O Benfica venceu a Supertaça de futsal no passado fim de semana, mas há um futsalista que anda mais feliz que todos os outros no plantel de Joel Rocha.

Podia ser Elisandro, o pivot que se estreou pelas águias e marcou os três golos da final, mas não. É Fernando Wilhelm que continua nas nuvens depois de ter conquistado o título mundial pela Argentina - a Supertaça foi o culminar de uma semana de sonho.

De braçadeira no braço, Fernando Wilhelm levantou o troféu que coroou a seleção argentina como a melhor do mundo, numa modalidade em que só Brasil e Espanha tinham vencido a prova (sob a organização FIFA).

«É uma coisa incrível. Ainda não acredito e ainda hoje estava a falar com a minha mulher sobre isso. Às vezes paro a pensar e não acredito, acho que há alguma coisa de errado.» Pausa para uma gargalhada e logo a seguir atira: «Ficámos na historia e isso é o mais importante.»

Durante a conversa com o Maisfutebol, Fernando - «é mais fácil para vocês», esclareceu – não escondeu o deslumbramento por ter vencido o Mundial, algo praticamente impensável antes de rumar à Colômbia e mesmo na sua carreira, que podia ter sido como jogador de voleibol: «Fiquei muito curtinho!» (riu-se, fazendo um gesto a indicar que o seu 1,77 tinha sido insuficiente)

A verdade é que conseguiu mesmo vencer o Mundial e treze dias depois da conquista ainda não desceu das nuvens.

«Nós queríamos ganhar, nos treinos falávamos disso, que íamos para ser campeões do mundo. Mas lá tens que jogar sete jogos, ganhar os sete para seres campeão do mundo e todos têm o mesmo objetivo. Não era fácil, queríamos muito, mas sabíamos que ia ser muito difícil.»

A Argentina não era favorita, à sua frente tinha Espanha, Brasil, Rússia e até Portugal ou um Azerbaijão «brasileiro».

A tarefa era hercúlea, mas passo a passo o sonho passou a realidade. Depois de uma fase de grupos com duas vitórias (Cazaquistão e Ilhas Salomão) e um empate (Costa Rica), os argentinos sabiam que só podiam encontrar Brasil, Espanha ou Rússia na final, mas nem isso deu ilusão à seleção. Fernando explica quando sentiu que era possível o título.

«Da forma que a Espanha e o Brasil estavam era possível que perdessem com a Rússia, que estava bem melhor. Depois do jogo com a Ucrânia [quartos de final] ficámos com boas sensações. Apesar de só termos ganho por um golo e no prolongamento, as sensações foram boas. Depois já tudo começou a funcionar melhor.»

Seguiu-se Portugal nas meias-finais e um triunfo sofrido, mas controlado. O capitão argentino explica a postura em campo: «Tentámos, como todas as equipas quando chegam perto da baliza, converter, fazer golos. Conseguimos com Portugal fazer três golos em dois minutos e o plano de jogo muda, não podes jogar da mesma forma com 0-0 ou a ganhar por 3-0.»

A Argentina agarrou-se à vantagem, defendeu até final e foi eficaz no ataque. Triunfou por 5-2 e o jogador do Benfica explicou que, para si, aquele foi um jogo «especial» e... «sensível».

«Era muito difícil e para mim foi especial porque era contra os meus colegas, estávamos no mesmo hotel e tudo. É sempre difícil, estávamos juntos, falávamos antes do jogo, falávamos depois do jogo e uma meia-final de um Mundial é uma coisa séria, era uma situação sensível. Ganhámos nós, mas depois falei com Bebé, Ré, Bruno [Coelho] e acaba ali. O que acontece na quadra fica.»

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Os argentinos seguiram para a final e aplicaram a mesma receita tática à Rússia (triunfo por 5-4). O sonho tornava-se realidade para Fernando, mas ainda havia mais: o benfiquista seria considerado o melhor jogador do Mundial.

Se vencer o Campeonato do Mundo não era expectável, vencer esta distinção «ainda menos»: «Foi muito especial, foi um prémio que não estava à espera. Acho que teve a ver com a equipa, com a força de grupo, com o que nós representámos no torneio. O público nas bancadas e os jornalistas perceberam a nossa força e, se calhar, eu fui o representante.»

Normalmente são os mais virtuosos ou goleadores como Ricardinho ou Falcão que levam os prémios individuais, mas venceu Fernando, que marcou apenas um golo na prova e fez cinco assistências.

Nem vamos comparar nem com Falcão nem com Ricardinho, não tem nada a ver (risos). Acho que olharam para outras coisas e foi por isso que eu recebi o prémio.

Wilhelm, o capitão, a levantar a Taça do Campeonato do Mundo de Futsal

Vencer o Mundial foi um feito incrível para a Argentina e Fernando quer que este triunfo seja um passo para o desenvolvimento da modalidade: «Era o nosso objetivo, não apenas porque ganhámos a Copa. Antes do Mundial começámos a viajar pela a Argentina, algo que não era habitual, para tentar difundir a modalidade, a seleção, o desporto e agora que conseguimos ganhar queremos que o futsal cresça na argentina, porque há muitos jogadores, mas o futsal ainda é amador.»

Em seguida partilhou a realidade dos seus colegas, que um dia já foi a sua: «Os meus colegas que estão lá trabalham, estudam e não é fácil. Acho que é o que acontece com alguns jogadores aqui em Portugal em equipas de menor expressão. Não é fácil. Se calhar no futuro podem vir a ser profissionais, era ótimo.»

A loucura de um River Plate vs Boca Juniors em futsal

Fernando é um dos melhores futsalistas argentinos e ficará na história para sempre como o capitão da seleção que venceu o primeiro Mundial para o país das Pampas. A sua história na modalidade começou há muitos anos e ao Maisfutebol recordou a altura em que percebeu que ia ser profissional. Foi apenas aos 23 anos.

«Só percebi isso quando recebi uma chamada para ir para Itália, em 2005, foi aí. Jogava na Argentina, não ganhava dinheiro e já estava na seleção. Ligaram-me para ir para uma equipa importante em Itália e eu fui. Comecei, gostei, foi difícil no início porque fui sozinho, mas gostei muito e já sabia que ia ser o meu trabalho.»

Antes de rumar a Itália, ao Arzignano, Fernando representava o Pinocho no seu país natal e vivia uma fase de indefinição na vida pessoal, que esse telefonema resolveu: «Estava na escola, acabei e depois fiquei sem estudar porque não sabia o que queria seguir e foi aí que me ligaram para ir para Itália.»

Antes de Itália e da passagem pelo Pinocho, Fernando representou o River Plate: o grande clube argentino de futebol.

«O pavilhão tinha muita gente quando jogávamos contra o Boca Juniors, só assim. Agora sim vai mais gente, mas na época não tinha muita gente a seguir o futsal.»

O futsalista recorda esses tempos, explica que no River Plate «a modalidade também está dentro do clube, está perto do estádio», mas há diferenças: «Aqui é tudo muito mais organizado», explica.

Depois compara a mentalidade dos adeptos:

Lá passa da loucura à violência assim, num estalar de dedos. Aqui há o adepto louco pelo Benfica, mas tranquilo. Não é violento.

«Falaram com a minha mulher? Falei com ela sobre isso hoje»

Sobre os apoiantes do emblema encarnado só elogios: «Tive a oportunidade de conhecer muita gente, de sentir o calor do adepto do Benfica em todo Portugal, não só aqui. Também no Mundo, porque fomos pela Europa fora, jogar a UEFA Futsal Cup e tínhamos sempre adeptos do Benfica, é impressionante.»

Com 34 anos, Fernando Wilhelm tem contrato com o Benfica até ao final desta época e se tudo dependesse dele continuaria a jogar no Pavilhão da Luz.

Ao serviço dos encarnados conquistou duas Supertaças e tem o objetivo de vencer campeonato e Taça, títulos que venceu quer em Itália quer na Argentina: «Quero continuar, sem dúvida. Agora tenho mais uma época para tentar ganhar tudo.»

Para finalizar a entrevista, questionado sobre o final de carreira brincou. «Falaram com a minha mulher? Falei com ela sobre tudo isso hoje», disse entre gargalhadas, respondendo depois mais a sério: «Não sei ainda, gostaria de ficar ligado à modalidade seguramente. A nossa intenção é voltar à Argentina, mas ainda é cedo.»

Assim a entrevista ao melhor do Mundial 2016, que até podia ter sido feita pela sua mulher, acabou entre risos. Fernando levantou-se ainda a sorrir, voltou a perguntar se tínhamos falado ou não com a esposa e dirigiu-se para o treino a rir.

Tem mais do que razões: tudo lhe corre bem neste início de temporada.