Foram seis saídas e 132 dias de abstinência, mas finalmente o F.C. Porto conseguiu quebrar o enguiço e somar uma vitória fora das Antas a contar para a I Liga. Um triunfo justo, claro e cristalino, num relvado onde todos as outras equipas do topo da tabela tinham deixado três pontos e uma boa fatia de orgulho.  

Este resultado volta a pôr os homens de Fernando Santos em velocidade de cruzeiro para a recta final do campeonato, permite-lhes atenuar a diferença que os separa do líder Boavista e, pelo menos até à viagem à Madeira, a 18 de Abril, afasta algumas nuvens negras que ainda pairavam nas Antas. Com um calendário teoricamente favorável até final, o F.C. Porto voltou a criar condições para acreditar em si próprio como sólido candidato ao título, mesmo sem elementos importantes como Deco, Jorge Costa e Drulovic (este último por opção política).  

Capucho para resolver a angústia 

Apesar do relativo conforto do marcador final, a angústia de quatro meses não se esfumou facilmente. Foram precisos 45 minutos de luta, uma susbtituição inspirada de Fernando Santos e um conjunto de metamorfoses tácticas para dobrar a resistência de um Alverca igualmente amputado de alguns elementos-chave (André e Mantorras acima de todos, mas também Ricardo Carvalho e Milinkovic, habitual joker nos desafios com os grandes). 

Pelo começo de jogo, julgar-se-ia que nada disto tinha importância para a equipa de Jesualdo Ferreira, que se colocou em vantagem logo aos 7 minutos, num lance de futebol perfeito, em que a fuga de Ramires pela direita e o seu cruzamento encontraram na ágil movimentação de Zeferino o complemento ideal. 

Apanhado a frio, o F.C. Porto demorou alguns minutos a assentar jogo, tanto mais que Fernando Santos apresentava de início um esquema diferente do habitual, com Pena e Maric no eixo do ataque, Folha e Capucho como flanqueadores e o meio-campo entregue à dupla Chainho-Paredes. 

Com Folha hiperactivo e pouco lúcido e Capucho a apresentar o perfil diametralmente oposto, notava-se a falta de um condutor de jogo. Sofrido o golo, o encaixe táctico parecia resolvido, a segurança defensiva estava de volta, mas não havia quem pensasse no passo seguinte ao do esforço. 

A solução tornou-se evidente quando Capucho começou a descair da direita para o meio. Em estado de graça, o capitão do F.C. Porto construiu as primeiras ameaças sérias, e restabeleceu a igualdade num lance de grande inspiração (17 m), em que a sua facilidade de arranque foi acelerada pelo desenquadramento de Tinaia ¿ o homem que deveria ter-lhe saído ao caminho. 

A receita dava certo, e não demorou a tornar-se sistemática: Capucho passou a ter liberdade para jogar em toda a zona ofensiva, enquanto o discreto Maric ficou com a missão de descair para a direita para não desequilibrar por completo a movimentação da equipa, que nesta altura já mandava no jogo. 

A isto o Alverca respondia com bom toque de bola e uma louvável intenção de explorar flanqueadores habilidosos como Ramires e Rui Borges. Mas a insegurança dos laterais e a fragilidade da dupla Diogo-Tinaia, por contraste com a solidez de Paredes e Chainho, impedia os homens de Jesualdo Ferreira de apresentar a eficácia das grandes noites. E lentamente, as camisolas amarelas começaram a tomar conta do jogo. 

A perdida de Caju e o «achado» Clayton 

Ficará para sempre a interrogação: como teria sido o filme do jogo se Caju, no último minuto da primeira parte, não tivesse rematado contra o corpo de Ovchinnikov, na única grande oportunidade dos visitados depois do golo? A defesa do russo, providencial, evitou que os dragões pusessem tudo em causa e permitiu que Fernando Santos tivesse a serenidade suficiente para proceder a um ajuste decisivo. 

A troca de Folha, demasiado febril, por Clayton foi um achado que resolveu de uma assentada todos os problemas do dragão: deu a Capucho alguém com quem dialogar, estendeu o perigo para os dois flancos e permitiu alimentar Pena, que na primeira parte nunca conseguira levar a melhor no corpo a corpo com os centrais, sempre de costas para a baliza. 

Cinco minutos depois de entrar, Clayton combinou com o ponta-de-lança, ganhou a linha de fundo e fez um cruzamento iluminado, que Pena concluiu no coração da área. Confrontado com as suas limitações, o Alverca nem teve tempo para pensar como descalçar aquela bota: aos 55 minutos, o mesmo Clayton ganhou uma dividida na meia esquerda e, com a classe dos grandes, viu o adiantamento de Paulo Santos, picando-lhe a bola por cima da cabeça e fazendo um dos mais belos golos de uma jornada verdadeiramente abençoada a esse respeito. 

Com 35 minutos por jogar, era difícil evitar a sensação de que o jogo estava decidido. O F.C. Porto tinha argumentos para gerir a situação, e as tentativas de Jesualdo Ferreira mexer na equipa de pouco adiantaram ¿ embora a colocação de Pedro Martins no lugar de Tinaia equlibrasse um pouco as coisas a meio-campo. 

Com Clayton e Capucho num fantástico diálogo de sobredotados, o F.C. Porto tinha espaços para ameaçar em contra-ataque, enquanto lá atrás Paredes chefiava as operações na muralha de segurança. A única ocasião em que o Alverca poderia ter reentrado no jogo ¿ num lance em tudo idêntico ao do primeiro golo ¿ foi negada pelo corte feliz de Nélson, após mais uma cabeçada de Zeferino (63m). 

Sobrou meia hora ao jogo 

A partir daí, o jogo, que estava a ser espectacular, perdeu qualidade. O F.C. Porto procedeu à terceira mudança de figurino, regressando à normalidade do 4x3x3 com a entrada de Alenitchev e a passagem de Capucho para a direita. Com excepção de um punhado de cartões amarelos, a deixar o banco portista à beira de um ataque de nervos (Aloísio até conseguiu vê-lo antes de entrar em campo...) os minutos que sobraram nada acrescentaram a esta história.  

Uma história simples e linear, de um candidato ao título que se reencontrou consigo próprio e de um candidato a tomba-gigantes que não conseguiu disfarçar as ausências de demasiados jogadores capazes de fazer a diferença. É verdade que estes também faltaram no F.C. Porto, mas afinal, alguma vantagem haverá em ser rico e ter um plantel com mais opções. 

A arbitragem de Francisco Ferreira irritou profundamente os portistas, em especial pelo elevado número de cartões exibidos. Valha a verdade, não conseguimos lembrar-nos de um único que fosse despropositado...