No dérbi não há Mozart nem Salieri, Beethoven ou Bach. É um local de culto para os amantes do heavy metal, cabeludos e de roupas negras. Sérgio Conceição percebeu-o no limite, mas ainda a tempo.

Convidou o compositor Óliver Torres a sair de um concerto que não era seu, meteu Soares, o rockeiro do golo, e ganhou já na fase do encore, por culpa de um invasor tardio do palco: Hernâni.

O FC Porto agarrou três pontos fundamentais no Bessa e alargou para dez jogos o ciclo de vitórias consecutivas. No Bessa não passam sinfonias clássicas e o treinador do Porto mudou de disco na hora certa. Uma vitória dura, celebrada como se de uma final se tratasse, um jogo para homens de  músculos exuberantes e coração de pedra.

Não foi fácil, nada fácil, por culpa da estratégia escolhida por Jorge Simão. O Boavista interpretou-a à sua maneira e fez os campeões nacionais perderem 30 minutos iniciais em paragens, mais paragens e faltas, num ritmo estrambólico. Como se alguém estivesse a afinar uma guitarra esganiçada sem saber bem como fazê-lo.

DESTAQUES DO JOGO: melhor do que Helton Leite? Só Hernâni

O Boavista levou o dérbi para o estilo que mais lhe convinha, aliás. Montado numa Harley Davidson e com ar ameaçador, o conjunto axadrezado matou quase sempre à nascença a ânsia trovadora dos azuis brancos. Foi como se alguém abrisse um livro de Asterix e visse o pobre bardo amarrado a uma árvore e amordaçado.

O FC Porto não conseguiu jogar durante mais de meia primeira parte.

É verdade que depois dessa meia-hora, Otávio e Brahimi tiveram duas negas de espaço e assustaram o excelente Helton Leite. E que no recomeço Marega obrigou o brasileiro a uma excelente intervenção, mas o Boavista lá ia resistindo, muito organizado e compacto. Sempre extremamente agressivo e faltoso.

Com o avançar dos ponteiros e a urgência dos três pontos a gritar pelo FC Porto, a equipa de Jorge Simão assumiu que o empate chegava muito bem. Baixou ainda mais as linhas e, aí sim, o FC Porto carregou a sério.

Principalmente, lá está, com Tiquinho Soares em campo.

Não que Óliver Torres estivesse mal, porque não estava, mas porque a cara feia do jogo sugeria outro antídoto para resolver o problema do dragão.

FICHA DO JOGO E O FILME AO MINUTO DO DÉRBI

Ainda houve um golo anulado a Herrera, pedidos de penálti do Boavista numa jogada de Rochinha e um falhanço escandaloso de Soares já muito perto do fim.

O Boavista teve muito mérito em controlar relativamente bem o dérbi, principalmente a busca de profundidade de Marega, mas acabaria traído no período de descontos. Morreu, permitam-nos a expressão, a ouvir a música que escolheu. Provavelmente por não esperar que o vizinho do Dragão fosse também capaz de escolhê-la nos seus discos pedidos.

Com Soares, Adrián López e Hernâni – este apenas aos 89 minutos -, o dragão pegou o dérbi pelos colarinhos e mandou dizer que o bar era só seu. Os três estiveram diretamente envolvidos no lance decisivo.

O golo do extremo, tantas vezes criticado, foi um grito de libertação, um triunfo arrancado dos confins da alma. Como se o dragão incorporasse verdadeiramente o espírito do heavy metal.

Para este dérbi, a melodia não podia mesmo ser outra.