1991. O futebol mergulhara numa guerra de palavras que das Antas a Lisboa deixava a recta final da luta pelo título a ferver em polémica, ataques pessoais e denúncias não confirmadas. Jogos de bastidores, pistolas, metralhadoras, guarda-costas. Tudo fazia parte da violenta discussão que embrulhava o futebol em ondas de choque e maledicência. Eram tempos de cólera. De tal forma que em Janeiro Pinto da Costa suspende Geraldão, o central dos livres decisivos, por suspeitar que o jogador brasileiro tinha um contrato promessa com o Benfica. O F.C. Porto entra numa espiral de maus resultados tal que em Abril, por altura do clássico com o Benfica nas Antas, só a vitória lhe interessava para recuperar a liderança.

Faltavam duas jornadas para o final do campeonato. A época não podia desejar mais polémica que essa. Um F.C. Porto-Benfica para decidir o campeão no ano de todas as provocações. Um clássico iniciado claro fora de campo, nos ataques pessoais e nas denúncias de corrupção. Dias antes o F.C. Porto tinha eliminado o Benfica da Taça de Portugal e Erickson acusara o adversário de molhar o relvado em benefício próprio. Respondeu Octávio Machado que «o Benfica já não precisa de se preocupar com a água». «Contratamos uma empresa de aspiradores para sugar a relva e, com um pouco de sorte, ainda pedimos emprestado o tapete vermelho de veludo por onde costuma passar o Papa. Nós é que temos de nos preocupar com o árbitro», dizia.

A preocupação com o árbitro não era apenas uma insinuação. Era uma acusação. Os dirigentes portistas insistiam que Carlos Valente tinha jantado no dia anterior com a direcção encarnada. O clima em torno do jogo do tudo ou nada era tal que João Santos nem foi ao estádio das Antas. Preferiu ficar no hotel e acompanhar o jogo pela rádio. Dentro do campo o Benfica foi melhor e ganhou. Naquele que foi o clássico de César Brito. «Esse jogo marcou-me para toda a vida. Fazer o que fiz numa partida que decidiu o título é inesquecível para qualquer jogador», diz o antigo avançado. «Os deuses deviam estar comigo nessa tarde».

Dois golos em dois toques na bola

Deviam estar. O jogo, esse, terminou com a vitória do Benfica por 2-0. «Entrei faltavam dez minutos para o final da partida e marquei dos golos em duas vezes que toquei na bola». César Brito lembra-se como se fosse hoje. «O primeiro é na sequência de uma jogada do Vítor Paneira pela direita, vai à linha, centra e eu cabeceio ao segundo poste. O segundo começa numa excelente abertura do Valdo, eu ganho em corrida à defesa do F.C. Porto e faço um chapéu ao Vítor Baía», conta. «Que saudades!». César Brito lembra-se também da rábula da criolina. «Quando chegámos aos balneários nem se podia lá entrar. Estava um cheiro impossível de um gás qualquer que tinham espalhado. Fomos obrigados a equiparmo-nos nos corredores». Tudo isso porém são memórias bem mais vãs. «No final ganhámos e as polémicas passaram para segundo plano».

Polémicas que de resto não ficaram por aí. Logo no final do jogo Pinto da Costa libertou toda a cólera em cima do árbitro da partida. «Carlos Valente teve um comportamento provocador, chegando a insultar o banco do F.C. Porto», acusa. O Benfica respondeu com uma queixa no Ministério da Administração Interna, acusando os dirigentes portistas de terem agredido e insultado Jorge de Brito e outros directores do Benfica, que inclusivamente teriam até sido obrigados a fugir do estádio das Antas escondidos numa ambulância. Eram os desmandos da época quente 90/91 que terminou com o triunfo encarnado.