Era uma notícia com prazo e que chegou, infelizmente, esta segunda-feira. Uma nota tornada pública pelo Betis dava conta da morte de Miguel Toral, jovem adolescente que aos 17 anos perdeu a batalha contra o cancro. Há semanas que já estava nos cuidados paliativos, aliás.

Miguel Toral tornou-se conhecido quando uma fotografia dele deitado numa cama, a ver o At. Madrid-Betis, no Wanda Metropolitano, se tornou viral.

A fotografia de um jovem deitado numa maca, com a camisola do Betis no colo e a imponência do estádio à sua frente era um tratado de sensibilidade. Um menino, uma botija de oxigénio, um estádio, vinte e dois jogadores e um coração cheio: uma verdadeira declaração de amor ao futebol.

Era uma fotografia muito bonita e ao mesmo tempo muito triste.

Antes de se deslocar ao Wanda Metropolitano, Miguel já tinha estado no estádio do Granada, mais tarde esteve também no do Elche, sempre atrás da sua verdadeira paixão: o Real Betis Balompié.

«Eu pelo Betis vou onde for preciso e espero passar um bom momento, que é o que levo do futebol. Para mim o futebol é tudo, é uma maneira de distrair-me e de me evadir», referiu Miguel, numa das raras entrevistas que deu, à Cadena Ser, com a voz a tremer completamente de emoção.

Este domingo era suposto ter ido ao Benito Villamarín, em Sevilha, ver o Betis-Celta de Vigo. Estava tudo preparado, mas a deterioração do estado de saúde do jovem tornou impossível fazer a longa viagem de mil quilómetros. Mais tarde chegou a notícia de que Miguel tinha falecido.

Filho de Victor e Paqui Toral, o menino foi internado no Hospital Universitario Virgen de la Arrixaca, em Murcia, quando tinha apenas 16 anos. Em setembro percebeu-se que não havia nada a fazer, o cancro estava numa fase muito adiantada, e Miguel entrou nos cuidados paliativos.

Foi nessa altura que os pais sentiram que tinham de fazer alguma coisa, a vida do filho não podia acabar à espera que o dia chegasse, deitado numa cama do hospital. Falaram com Fundação Ambulância do Desejo e levaram Miguel a Granada, onde pôde cumprir o sonho de ver o Betis.

Foram quase seiscentos quilómetros numa ambulância, mas valeu a pena.

«Graças à Fundação Ambulância do Desejo pude ver o Betis no estádio de Granada. Conheci o meu ídolo Joaquín, conversei com ele e o Betis venceu no último minuto. Foi incrível. Ali estava um rapaz de Murcia, a festejar os golos do Betis, no estádio do Granada», disse à Cadena Ser.

«O que aconteceu em Madrid é inexplicável. Foi a primeira vez que vi o Betis num estádio tão grande, as dimensões são enormes. Fiquei contente por poder levar um amigo e não estava à espera de receber os presentes dos jogadores do Atlético. O que mais me impressionou foram os calções do Rodrigo de Paul, dá para perceber que deixa tudo em campo. Podia passar horas a olhar para as chuteiras que o Koke usou na Champions, não me canso de ver ou tocar nelas.»

A visita ao Wanda Metropolitano foi realizada com a colaboração de Gabi, antigo capitão do Atlético que ficou sensibilizado com a história de Miguel Toral. Gabi não esteve nesse dia no jogo, mas mais tarde visitou o adolescente no hospital em Murcia.

Depois disso, também Joaquín se comoveu com o jovem Miguel. Já o tinha conhecido em Granada, voltou a estar com ele no Wanda Metropolitano, mas foi ao reencontrá-lo em Elche que o capitão do Betis desabou por completo. Miguel leu-lhe um poema e Joaquín não segurou as lágrimas.

Miguel era assim, amava o futebol e divertir-se com ele.

Queria ser jornalista, chegou a escrever textos para um jornal digital de alunos de jornalismo, mas a vida roubou-lhe os sonhos cedo de mais. Só não lhe tirou a ilusão de ver o Betis. Percorreu mais de mil e quinhentos quilómetros atrás do clube do coração, e tinha a ambição de o fazer enquanto fosse possível.

Ora convém dizer que essas viagens só foram possíveis porque existe uma fundação sem fins lucrativos que vira o mundo do avesso para realizar o sonho de doentes em fase terminal.

Chama-se Fundação Ambulância do Desejo, fica em Murcia, precisamente, mas nasceu nos Países Baixos, antes de se espalhar por mais de dez países. Nasceu aliás de uma forma deliciosa.

Kees Veldboer era um motorista de ambulâncias que um dia foi chamado a transportar um doente terminal que ia mudar de hospital. Veldboer estava a cumprir a tarefa normalmente, mas quando chegou ao hospital de destino foi-lhe dito que ia ter de aguardar: a cama ainda não estava livre.

O motorista voltou para a ambulância e perguntou ao paciente se havia alguma coisa que ele gostasse de fazer. O homem disse que toda a vida tinha sido marinheiro e que desejava muito visitar o porto de Roterdão antes de morrer. Veldboer levou-o lá e ficou tão impactado com a alegria da pessoa que uns dias depois voltou ao hospital para levar o homem a velejar por uma última vez.

Esse doente, Mario Stefanutto, acabou por falecer e deixou um bilhete para o motorista da ambulância. «Fez-me bem saber que ainda há pessoas que se importam com os outros. Um simples gesto pode ter um grande impacto», escreveu. Depois disso, Kees Veldboer decidiu criar uma fundação sem fins lucrativos para ajudar os doentes terminais a cumprir o seu último desejo.

Estávamos em 2006 e chamou-lhe Stichting Ambulance Wens. Ou seja, Fundação Ambulância do Desejo, em português. Desde então já cumpriu mais de mil desejos de doentes terminais, uns mais simples, outros mais difíceis, alguns quase impossíveis.

Houve uma mulher, também de Roterdão, que em 2013 tinha o desejo de conhecer o Papa Francisco antes de morrer. Kees Veldboer foi ao site do Vaticano, descobriu quando o Papa costumava descer a falar com pessoas, fez 1300 quilómetros de ambulância com a paciente e colocou a maca logo na primeira fila em frente à Basílica de São Pedro.

Tal como ele previra, a presença de uma doente numa maca chamou a atenção do Santo Padre, que foi ter com ela, agarrou-lhe na mão e deu-lhe a bênção. Depois disso regressaram a Roterdão e passado alguns dias a mulher faleceu.

Foi esta fundação que em 2017 chegou a Espanha. Num congresso, quatro pessoas ouviram falar da Stichting Ambulance Wens, entusiasmaram-se com a ideia e levaram a fundação para Murcia. Hoje tem mais de 300 voluntários e já concretizou o sonho a mais de cem pessoas.

Em contacto com o Maisfutebol, um porta voz da fundação diz que há histórias impossíveis de esquecer. Conta que uma idosa que estava num lar nunca tinha visto o mar. Tinha esse sonho, mas não o conseguira concretizar. «Levámo-la à praia, pisou a areia e até molhou os pés no mar», conta.

«Uma menina queria passear o cão no parque, coisa que não fazia há muito tempo, porque estava acamada. Então levamos a cama para um caminho junto ao rio, empurrámos a cama e ela agarrou na trela para passear o cão. Uma senhora de Badajoz estava acamada em casa e queria despedir-se da irmã, que tinha falecido. Levámos a maca para o cemitério e ela pôde despedir-se.»

Foi esta fundação que levou Miguel Toral a ver o Betis nos estádios do Granada, do At. Madrid e do Elche. Em alguns casos em longas viagem de mais de seiscentos quilómetros.

Miguel Toral não foi, de resto, um caso normal.

«Foi uma das histórias que mais nos marcou. Quando são crianças em estado terminal é sempre muito duro. Normalmente só concedemos um último desejo, é só uma experiência, mas no caso do Miguel fizemos três viagens e podíamos ter feito mais uma.»

Ainda bem que fizeram três viagens: foi só à segunda que uma fotografia tirada por um jornalista e colocada no twitter tornou esta história viral. Desde então todo o mundo pôde conhecer Miguel, o menino que só queria passar uns bons momentos, porque era isso que levava do futebol.

Que descanse em paz.