«Isto não é o meu habitat. Esse é o campo, o estádio, o balneário. Mas não podia dizer que não ao meu presidente».

Luís Castro bem tentou baixar as expectativas de início, mas a verdade é que em boa hora aceitou o convite de José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF). O técnico do FC Porto B protagonizou uma das palestras mais interessantes da 4ª edição do Fórum do Treinador, realizada em Santarém.
 
Com uma carreira que atravessou praticamente todas as realidades do futebol português, no papel jogador, treinador ou coordenador, Luís Castro procurou relatar os desafios inerentes a uma missão muito específica: comandar uma equipa B.
 
«Não há muito cultura de equipa B em Portugal», lamentou desde logo, alertando para a necessidade de mudar pensamentos, inclusive dentro do balneário.
 
«O mercado de janeiro é um caos para nós. Os jogadores vivem muito pressionados para sair para outros clubes. Todos eles têm solicitações. Muitas vezes o jogador não entende, sente-se confuso», explicou.
 
Esta gestão da vertente motivacional é mesmo um dos principais desafios do cargo. Não só pelo apelo do mercado, sobretudo em forma de empréstimo, mas também por causa dos jogadores que regressam à formação secundária depois de uma promoção à equipa principal.
 
«Temos o caso do Gonçalo (Paciência), que anda muitas vezes para cima e para baixo. Quando provamos algo bom não queremos mudar, mas por vezes eles têm de fazer marcha-atrás. Até hoje tem sido pacífica essa dinâmica. Os jogadores estão preparados para que isso aconteça», garantiu Castro, que de resto passou pela mesma situação: assumiu o comando da equipa principal quando saiu Paulo Fonseca, para depois regressar à B.


 
A prioridade é sempre o topo da pirâmide, como é óbvio, por muito que isso possa condicionar o trabalho do responsável pela equipa B. «Por vezes a equipa principal joga às 20h de sábado, e nós temos jogo ao domingo de manhã. Lanço a convocatória às 23h, na véspera. Os jogadores sabem que podem estar apontados à titularidade mas depois existir interesse em colocar algum jogador da equipa A a jogar. Não ficam contentes, claro, mas entendem», afiançou.
 
As condicionantes impostas pela atividade da equipa principal não se notam apenas nos jogos, mas também em dia de treino. Sobretudo quando se intrometem os compromissos internacionais. «Cheguei a ter dois guarda-redes e dois jogadores de campo. Mas tem de se fazer a semana na mesma», recordou.
 
E para além da equipa principal é preciso ter ainda em conta a influência dos escalões inferiores, em determinados casos. «Culturalmente o FC Porto gosta de ganhar. E se tivermos a possibilidade de conquistar o título de sub-19 vamos conquistá-lo. Há uma avaliação permanente daquilo que é mais importante», assumiu.
 
É um processo de «adaptação constante». Muito jogo de cintura, portanto. Sempre com a preocupação de manter os potenciais craques com motivação elevada. «Quem não tem alegria na cara não tem alegria nos pés».
 
É necessário reunir todas as condições para que os jovens possam fazer a transição para a equipa principal. Perceber qual o contexto competitivo em que devem estar enquadrados, seja dentro do clube ou fora dele, por empréstimo.
 
«Vemos se o jogador tem condições para ir para patamares superiores de rendimento. Se tem, dizemos à administração que está preparado para outras exigências. Para os que não estão preparados é proposto que continuem», explicou Luís Castro.
 
Do individual para o coletivo, sempre com inteligência (e no contexto adequado)
 
A prioridade é formar jogadores que possam chegar à equipa principal. O comportamento global é relativo, e o resultado ainda mais. «Quando treinamos outras equipas temos de olhar muito para a prestação coletiva. Aqui temos de olhar muito para a prestação individual. A administração quer saber aquilo que cada jogador vale», explicou o técnico.
 
O modelo de jogo é definido mais pelo contexto do que pelas ideias do treinador que comanda a equipa.

«Historicamente o FC Porto joga em 4x3x3. Eu até posso chegar a um clube e entender que está tudo conjugado para jogar em 3x5x2, mas se não encaixa na forma de jogar do clube...»
 
Neste cenário não faz sentido ir para o jogo a pensar muito na forma de jogar do adversário. «Isso não pesa muito», explicou Luís Castro. O importante é consolidar um modelo e, acima de tudo, desenvolver os jogadores dentro do mesmo.
 
O técnico defendeu, de resto, que «é preciso muito cuidado com o treino individual». «Tem de ser trabalhado num contexto coletivo. O jogador não pode perceber aquilo como algo para ter um desempenho egoísta em campo», sustentou.
 
Os atletas até «podem ser altos e fortes», mas isso não é o indispensável. «Se não tiverem inteligência de jogo não podem jogar na nossa equipa. Não podemos ter jogadores que desequilibram a equipa, que são anarcas em campo.»
 
E para trabalhar os jogadores do futuro Luís Castro defende que o modelo competitivo atual não é o ideal. O técnico lembrou que a sua equipa fez 21 jogos nos últimos três meses, e que no final da época os jogadores vão ter mais de sessenta jogos nas pernas.
 
Para além da quantidade de jogos, coloca em questão também a qualidade. «Quantos jogos entre FC Porto B e Benfica B devem existir por ano? Dois ou seis? Com todo o respeito por outras equipas, são esses jogos que prepararam os jogadores para a exigência máxima», defendeu, destacando também o duelo com o Sporting, já na próxima ronda.
 
Luís Castro criticou até a aplicação do mesmo regulamento disciplinar nos dois escalões profissionais, tendo em conta que as realidades são distintas. «Os jogadores cumprem um jogo de castigo ao quinto amarelo, depois ao quarto, de seguida ao terceiro e ainda ao segundo. A dada altura passam a cumprir um jogo de suspensão por cada amarelo. Na II Liga vamos com 41 jogos, e já entrámos na fase em que temos vários jogadores que cumprem castigo por cada amarelo visto», lamentou.