Vem aí um FC Porto-Boavista, intenso como sempre e com muito em jogo para os dois clubes, o dragão na luta pelo título e os axadrezados a tentar segurar a continuidade na Liga. Mas diferente também, antes de mais porque não terá no banco nenhum dos dois treinadores. Lito Vidigal e Sérgio Conceição cumprem ambos castigo em simultâneo.

É a segunda suspensão da temporada para o treinador do Boavista, que aliás foi expulso logo na estreia, frente ao Feirense, e castigado com 16 dias de suspensão. Lito, que tinha acabado de chegar ao Bessa depois de deixar o V. Setúbal, foi substituído por Neca. Deverá ser o veterano treinador a assumir de novo a presença no banco frente ao FC Porto.

Sérgio Conceição cumpre pela primeira vez castigo esta época, embora já tenha sido expulso três vezes antes do incidente que motivou a atual suspensão. Antes de mais logo na Supertaça com o Desp. Aves, a abrir a temporada. Depois no encontro com o Desp. Chaves para a Taça da Liga, em setembro. E em dezembro precisamente no dérbi da primeira volta da Liga com o Boavista. Foi multado nas três ocasiões, mas agora foi mesmo suspenso, num castigo que chegou depois de um incidente com um adepto no final do jogo com o Sp. Braga.

Um jogo sem ambos os treinadores principais não é normal. Mas não é inédito e já aconteceu aliás precisamente também nesta temporada: em meados de janeiro, no Desp. Aves-Sp. Braga para os quartos de final da Taça de Portugal. José Mota e Abel Ferreira tinham sido expulsos na jornada anterior e nenhum deles esteve no banco. Mota, que entretanto assumiu o Desp. Chaves, deixou aliás o clube depois dessa eliminação.

Essa tinha sido a terceira expulsão de Abel, o técnico, a par de Conceição, que mais vezes deixou o banco mais cedo esta época. No caso de Abel, todas na Liga. O treinador do Sp. Braga voltou aliás a ser expulso na jornada passada, frente ao FC Porto, tendo pago desta vez uma multa de 765 euros.

Agora coube a Lito Vidigal e Sérgio Conceição. O que levou desde logo a um dérbi antecedido de… silêncio, porque os treinadores e os clubes não fizeram as habituais conferências de imprensa de antevisão do jogo. Ambos darão o lugar aos seus adjuntos, com Vítor Bruno a assumir o papel de Conceição no banco do FC Porto.

Vai ser insólito para quem vê, mas para a equipa não será muito diferente, acredita Manuel José, decano dos treinadores portugueses, com mais de 500 jogos na Liga, incluindo no banco do Boavista, mas também de Sporting ou Benfica, numa conversa no Maisfutebol em que aborda a preparação de um jogo nestas circunstâncias.

O treinador começa por destacar o insólito da situação. «É anormal estarem os dois treinadores castigados. É estranho, foge à norma, os jogadores estão habituados a ver o treinador no banco a dar ordens, a traçar diretrizes, seja na componente pessoal ou coletiva, tática ou técnica», diz.

«Mas essas diretrizes são traçadas antes e são os treinadores adjuntos que as põem em prática. Durante o jogo têm de pensar pela cabeça do treinador principal. Ou podem ter mais autonomia, se o conhecimento que os treinadores têm dos seus adjuntos permitir dar-lhe mais margem nas decisões», analisa Manuel José, acreditando que para a equipa não há grandes diferenças na preparação de um jogo onde não está o treinador: «Não muda muito, só muda no dia do jogo a presença física do treinador. Os jogadores sabem que estão a ser observados pelo treinador, a única diferença é mesmo a presença física. Sabem que as ideias que são transmitidas são do treinador. É encarado com alguma normalidade.»

«Não é invulgar, mais com alguns treinadores do que com outros, mas é uma situação com que a equipa convive bem», acrescenta.

Há de qualquer forma preocupações adicionais, desde logo a comunicação do treinador com a equipa. São muitas as estratégias possíveis, sem falar do recurso a medidas «radicais» como a de José Mourinho, que se escondeu num cesto da roupa para entrar no balneário sem que os delegados da UEFA o vissem aquando da sua primeira passagem pelo Chelsea, antes de um jogo de Champions com o Bayern Munique.

«Por norma há um meio de contacto entre o treinador e o banco», diz Manuel José: «O treinador está num ponto estratégico a ver o jogo e pode tomar as decisões para serem transmitidas ao treinador que está no banco no seu lugar.»

«Agora é bem mais simples», continua, comparando com os seus primeiros tempos como treinador: «Hoje há formas muito mais sofisticadas de comunicar. Quando não havia telemóveis era mais complicado.» E como era? «Tínhamos alguém numa posição não muito longe do banco, que ia passando as minhas indicações. Antes do jogo montávamos também a estratégia de comunicação. Mas não era tão fácil e aí sim, se havia uma situação não prevista tínhamos de dar maior liberdade ao treinador adjunto.» Mas também havia, admite, menos controlo: «As coisas não eram tão rigorosas como são hoje. Eu não estava muito longe. E a pessoa que estava no meio ia transmitindo as minhas indicações.»

Emoções à flor da pele, controlo e descontrolo, do insólito em Espinho a… Rafa no dérbi

Todos os treinadores são diferentes, mas Manuel José diz que perder o controlo e acabar expulso pode acontecer a qualquer um. «O futebol é um jogo de emoções, por vezes fortíssimas, que extravasam o controlo das pessoas», nota: «É assim com tudo o que o envolve, a começar pelos adeptos. Num momento está tudo bem, noutro está tudo mal e no fim ganhamos e andamos aos ombros de quem passou o jogo todo a insultar-nos. A mim isso já me aconteceu.»

Então? «Um fulano passou o jogo todo a insultar-me, eu com vontade de dizer-lhe que lá fora falávamos, e no fim tudo a festejar e quando dou por mim estou aos ombros desse fulano.» Não aconteceu lá fora, no Egito ou noutro campeonato estrangeiro, foi mesmo em Portugal: «Foi em Espinho, quando comecei a treinar.»

Voltando aos treinadores. «Às vezes também acontece com os treinadores, perder o controlo. E aos jogadores», continua Manuel José, a reforçar a ideia com um exemplo bem recente: «Veja ainda agora o que aconteceu no Sporting-Benfica, com o Rafa. Estava tudo tranquilo, de repente perdeu completamente o controlo e foi expulso, quando já não fazia sentido. Desde que conheço o Rafa nunca lhe tinha visto nenhuma atitude de agressividade. E ontem estava completamente fora de controlo.»

De qualquer forma o controlo também se aprende, defende Manuel José: «Quando comecei fui expulso algumas vezes, mas ao longo dos anos fui ganhando um saber de experiência feito que me permitiu encarar os jogos de forma muito mais racional, de forma a não perder o controlo. Conviver com a pressão também se aprende.»

Mas o treinador também admite que às vezes a impetuosidade do técnico no banco faz parte da estratégia: «Às vezes esse tipo de comportamento também passa por transmitir algo para fora, passar à equipa a mensagem de que não se entregam, às vezes até no plano psicológico para o adversário. Jogar com as emoções, passar uma ideia de agressividade para pressionar o adversário.»

A partir da próxima temporada os treinadores e todo o «staff» que está no banco vão passar a ver também cartões amarelos e vermelhos, segundo decidiu no início de março o International Board. A medida pretende tornar mais claras as decisões disciplinares em relação ao banco, que muitas vezes não são esclarecedoras para quem assiste, mas Manuel José não acredita que vá mudar muito em relação ao comportamento dos treinadores no banco: «Se for um treinador emocional não muda nada.»