A vida de Juary mudou no dia em que ouviu um tiro. Ou, pelo menos, esse instante mudou a forma como Juary olha para a vida. «Estava inserido num projecto de futebol comunitário. Visitava as favelas de São Paulo três vezes por semana», narra ao Maisfutebol a velha glória do F.C. Porto.

«Estava a treinar uma equipa de miúdos e ouvimos um estrondo. Corremos para fora do campo e vimos um rapaz de 13 anos com uma pistola na mão. Tinha acabado de matar uma pessoa. A vida lá é dura, é barra pesada. Nem todos são criminosos, mas o tráfico de droga impõe um clima assustador.»

Nesta fase da conversa, a animação de Juary esvai-se. Em Itália, a arma secreta de Artur Jorge ouviu um estrondo ainda mais dilacerante. «Foi a 23 de Novembro de 1980. Jogava no Avellino e tínhamos ganho ao Ascoli. Fui para casa descansar e acordei com um barulho. Parecia uma bomba, mas era um tremor de terra. Morreram 3500 pessoas», lembra Juary.

«Eu explico ao Villas-Boas como fazer um hat-trick ao Barcelona»

«A psicologia do Artur Jorge fez-me tocar o céu»

«Quando as coisas acalmaram meti-me no carro com o Stefano Tacconi, que depois foi guarda-redes da Juventus e da selecção. Andámos à procura dos nossos colegas, a ver se todos estavam bem. Foi horrível.»

Juary esteve de 1982 a 1985 em Itália, fez golos na Cremonese, no Inter de Milão, no Avellino, no Ascoli e gravou um disco. Sim, Juary foi cantor. «Eu desafinava mais do que uma mula. Mas estava lesionado e quis ajudar as vítimas do terremoto. Por isso aceitei o desafio. O álbum chamou-se Sara Cosi [assim será]. Devo ter vendido aí umas 30 cópias!»

Para Juary o futebol era alegria e só fazia sentido com golos. Criou uma forma original de celebrar e dava sempre uma volta à bandeirola de canto depois de cada remate vitorioso. «Só não festejei assim em Viena. Fiquei tão siderado que corri e ajoelhei-me. Tudo começou no Santos, num jogo que me correu bem. Depois mantive o ritual.»