É como ver o mundo ao contrário, olhar para a classificação dos Países Baixos e encontrar o Ajax no penúltimo lugar. O gigante de Amesterdão atravessa uma crise profunda, mas não é o único histórico a viver por estes dias uma época em modo de pesadelo.

Em França, o Lyon está no último lugar do campeonato. Tal como o Basileia, na Suíça. E há ainda o Santos, lá do outro lado do Atlântico, em risco de cair de divisão pela primeira vez na história. Casos e circunstâncias diferentes entre si, mas que têm em comum uma espiral negativa sem fim à vista. 

Ajax, um gigante a implodir

Penúltimo no campeonato, sem vencer há oito jogos, a viver o pior arranque de sempre. O Ajax, quatro vezes campeão da Europa, 36 vezes campeão neerlandês, é um gigante a atravessar uma crise gigante, sem fim à vista. Agora saiu o treinador, antes tinha caído o diretor desportivo, há um diretor-geral interino e uma estrutura a implodir no clube que vinha de três títulos de campeão consecutivos antes do terceiro lugar da época passada, e que há apenas quatro anos esteve a um minuto da final da Liga dos Campeões.

Dessa equipa que encantou a Europa na caminhada até à meia-final perdida para o Tottenham em 2019 já nada resta em Amesterdão. Nem os jogadores, nem o treinador Erik Ten Haag, nem a estrutura por detrás de um modelo invejado pela capacidade de potenciar talento, em campo e no mercado.

O ano de 2022 marca o início da espiral que conduziu o clube a este momento. Em fevereiro era anunciada a saída de Marc Overmars. O antigo internacional, há uma década no Ajax como diretor-desportivo, foi acusado de assédio por funcionárias do clube e a demissão foi a saída encontrada para tentar limitar os danos. Não ficou desempregado por muito tempo, pouco mais de um mês depois assumiu o mesmo cargo no Antuérpia.

O lugar deixado vago por Overmars, para muitos o principal responsável pela forma hábil como o Ajax abordava o mercado, foi a primeira brecha e o clube não voltou a encontrar sucessor à altura.

Mas houve mais mudanças. No verão de 2022 saiu Ten Haag, para assumir o Manchester United, bem como muitas das referências do Ajax em campo, como Haller, Gravenberch, Lisandro Martínez ou Antony.

Chegou muita gente, mas a perda de qualidade foi evidente e no final da época, depois de uma mudança de treinador, com Heitinga a terminar a época no banco na sequência do despedimento de Alfred Schreuder, o Ajax terminou o campeonato no terceiro lugar, fora do acesso à Liga dos Campeões. Já estava mal, mas piorou.

Em maio, o clube viu sair outra referência. Edwin Van der Sar deixou vazio o lugar de diretor-geral, assumindo que já não lhe era possível lidar com a pressão. «Estou exausto», disse o antigo guarda-redes, que dois meses mais tarde sofreu uma hemorragia cerebral.

Para a nova época, além do treinador Maurice Steijn, um técnico cuja principal nota de currículo era o sexto lugar na Eredivisie com o Sparta Roterdão na temporada anterior, chegou para diretor-desportivo o alemão Sven Mislintat. Com um percurso de scouting que incluía passagens pelo Dortmund e pelo Arsenal, Mislintat foi responsável por uma janela de transferências marcada por muitas saídas, como as de Kudus, Jurrien Timber ou Edson Alvarez, mas que gastou também mais de 100 milhões de euros numa dúzia de reforços, a maioria dos quais não conseguiu ainda justificar a aposta. Mislintat durou pouco. Deixou o clube ainda em setembro, vítima dos maus resultados no arranque da época, mas também no meio de suspeitas sobre o processo da contratação do croata Borna Sosa, que terá sido feita através de uma agência com ligações a uma empresa sua.

No meio disto tudo, o Ajax virou-se para… Van Gaal. No início de outubro, o histórico treinador aceitou sair mais uma vez da reforma para assumir como assessor do clube que em 1995 levou à conquista da Liga dos Campeões. A partir do Algarve. «A minha vida é sobretudo em Portugal e isso enquadra-se no papel de conselheiro externo. O nosso caminho desportivo precisa de dar uma volta positiva e todos nós temos de fazer a nossa parte», disse o técnico de 72 anos.

Mas essa volta positiva ainda não aconteceu. O Ajax tem apenas duas vitórias em 11 jogos esta época. Já marcada por momentos penosos, como o clássico frente ao Feyenoord, interrompido por protestos violentos dos adeptos e retomado dias mais tarde, para terminar com uma derrota penosa, 0-4. Ou, no fim de semana passado, a derrota com o lanterna vermelha Utrecht, por 4-3. Tem dois jogos em atraso, mas nesta altura está no 17º lugar, com cinco pontos. Maurice Steijn, que é, segundo a Opta, o treinador com pior média de resultados na história do clube, não resistiu e foi despedido.

Portanto, agora o Ajax também está também à procura de treinador. Para já, Hedwiges Maduro, o antigo médio que faz parte dos quadros técnicos do clube, estará no banco nesta quinta-feira no jogo da Liga Europa frente ao Brighton, onde o Ajax procura a primeira vitória na prova, depois de dois empates, como AEK Atenas e Marselha. E no próximo domingo o Ajax defronta o PSV Eindhoven, líder invicto da Eredivisie.

Lyon, da hegemonia à lanterna vermelha

Nove jogos, zero vitórias, três pontos. Na espiral negativa do Lyon, o clube que no início do século somou sete títulos de campeão francês consecutivos, cabe uma crise de resultados, contestação dos adeptos e problemas também no balneário – o treino desta terça-feira, segundo noticiou o L’Equipe, terá sido cancelado pelo treinador Fabio Grosso, irado com supostas fugas de informação para a imprensa.

Já vão longe os tempos em que o Lyon dominou o futebol francês e foi campeão ininterrupto entre 2002 e 2008, uma hegemonia assente em equipas recheadas de talento e craques do nível de Juninho Pernambucano ou Benzema. O equilíbrio de forças mudou com a ascensão do PSG, à força dos petrodólares do Qatar. O Lyon perdeu o ascendente e passou por períodos mais irregulares, mas também teve marcos importantes, como a presença na meia-final da Liga dos Campeões em 2020.

Os últimos anos foram marcados por maior instabilidade e por uma mudança estrutural, com o fim da liderança de Jean-Michel Aulas, o presidente que liderou o clube nos anos dourados, e a compra do Lyon pelo norte-americano John Textor, que é também o dono do Botafogo e do Molenbeek, na Bélgica.

Textor chegou em 2022 e reforçou a sua posição no clube já neste defeso, que ficou marcado por muitas saídas e poucas entradas, com a gestão corrente limitada pelo órgão de controlo financeiro do futebol francês. O novo dono do clube manteve no banco Laurent Blanc, o treinador que tinha pegado na equipa a meio da época e terminado no sétimo lugar, mas por pouco tempo. O antigo campeão do mundo saiu ao fim de quatro jogos, sem qualquer vitória.

O italiano Fabio Grosso, antigo jogador do Lyon que vinha de três épocas à frente do Frosinone, foi o escolhido para a sucessão. Mas os resultados não melhoraram. Com Grosso no banco, o Lyon ainda não ganhou.

Ainda há muito por jogar e ninguém quer acreditar que o Lyon não conseguirá fugir aos lugares de despromoção. Mas Anthony Lopes, que tem uma vida inteira dedicada ao clube, deixou um alerta sério depois da derrota do último fim de semana frente ao Clermond, que entregou a lanterna vermelha ao Lyon. «Estamos numa situação muito complicada», disse o guarda-redes português de 33 anos: «Até aqui só fizemos coisas más. Agora é preciso avançarmos todos juntos.»

Basileia, porta-aviões no fundo

Percorrendo a classificação do campeonato suíço, é preciso chegar ao último lugar para encontrar o Basileia. Esse mesmo, o clube que somou oito títulos de campeão consecutivos entre 2010 e 2017 e que foi presença regular na Liga dos Campeões.

A época em que chegou aos oitavos de final, depois de uma fase de grupos em que venceu o Manchester United e goleou o Benfica, com um inapelável 5-0, foi também a última de hegemonia do Basileia no futebol suíço.

Com a ascensão do Young Boys e mudanças internas a nível de gestão, o Basileia não voltou a ser campeão. Tem feito percursos algo irregulares, como atesta a época passada, em que chegou à meia-final da Liga Conferência mas não foi além do quinto lugar no campeonato. Esta época, tudo piorou para o clube onde chegou no defeso o português Renato Veiga, oriundo do Sporting.

O alemão Timo Schulz foi o treinador eleito para começar a época, mas foi despedido no final de setembro, depois do pior arranque do Basileia em três décadas. Em sete jogos no campeonato, tinha apenas uma vitória. David Degen, o antigo jogador que assumiu a presidência do clube em 2021, optou por colocar no cargo Heiko Vogel, que tem alternado entre o papel de diretor desportivo e de treinador e já tinha terminado a época passada no banco. Mas Vogel soma, para já, três derrotas em outros tantos jogos.

Santos, o Peixe à beira do abismo

Internacional-Santos, 7-1. Uma goleada de escândalo a acentuar a crise de um histórico, na véspera do aniversário de Pelé, o astro que se fez Rei na Vila Belmiro. A dez jornadas do fim do Brasileirão, o Santos está em zona de despromoção, no antepenúltimo lugar.

O estrondo da derrota em Porto Alegre na última jornada reacendeu os alarmes no Peixe, que até parecia estar a dar sinais de recuperação com o quarto (sim, o quarto) treinador da época.

Odair Hellmann começou a temporada, depois seguiu-se Paulo Turra, que ficou apenas por sete jogos, antes de rumar ao V. Guimarães, de onde já saiu também. O terceiro técnico da época foi Diego Aguirre, que só durou cinco jogos. Agora assumiu Marcelo Fernandes, crónico bombeiro de serviço no clube, que venceu os primeiros três jogos no banco, mas entretanto já sofreu duas derrotas seguidas.

Numa época em que caiu cedo no campeonato paulista e foi eliminado na fase de grupos da Taça Sul-Americana, o clube que foi oito vezes campeão do Brasil está há muito longe dos títulos: o último troféu que venceu foi o Paulista, em 2016. Agora, corre contra o tempo para tentar evitar ser despromovido pela primeira vez na sua longa história.