Não é o Sítio do Pica-Pau Amarelo. É o Sítio de São Francisco.

Não é a fábula do Visconde de Sabugosa, da boneca de pano Emília, da dona Benta ou do Saci-Pererê, mas conta a história da família Possignolo.

Não tem Gilberto Gil a cantar «Marmelada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo», embora haja gente aos saltos e a dançar.

Em Piracicaba, interior de São Paulo, há festa e não é para menos. Lucas, o benjamim de uma árvore genealógica com raízes em Itália e arraiais assentados no Brasil a partir do final do século XIX, é o homem do momento.

Eram 19h25 em Lisboa. 15h25 no Sítio de São Francisco, que não tem pica-paus.

Lucas, o mais novo dos Possignolo, saltou mais alto e mais decidido do que toda a defesa do Benfica. Cabeceou com força e a bola passou pelo meio das pernas de Vlachodimos, só para tornar tudo mais encantador. Pelo menos em Piracicaba.

O Portimonense fez história. Lucas fez história. «Está a ser um dia diferente, admito. O clube nunca tinha conseguido ganhar na Luz. Estou a receber reações incríveis, parabéns de todo o lado. Foi difícil adormecer e acordar», conta o defesa ao Maisfutebol, num dia naturalmente agitado. Por muitos e bons motivos.

Lucas Possignolo está a chegar aos 200 jogos pelo emblema algarvio – tem 189 – e já fez 11 golos. O da Luz, confirma, é «o mais especial de toda a carreira», mas não o mais belo.

«Não foi o mais bonito, não. Poucos sabem que marquei um golo ao União da Madeira num livre direto, ainda antes da linha do meio-campo, na II Liga [20 de agosto de 2016], e melhor do que isso é quase impossível (risos).»

VÍDEO: o golo de Lucas Possignolo marcado antes do meio-campo

«Fiquei sete anos nos São Paulo, só me faltou a equipa principal»

Possignolo está em Portugal há sete anos. «Feliz numa zona maravilhosa», ao lado da esposa e da filha, o defesa central tem uma vida que em criança lhe chegou a parecer impossível.

Eu nasci em Piracicaba, uma pequena cidade no interior de São Paulo. Os meus pais têm um sítio [quinta], somos uma família humilde e tenho uma irmã mais velha. Eu cresci nesse lugar, rodeado de natureza, onde o meu pai faz cultivo e tem plantações de cana de açúcar e soja.»

Esse será sempre o Sítio de Lucas e só o futebol o roubou desses dias «de sol interminável» e «muitas brincadeiras» nos campos ao lado de casa. Eram tempos em que a fantasia mágica do lugar onde o pica-pau era amarelo tocava, de facto, nas terras de São Francisco.

Cuidado com a Cuca, que a Cuca te pega.

«Eu acompanhava o meu pai, ajudava naquilo que eu podia e sabia, mas o futebol levou a melhor. Os meus pais sempre me apoiaram, acompanhavam-me para todo o lado e a partir de dada altura perceberam que eu podia mesmo ser profissional», diz o homem que decidiu o último Benfica-Portimonense.

«Costumo dizer que os meus pais plantaram soja, cana de açúcar, mas também o futebol dentro de mim. A semente deu nisto que vocês já conhecem em Portugal.»

Lucas Possignolo com a braçadeira de capitão nos sub19 do São Paulo

Lucas Possignolo dividia os dias entre a escola, o cultivo da família e o futebol com os amigos. Começou por querer ser avançado e só no XV de Piracicaba, aos 14 anos, passou para defesa central. Zagueiro.

«Era dos mais altos e dos mais fortes. Adaptei-me bem e aos 15 anos fui para o Ponte Preta, onde fiz um grande campeonato», conta Lucas Possignolo.

É nessa fase que surge o gigante São Paulo no percurso e a cana de açúcar passa a ser uma mera memória do realismo mágico. Cada vez mais distante, ficcionada, qual episódio do Sítio do Pica-Pau Amarelo e toda aquela cor carregada de imaginação e fantástico.

Vivi na academia do São Paulo, em Cotia, e fiquei sete anos ligado ao clube. Assinei contrato profissional e só me faltou jogar na equipa principal. Só posso agradecer ao São Paulo, apesar de tudo. A estrutura era fortíssima, apoiaram-me sempre nos estudos, tive aulas de inglês e espanhol. As condições eram muito boas.»

«Tenho o sonho de jogar pela seleção de Portugal»

Lucas envergou a braçadeira de capitão nos sub19, brilhou na Copa São Paulo e foi descoberto por Theodoro Fonseca [acionista maioritário da SAD do Portimonense] depois de um jogo contra o Atlético Mineiro.

«Depois dessa Copa São Paulo, o senhor Theodoro [Fonseca, acionista maioritário do Portimonense] viu um jogo nosso contra o Atlético Mineiro e gostou do meu futebol. Eu fui de férias para Piracicaba e recebi um telefonema das pessoas do São Paulo. Falaram-me do interesse do Portimonense e aceitei o desafio. Ainda bem que o fiz.»

Fã de «Thiago Silva e Sergio Ramos, as maiores referências», Lucas Possignolo apaixonou-se pelo Algarve. Já teve grandes momentos, exibições elogiadas – marcou ao FC Porto em fevereiro de 2018, mas os dragões golearam por 5-1 – e agora, só agora, merece as atenções das primeiras páginas dos jornais.

Onde vai parar Lucas Possignolo, um algarvio com sotaque brasileiro? «Tenho o sonho de jogar por Portugal e por um dos grandes, mas adoro o Portimonense. Estou cá muito bem, sinto-me bem no país, sinto-me português e não escondo que esses são objetivos meus.»

«Tranquilo no campo», Lucas adora «sair a jogar com a bola no pé», considera-se «rápido e com bom jogo de cabeça» - Vlachodimos que o diga -, além de «cumprir sempre taticamente».

Do Sítio de São Francisco, dos campos de cana de açúcar e de soja, para a relva da Luz. Um herói algarvio.

O que haveria Gilberto Gil de cantar a Lucas Possignolo?

«Boneca de pano é gente
Sabugo de milho é gente
O sol nascente é tão belo

Sítio do Pica-Pau Amarelo
Sítio do Pica-Pau Amarelo.»