No próximo verão, nos relvados brasileiros, não será difícil antecipar as seguintes tendências de moda: camisola branca, calção branco, meia branca. Camisola vermelha, calção vermelho, meia vermelha. Camisola verde, calção verde, meia verde. Camisola azzzzzzzzzzzzzzzzzz...

As principais marcas de material ainda fazem as últimas contas às perdas e ganhos do play-off, mas o Mundial-2014 começa a candidatar-se ao título de mais monótono de sempre. Pelo menos, no que diz respeito à variedade dos equipamentos. Embora várias seleções ainda não tenham divulgado os modelos que vão usar na fase final – algumas só o fazem em fevereiro - o que já tem sido visto nos anúncios oficiais, ou nas fugas de informação «plantadas» regularmente na net, confirma que a tendência principal da moda 2014 é a normalização e a monocromia.

Na semana passada, o novo equipamento principal da Espanha - todo vermelho, sacrificando os tradicionais calções azuis que mantinha desde os anos 20 - e da Alemanha - todo de branco, abdicando dos calções pretos que a acompanhavam desde a década de 30 – foram o pretexto para que vários adeptos, em fóruns, sondagens e redes sociais, e colunistas, em artigos de opinião, manifestassem indignação com o aparente desvirtuar das tradições.


Itália-Alemanha, a estreia da nova Mannschaft

Nos casos referidos, os equipamentos eram da marca Adidas, mas críticas semelhantes já tinham sido feitas a propósito da mudança semelhantes em seleções equipadas por concorrentes, como a Nike e a Puma. A tendência, que começou a desenhar-se em meados da década passada, é transversal a marcas e é – em parte – provocada por uma alteração nos regulamentos da FIFA dos últimos Mundiais.

Um claro e um escuro

Começando pelo óbvio, convém esclarecer que a definição dos equipamentos é regulada pela FIFA ou pelas confederações continentais nas grandes provas internacionais. A escolha das cores com que joga cada equipa, na fase final, compete ao Comité Organizador da competição, que as define jogo a jogo. Caso não haja conflito, as duas equipas jogam com o equipamento principal. Caso as cores se confundam, há regras para definir quem muda o quê. E essas regras modificaram-se entre 2006 e 2010.

Em 2006, o documento da FIFA para o Mundial da Alemanha dava rédea livre às seleções no que diz respeito à escolha de cores. O artigo 27º, nº2, definia apenas que «cada equipa deve ter, além do equipamento oficial, um de reserva, comunicado na inscrição. As cores devem ser marcadamente diferentes das do equipamento principal». Depois, na fase final, um eventual choque de cores ficava resolvido pelo Comité Organizador da seguinte forma: «Se as cores das equipas se confundirem, a equipa A da ficha de jogo pode manter o equipamento oficial e a equipa B joga com o de reserva. Se for necessário, as duas equipas podem ter de usar uma combinação dos equipamentos principal e reserva».

Ora era este último ponto que criava situações de desagrado, quer aos fabricantes de material desportivo (que consideravam a combinação dos dois equipamentos um desvirtuamento da criação original) quer aos representantes das federações, que em muitos casos sentiam que o equipamento «misto», imposto pela FIFA, não respeitava a a tradição e as cores de cada país.

Daí que a partir do Mundial 2010 as regras do jogo tenham mudado: o artigo 32º do regulamento para o Mundial sul-africano – copiado sem alterações para o do Mundial 2014 - já definia que os equipamentos de cada seleção tinham de ser «um predominantemente escuro e outro predominantemente claro», incluindo nessa obrigação «camisola, calções e meias». A formulação, algo ambígua, indicava um caminho. Os fabricantes de equipamento desportivo seguiram as diretivas, criando novos hábitos: em 2006, apenas sete seleções (incluindo Portugal e a campeã Itália) equipavam da cabeça aos pés com a mesma cor. Em 2010 já eram 13. Em 2014, e faltando ainda conhecer-se oito apurados, é provável que o número final seja superior a 20.

«Criar uma mancha única»

A tendência sugere uma aproximação à NBA, onde as equipas jogam com equipamento claro (em casa) ou escuro (fora) com a mesma cor da camisola até às meias. Com seis seleções confirmadas no Brasil e mais cinco no playoff, a Nike tem vários exemplos dessa aproximação nos últimos anos. Em 2010 a Inglaterra trocou o calção azul do equipamento principal pelo branco, e no equipamento alternativo jogou várias vezes com vermelho da cabeça aos pés. A Holanda passou a abdicar quase sempre do calção preto (ou branco) para acentuar a mancha laranja.

A mudança mais drástica aconteceu com a França, que com a mudança de fornecedor (foi Adidas até 2010) abdicou da mancha tricolor (azul-branco-vermelho) por um azul integral. Indicações da FIFA? A resposta dada ao Maisfutebol pelo departamento de comunicação da Nike deixa entendê-lo: «A FIFA tem diretrizes internacionais no sentido de gerar o menor impacto visual em campo durante os jogos e a Nike respeita essas diretrizes. Para além disso, a Nike tenta manter elevados padrões de criatividade (. . .) respeitando a identidade de cada federação e país».


Equipamentos tricolores: um tempo que já lá vai

Já diretor desportivo da Federação Portuguesa de Futebol, Carlos Godinho, rejeita a ideia de que tenha sido a FIFA a impôr a Portugal um equipamento monocromático, depois de três décadas a utilizar calção verde e camisola vermelha e de um breve regresso, no Mundial 2010, ao calção branco celebrizado na década de 60. «Não é por exigência da FIFA, é porque as federações e as marcas querem evitar que se mudem apenas partes do equipamento (só os calções ou só as meias) porque isso pode descaracterizá-los. Assim, se houver semelhanças entre o equipamento principal de duas equipas, uma usa o principal e o outro o alternativo, não há mais confusão possível», diz, acrescentando que as federações não abdicam de ter a última palavra, perante as propostas das marcas, que habitualmente são feitas a cada dois anos, antes das grandes competições.

Sónia Fernandes, das relações públicas da Adidas (sete seleções apuradas, mais cinco no playoff), confirma a ideia que preside aos últimos modelos apresentados pela marca que representa: «É acima de tudo uma opção estética. A tendência é para criar, cada vez mais, no principal e no alternativo, uma mancha única de cor, para evitar ruído» resume. Com mais ou menos lamentos e críticas, o processo está em marcha, e estende-se até a seleções com equipamentos característicos, como Brasil, Colômbia e Equador, que mantiveram a típica camisola amarela, mas passaram a jogar habitualmente com calção e meias brancas, sacrificando a tradição tricolor. Já a Argentina pôs de lado o calção preto, usando agora o branco para complementar a tradicional camisola alviceleste. As riscas, por enquanto, sobrevivem. Por quanto tempo, não se sabe.

As marcas que equipam os finalistas do Mundial-2014

ADIDAS: Espanha, Alemanha, Rússia, Japão, Nigéria, Colômbia, Argentina
NIKE: Brasil, Coreia do Sul, Austrália, Holanda, Inglaterra, EUA
PUMA: Itália, Suíça, Costa do Marfim, Chile, Camarões
LOTTO: Costa Rica
JOMA: Honduras
MARATHON: Equador
UHLSPORT: Irão
LEGEA: Bósnia
BURRDA: Bélgica

Nos playoff:

PUMA: Gana, Argélia, Burkina Faso e Uruguai
ADIDAS: Ucrânia, Roménia, Suécia, México, Egito
NIKE: Portugal, França, Grécia, Nova Zelândia, Croácia,
JAKO: Jordânia
ERREA: Islândia

A negro as seleções com equipamento principal de uma só cor