«For me the game is like life: is a short way of living your life fast.»
[«Para mim, os jogos são como a vida: são uma forma curta de vivermos a vida depressa.»]
Jonah Lomu

Um homem calmo, sereno. Um jogador imparável, implacável. Era assim Jonah Lomu, o neozelandês que se elevou e elevou o râguebi ao ponto mais alto. Lomu morreu na manhã desta quarta-feira, dia 18 de novembro de 2015, aos 40 anos.



«É a maior figura de todos os tempos que o râguebi tem a nível individual, a par do que a Nova Zelândia representa a nível coletivo. Nos anos 90, Lomu esteve acima da própria modalidade».

A descrição é feita por Tomaz Morais, o diretor técnico nacional da Federação Portuguesa de Râguebi (FPR). Na Nova Zelândia, as redes sociais dos All Blacks tornaram-se na imagem do seu jogador desaparecido.
 
 

We’re all shocked and deeply saddened at the sudden death of Jonah. Please feel free to leave your condolence messages below.#RIPJonah

Publicado por All Blacks em  Terça-feira, 17 de Novembro de 2015


Jonah Tali Lomu nasceu a 12 de maio de 1975, em Auckland, na Nova Zelândia. Os primeiros anos ainda foram vividos no país dos pais, Tonga. O regresso ainda na infância a Auclkland, para viver num dos bairros mais pobres, Mangere, não foi fácil para ele envolvendo-se em alguma marginalidade.

A entrada para o Wesley College deu-lhe a disciplina que lhe faltava. A paixão pelo râguebi consumou-se. Inicialmente nº8 nas equipas das camadas jovens, as suas caraterísticas físicas foram-no levando para a ponta esquerda onde se fez uma lenda. Lomu tornou-se o jogador mais novo a vestir a camisola dos All Blacks – tinha 19 anos e 45 dias.

Uns meses antes nesse ano de 1994, Tomaz Morais conheceu Jonah Lomu pela primeira vez, tinha o neozelandês ainda 18 anos. Foi no Hong Kong Sevens, «um torneio de um simbolismo incrível» porque «os melhores do mundo iam ali jogar». Os que já eram e os que estavam para ser, como contou o antigo jogador e selecionador nacional ao Maisfutebol.

Num jogo a meio da semana com a Nova Zelândia para preparar o torneio, os portugueses enfrentaram um adversário já com jogadores fisicamente imponentes, mas mais pela genética do que pela preparação atlética. Estavam a dar-se «os primeiros passos do râguebi profissional de hoje», lembra Tomaz Morais, que não se esquece também daquela «cara de miúdo» que tinha Lomu, nem de como o já «jogador sensacional» se mostrou à equipa nacional.

«Nós tínhamos um ponta que era o Curvelo, que era recordista nacional dos 400 metros. Eu passei-lhe a bola e o Curvelo correu mais de 70 metros, mas o Lomu caçou-o de uma forma tal que ficámos sem jogador para o torneio», conta Tomaz Morais: «Ficámos a perceber que ele era uma figura fora do normal.»

E ficaram a ver no fim de semana «aquele miúdo de 18 anos incrível, que chegava com auscultadores nas orelhas», mas que já «era o capitão dos juniores, muito considerado e de grande qualidade» evidenciando-se pela «potência física» e que «procurava o contacto, ir ao choque». «Chegámos a estar três ou quatro à volta dele», recorda do jogo que tinham feito...



À estreia com os All Blacks, seguiu-se o melhor da sua carreira com os mundiais de 1995 e 1999. Mesmo não tendo ganho algum, Lomu é um ícone da mudança que o râguebi sofreu nessa década. O mundo passou a ver outra modalidade que abraçava oficialmente o profissionalismo ao mesmo tempo que nascia a lenda do neozelandês.

Os quatro ensaios na meia-final com a Inglaterra no Mundial de 1995 (em que fez sete) são um expoente do atleta fora de série que deixou, num deles, o inglês Mike Catt a apontar a matrícula do camião que o atropelou e que mostrou a nova forma de jogar.

Tomaz Morais recorda os tempos em que «o râguebi tinha orgulho em ter raízes amadoras». Mas «o desporto só cresce seguindo o caminho do profissionalismo». E «Lomu veio trazer o que o râguebi não tinha». «Os pontas eram do meu tamanho», justifica. Nos anos 1990 apareceu a jogar um ponta de 1,96 metros, 120 quilos e que fazia os 100 metros em 11 segundos.

No Mundial de 1999, o neozelandês terminou a prova com mais oito ensaios feitos. Até ao aparecimento de Lomu a modalidade «não tinha uma grande figura». «Para se expandir e crescer, o râguebi precisava de ter um ídolo, um Pelé, um Maradona». Tomaz Morais frisa que o nº11 dos All Blacks naquela década «encarnou esse papel de forma humilde» ao mesmo tempo que chegou a «estar acima da própria modalidade».



Entre mundiais, Lomu passou pelos primeiros problemas de saúde de que se teve conhecimento publicamente quando lhe foi diagnosticada síndrome nefrótica: uma doença rara que evolui para a insuficiência renal completa. O ponta neozelandês resistiu enquanto pôde. Em 2002 fez o último jogo pelos All Blacks. Em 2003 começou a fazer diálise. Em 2004 fez um transplante renal.

Lomu acabou por regressar à competição, mas o seu trabalho único no râguebi passou a ser feito de outra forma: como seu maior embaixador de sempre. A «Mannschaft», por exemplo, não se esquece da sua visita em 2010, essencial para que a Alemanha vencesse o Mundial 2014.

«Foi inspirador ouvir falar sobre a sua paixão e o trabalho incrível que fez dele o melhor jogador de râguebi do mundo. P ower within [«força dentro de ti»], a tatuagem nas costas de Lomu, tornou-se o nosso lema durante aquele Mundial. Falávamos sobre isso, gritávamos a frase nas reuniões da equipa. Sentia-se que estávamos a melhorar como grupo em todas as áreas, especialmente na união», disse Arne Friedriech no livro «Das Reboot: How German Soccer Reinvented Itself and Conquered the World», de Raphael Honigstein.



Tomaz Morais também tem recordações da «boa pessoa que se transformava quando entrava em campo pela fome de físico que tinha». O diretor nacional da FPR esteve com o neozelandês várias vezes depois do encontro em campo de 1994 e conta como, em março, assinalado os 40 anos do Hong Kong Sevens, ouviu de Lomu as palavras que o «marcaram mais».

«Ele disse-nos que, desde miúdo, nunca se sentiu uma pessoa saudável», conta Tomaz Morais. O assunto diluiu-se por entre a conversa de amigos em que acabaram por ficar a conhecer mais uma faceta deste homem «extraordinário», que «sabia coisas do râguebi português que não se podia imaginar».

Sem títulos de campeão do mundo ou muitas distinções para além da inscrição no International Rugby Hall of Fame, Jonah Lomu é o jogador de râguebi mais famoso de todos os tempos; a par dos já referidos para o futebol, ou de Muhammad Ali para o boxe ou de Michael Jordan para o basquetebol. Por tudo o que significou para a modalidade, como se viu. E, também, pelos 37 ensaios em 63 jogos dos All Blacks, como se vai ver.