Old Trafford, 20h00 desta terça-feira. Começa a jogar-se o acesso à final da Taça da Liga ingles, no banco do Manchester United estará José Mourinho e no do visitante, o Hull City, Marco Silva. A afirmação dos treinadores portugueses no futebol internacional nos últimos anos é evidente, mas ainda assim aquilo que acontecerá esta noite é raro, um duelo luso nos bancos a este nível. Um duelo, este, entre treinadores de gerações e percursos bem diferentes. Que, já se sabe, se vai multiplicar por três nas próximas semanas.

Marco Silva é apenas o terceiro treinador português a chegar ao primeiro nível do futebol inglês, depois do próprio Mourinho e de André Villas-Boas. Carlos Queiroz já tinha lá estado, mas como adjunto de Alex Ferguson no Manchester United.

Mourinho e Villas-Boas defrontaram-se por uma vez, em setembro de 2013, a única com o futebol inglês como cenário até agora. Villas-Boas treinava o Tottenham, ele que na época anterior tinha trocado o FC Porto pelo Chelsea, mas deixou Stamford Bridge ainda em março.  E Mourinho estava precisamente de volta ao Chelsea, sete anos depois de sair, de ter sido campeão europeu com o Inter e ter passado três épocas no Real Madrid. O jogo em White Hart Lane terminou empatado a um golo, depois de uma semana de muita expectativa à volta do duelo entre dois treinadores que tinham um longo passado comum.  

Agora é diferente. José Mourinho e Marco Silva nunca trabalharam juntos. São aliás de gerações diferentes, como lembrou o treinador do Chelsea, que não se fez rogado para apadrinhar a chegada de Marco a Inglaterra.

Uma das primeiras coisas que a imprensa inglesa recordou aliás sobre Marco Silva foi a forma como Mourinho se lhe referiu em novembro de 2015, quando Marco Silva, no Olympiakos, defrontou o Arsenal na Liga dos Campeões. Dizia Mourinho: «O Arsenal está num grupo onde um miúdo meu amigo é treinador do Olympiakos. Seria fantástico para a carreira do miúdo seguir em frente. Por isso tenho de ser honesto e dizer que gostava que o miúdo e o Olympiakos seguissem em frente.»

A simpatia entre Mourinho e Marco já vinham de antes. Os dois treinadores defrontaram-se em 2014, na fase de grupos da Liga dos Campeões. O Chelsea venceu em Alvalade por 1-0 e voltou a ganhar em Stamford Bridge na última ronda, por 3-1. Foi nessa altura que se conheceram e, depois de Mourinho ter elogiado o trabalho que o rival tinha feito no Estoril antes do jogo, no final da partida Marco retribuiu. «Ainda não o conhecia, mas foi uma conversa agradável», disse o então treinador do Sporting na sala de imprensa de Alvalade: «Não quis dizê-lo ontem na conferência de imprensa, mas posso dizê-lo hoje: José Mourinho é um treinador que eu admiro e é um treinador que penso que mudou a mentalidade do que é o treinador português.»

Agora, com Marco Silva na Premiership, Mourinho repetiu o discurso simpático sobre o «miúdo». «Estou ansioso por ter aqui outro português, neste caso um de uma geração mais jovem do que eu», disse: «É conhecido em Portugal como um dos bons jovens treinadores. Foi para a Grécia e ninguém sabe o que ele fez na Grécia, ninguém sabe que ele foi campeão. Agora vem para a grande Liga, é uma grande oportunidade para todos. Espero que perca três jogos e vença todos os outros.»

Marco Silva foi recebido com alguma desconfiança pela opinião pública inglesa, um nome desconhecido para um clube em grandes apuros, mas Mourinho também tentou ajudar nisso. «Começou de baixo, não teve logo um clube de topo, esteve bem num clube pequeno em Portugal, depois foi parao Sporting, um dos três primeiros, ganhou a Taça de Portugal. Foi para a Grécia, foi campeão com o Olympiakos», explicou: «Para mim é muito estável, apesar de ser jovem é experiente, porque é muito estável, muito maduro. Espero que lhe corra bem. Mas todos sabemos que na Premier League quando se está no fundo é difícil dar o salto, mas ele vai de certeza tentar.»

Marco retribuiu a simpatia. Depois, claro, de ter de se distanciar das comparações com Mourinho que lhe quiseram colocar logo à chegada. Começou pela forma como se definiu, quando lhe perguntaram como se intitulava ele, depois de Mourinho se ter apresentado em Inglaterra, em 2004, como o «Special One». «Sou só o Marco Silva.»

«Não é justo comparar. O Mourinho é o Mourinho, os outros treinadores são os outros treinadores. Para nós é fantástico tre dois treinadores portugueses frente a frente em Old Trafford, mas é só isso», disse Marco na antevisão do jogo: «Jogamos contra uma grande equipa, é um jogo muito duro para nós de certeza, vamos ver o que acontece. Vai ser bom ver o Mourinho, de certeza que vamos conversar um pouco, mas durante 90 minutos somos adversários. O Mourinho vai tentar ganhar e eu vou tentar o mesmo.

«Mourinho é Mourinho. É uma pessoa fantástica, como treinador sabem o que ele ganhou. É um amigo também. É um orgulho para todos os portugueses o que ele já fez e continua a fazer», insistiu Marco.

A outra diferença deste duelo britânico entre Mourinho e um rival português é, claro, o favoritismo. Tal como em 2013, o «Special One» treina um dos grandes de Inglaterra, mas o treinador do outro lado está a lutar pela sobrevivência. Marco Silva assumiu o «lanterna vermelha» da Premier League, um clube com muitas dificuldades.

O antigo treinador do Estoril, Sporting e Olympiakos entrou no Hull a ganhar, eliminando o Swansea da Taça de Inglaterra. Agora segue-se um duplo confronto nas meias-finais da Taça da Liga. Mourinho diz que vai encarar a decisão muito a sério, sem poupar jogadores. Marco Silva admitiu na antevisão da partida que o objetivo do Hull é levar a decisão para casa: «Vamos tentar deixar o resultado aberto para o segundo jogo. É o nosso objetivo para este jogo.»

José Mourinho já tinha estado no primeiro duelo entre treinadores portugueses no estrangeiro num dos grandes campeonatos, quando defrontou Jesualdo Ferreira, então no Málaga, em 2010, um encontro que o Real Madrid venceu por 4-1. Recorde aqui outros confrontos anteriores entre técnicos portugueses.

Nas últimas épocas os duelos de treinadores nacionais passaram também pelo grande palco que é a Liga dos Campeões. Villas-Boas, no Zenit, jogou com o Valencia, então de Nuno Espírito Santo, na fase de grupos de 2015 e na época anterior tinha defrontado também na primeira fase o Monaco de Leonardo Jardim. E a equipa do Principado, de novo com Jardim no banco, eliminou já esta época o Fenerbahce, então treinado por Vítor Pereira, no play-off de acesso à Champions.