdina, sugeria-se o abuso de medicamentos estimulantes, com a Polícia Judiciária, após cruciante inquérito, a lançar o alerta: «A medicina desportiva não pode continuar a ser desprezada em Portugal». Apenas rumores, sublinhe-se, pois nenhuma das teorias ficou provada.