*com Bruno José Ferreira

O êxito imediato de João de Deus ao serviço do Gil Vicente fez aguçar a curiosidade de todos em torno deste técnico ainda jovem que, no seu primeiro ano na Liga principal, consegue levar a equipa ao quarto lugar, na nona jornada.

António Fiusa já lhe colocou um rótulo: um milhão de euros. O treinador agradece, mas não se entusiasma por aí além.

Pelo meio da conversa fala ainda de algo que não parece mas é: o Gil ainda não perdeu em casa, mas a vida tem sido sempre muito complicada.

O presidente António Fiúsa disse que o João de Deus estava salvaguardado com uma cláusula de um milhão de euros. Este número dá-lhe mais responsabilidade?

Não me dá responsabilidade nenhuma. É exatamente a mesma do dia em que cá cheguei. O que quero é chegar ao fim do contrato e que as pessoas que apostaram para mim digam: valeu a pena apostar neste indivíduo.

A estabilidade do Gil, de quem não se ouve falar de problemas com salários em atraso, por exemplo, ajuda no seu trabalho?

Não há nenhum clube em Portugal que viva desafogadamente. Todos têm problemas. Felizmente o presidente e a direção têm conseguido ultrapassar esses problemas, com maior ou menor dificuldade. Isso é determinante para que as cabeças estejam sempre limpas.

O Gil ainda não perdeu em casa. Vai ser difícil ganhar em Barcelos?

Vai ser difícil ganhar ao Gil em Barcelos e também vai ser difícil ao Gil ganhar em Barcelos. Em casa, ganhámos um jogo por mais de um golo de diferença. Com uma pontinha de sorte poderíamos ter ganho o que empatámos [ndr. Olhanense] e com uma pontinha de azar poderíamos ter perdido quase todos os que ganhámos. É muito equilibrado.

Festejaram muito os triunfos com Braga e Académica...

Somos conscientes e sabíamos que estes jogos estavam num grupo terrível de quatro, junto com as deslocações à Luz e ao Dragão. Se não ganhássemos aqueles jogos poderíamos ficar em maus lençóis. E, depois, com o Braga foi realmente espetacular e mesmo com a Académica, porque também foi com um a menos, também foi espetacular. Foi mais por isso que festejámos assim.
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Foi um desafio a construção do plantel? Foram contratados 16 reforços, foi uma aposta de risco?

Este é o segundo ano que o Gil Vicente tem o departamento de scouting, que faz uma triagem sobre os melhores jogadores que jogam nas divisões abaixo. Naturalmente que quando cheguei havia uma listagem de jogadores identificados. Vinha de um clube de Segunda Liga, conhecia a realidade e sabia, por exemplo, que o Diogo Viana não era um jogador para ver se vai dar ou não vai dar. Não há dúvidas em relação a um Diogo Viana, a um Vítor Gonçalves, a um [Leandro] Pimenta ou a um Simi. Por aí, foi um trabalho muito bem feito pelo scouting. Acredito que não tenha sido uma aposta de risco. Depois há jogadores que vieram com quem já trabalhei, com o Caleb por exemplo. Antes de ir para o Atlético esteve a fazer uma experiência na Oliveirense, por isso o Jorge Silva já o conhecia. Também já tinha trabalhado com o Pimenta e com o Avto.

Houve uma mudança evidente de paradigma na política de contratações do ano passado para este ano. Foi uma junção de vontades do clube e do João de Deus?

Ao criar um departamento de scouting obviamente que o mercado nacional fica muito mais coberto e eu também não escondo que prefiro trabalhar com atletas que estão adaptados à nossa realidade do que com os outros que terão que vir de fora e necessitam de se adaptar a esta realidade. Foi uma junção de ideias.

Que papel tem João Vilela no seu Gil Vicente, ele que foi utilizado em todos os jogos. Foi João de Deus que conseguiu potenciar o melhor João Vilela de sempre?

«O João é um grande jogador. O João Vilela não é um grande jogador este ano, já no tempo em que estava no Benfica se dizia que o João Vilela ia ser um grande jogador. Por este ou por aquele fator não conseguiu nestes anos ter aquele destaque que merece, porque tem competências para isso. Este ano as coisas estão-lhe a correr bem, fez uma pré-época muito boa, é importante na nossa equipa e ele também sente isso. Isso traz um acréscimo motivacional. É fruto do trabalho dele e da vontade que tem em chegar aquele patamar que um dia lhe disseram que poderia chegar.

Peks foi associado ao Manchester City, Diogo Viana já confirmou publicamente o interesse do Parma antes de rumar ao Gil Vicente e Avto estreou-se pela seleção da Geórgia no Gil. São os jogadores mais valiosos do plantel?


E o Vítor Gonçalves? E o Simi? E o Nélson Agra? E o Pimenta? E o Paulinho? A verdade é que nós, se considerarmos o Alphonse e o Ely, que são dois ativos do clube que estão emprestados, temos onze jogadores jovens até à casa dos 23 anos que têm uma grande margem de progressão. Agora, precisam de ter sorte, não ter lesões, não haver muitos castigos. Precisam que os Adrianos, os Vilelas, os Danielsons, os Halissons e os Césares lhes passem um suporte para eles se sentirem cada vez mais confortáveis. Se assim for poderão ser jogadores importantes no futuro do clube.

Sorriu quando se falou no Diogo Viana e na sua ida para o Parma. Há alguma história por trás do ingresso dele no Gil Vicente?

O Diogo Viana escolheu bem, escolheu aquele que é o clube certo para ele crescer e ele cresce a jogar consecutivamente e a fazer minutos atrás de minutos. Esse é o crescimento que ele precisa. Costuma falar-se em dar um salto maior do que a perna. A mim o que me alegra é que ele na altura com o «El Dourado» na frente, preferiu o passo mais sustentado e a verdade é que a aposta se revelou acertada e está a fazer um início de campeonato muito bom. Acima de tudo percebe a importância que tem dentro da sua equipa. Um jogador que se sente importante está mais motivado para trabalhar e está mais perto do sucesso.

Nos últimos anos em Portugal criou-se a norma de formar jogadores para posteriormente vender. Com tantos exemplos de jogadores com potencial pode ser também um caminho de sustentabilidade do clube?

Não sei o que é que será o Gil Vicente em termos de política desportiva no futuro, o que eu sei é que em termos presentes, o clube organizou-se bem. Fez um trajeto que está inerente àqueles que acabam por ter sucesso. Tem uma política de recrutamento criteriosa. Gostava de ver estes meninos a crescer todos juntos e aqui no clube, mas a isso só o presidente é que poderá dar resposta.