Diz-se do futebol que é muita coisa: paixão, o desporto-rei, espectáculo - nos dias de hoje também negócio -, ou simplesmente que não passa de 22 homens a correr atrás de uma bola, por exemplo. Nesta terça-feira, «Futebol de Causas», o único documentário português na secção Foot Doc do DocLisboa, recordou outra dimensão (ou, se se preferir, manifestação) social do tal fenómeno que - como estigmatiza o cliché - desperta paixões e ódios a quem não lhe é indiferente.

A 40 anos de distância e, precisamente, como documento de uma época que é constituinte da realidade presente, o documentário de Ricardo Martins recorda-nos a Coimbra dos anos 60; a Coimbra da Universidade, da Associação Académica, das manifestações, dos protestos e dos movimentos de estudantes, da grande equipa de futebol da Associação; a Coimbra de 1969 que deixou uma marca incontornável na oposição ao regime do Estado Novo e que ficou como símbolo da luta contra a ditadura.

O sujeito é essa grande equipa de futebol; o culminar desse passado esteve na final da Taça de Portugal de 69 disputada num Estádio Nacional a abarrotar de gente para ver um jogo emblemático, mas também a quem se queria transmitir tudo mais que esse momento simbólico queria evocar: foi o futebol ao serviço da liberdade exigida ao regime pela Associação Académica que Ricardo Martins assinalou em filme.

E começou ao ataque desde o início, em ritmo aceso, com uma narração que de pronto nos situa na realidade político-social preparatória para nos levar depois ao centro de tudo o que viria a acontecer; mas que também deixa pouco tempo para respirar entre a sucessão de depoimentos (com alguns soluços de montagem) de quem defendeu esta causa - dos antigos jogadores da equipa aos elementos da Associação Académica.

Há de facto tanto para dizer e o tempo não nos permite muitas vezes dizer tudo - o próprio Ricardo Martins reconheceu mais tarde que ficou «mais» por contar. Mas isso não obsta a que a história tenha conseguido ser contada; e transmitida. As paixões a que não é possível ficar indiferente estão lá, desde a parcialidade assumida pelo autor no prólogo da exibição ao reflexo no saudosismo em que se recordou esta causa num cinema São Jorge com muitas personagens desta história presentes.

Mas percebe-se só as paixões de quem de facto foi actor desta causa; de uma causa que quis ser nacional na tal final da Taça, de uma causa que pretendeu descer de Coimbra até Lisboa para, daí, espalhar-se a todo o país. Praticamente nada se sabe de quem viveu esta final da Taça como personagem que assistiu a todo este acontecer da história portuguesa; no fundo, todos aqueles a quem os estudantes de Coimbra queriam contagiar com esta causa e cujas paixões e ódios depois desta final de 69 ter-se-ão desprendido da indiferença que o desconhecimento impunha.